Literatura infantojuvenil,

O samba verde e rosa de Cartola

Escritora paulista reconta o impacto que o amor, a poesia e a favela tiveram na vida do sambista carioca

13abr2023 | Edição #69

Professora e antropóloga, a escritora de livros infantojuvenis Janaína de Figueiredo já publicou nove livros, nos quais traz temas como a diáspora e a força da cultura afro-brasileira na construção do povo brasileiro. Seu último livro, A rosa e o poeta do morro (Pallas Míni, 2022), é mais uma representação afro-brasileira para crianças. Dedicado à memória do samba e a um de seus maiores representantes, a autora dá voz a Cartola por meio de poemas que narram sua descoberta das cores verde e rosa da escola de samba que ele viria a fundar e também a descoberta de sua rosa particular: Eusébia, conhecida como Dona Zica, a esposa do compositor. Com ilustrações de Paulica Santos, a história celebra a explosão de cores do carnaval mangueirense e a tradição do Carnaval.

Em entrevista para a Quatro Cinco Um, Janaína de Figueiredo fala sobre sua ligação com o samba, as religiões de matriz africana e como foi recontar Cartola para os pequenos.

Como surgiu a ideia do livro? O que levou em conta na hora de criar uma história que apresentasse o sambista Cartola aos pequenos?
Cartola é um dos grandes poetas brasileiros do século 20. Há algum tempo venho pesquisando a relação do samba com as religiões afro-brasileiras. Na pesquisa, me deparei com Cartola e uma das suas mais famosas composições, “As rosas não falam”. Sempre gostei dessa música, mas não conhecia o processo criativo em torno dela. Dizem que a canção foi criada a partir de uma situação bem prosaica.

Nos relatos, havia um roseiral na casa de Cartola e de Dona Zica que de repente floriu. Dona Zica, espantada, perguntou ao Cartola como isso poderia ser possível. E contam que Cartola teria respondido: “não sei, as rosas não falam!”. A história dessa música me trouxe Dona Zica, a Mangueira e a favela. Comecei a pesquisar um pouco sobre essa grande mulher, artista, sambista e sua relação com a poesia de Cartola. A partir daí nascia o livro A rosa e o poeta do morro. Penso que Cartola, Dona Zica, outros e outras sambistas fazem parte da história do nosso Brasil. As crianças precisam e têm o direito de conhecer essas memórias.

De onde vem sua conexão com os temas como samba, as religiões de matriz africana e a diáspora?
Nasci em um terreiro de candomblé e sou iniciada como Makota. No terreiro, me chamo Kalunga Diá Un Dembo [a ventania do mar]. ‘Makota’ é uma palavra de origem afro-banto, que significa pessoa muito antiga, destinada a cuidar dos Nkisis (orixás). Então, meu envolvimento com as religiões de matrizes africanas e a diáspora é afetiva e ancestral. A relação com esse universo faz parte da minha história e das pautas antirracistas que defendo.

Já o contato com o samba foi na minha infância e juventude. Fui criada em uma cidade pequena, do litoral norte paulista, e na rua de casa havia uma escola de samba, chamada Kifogo. No meu bairro havia terreiros de candomblé, de umbanda, grupo de caiapó, brincadeiras como boi bumbá. No mês de outubro começava o ensaio da Kifogo: dormíamos escutando o som da bateria até o carnaval e esse som até hoje visita meus sonhos! Minha família se envolvia com os desfiles da escola; e eu gostava de tocar tamborim com meus irmãos. Mas naquela época, infelizmente, meninas não podiam fazer parte da bateria. Participava apenas das alas, mas o tamborim cravou suas marcas em mim.


Ilustrações de Paulica Santos [Divulgação]

Futuramente, você planeja contar histórias sobre outros sambistas ilustres para as crianças?
Tenho muita vontade de escrever sobre a memória das mulheres sambistas. Ainda temos pouca representação das mulheres negras sambistas na literatura para as infâncias.

Se pudesse sugerir uma playlist com músicas do Cartola para os pais apresentarem às crianças depois de lerem A rosa e o poeta do morro, quais canções indicaria?
As canções de Cartola podem ser uma forma das crianças se aproximarem da poesia, do samba e da história de uma geração de artistas brasileiros. Indicaria “As rosas não falam”, “Alvorada”, “Alegria”, “O mundo é um moinho” e “Peito vazio”.

Que livro você gostaria de ter lido quando criança?
Na infância, fui criada mais com histórias orais do que com livros. Eram histórias nascidas no chão de terreiro ou entre os velhos caiçaras. Sempre tive vontade de ler livros sobre o meu lugar: o do terreiro e o do mundo caiçara. Talvez seja por isso que tenho escrito sobre esses temas para os pequenos.

Como podemos incentivar o hábito de leitura nas crianças?
No meu tempo de criança, os livros que chegavam na minha cidade eram aqueles trazidos por livreiros viajantes. Meus pais não tinham condições de comprá-los. Então, meu avô juntou dinheiro e comprou uma coleção de livros de contos de fadas e os lia, repetidamente, para mim. Eram sempre as mesmas histórias, mas todas contadas de forma diferente. Meu avô era um grande contador de histórias! Ele trazia alegria, brincadeira e alimentava minha imaginação de criança. Penso que ler para uma criança é um ato de amor e generosidade! A leitura cria vínculos afetivos e constrói uma memória leitora. Talvez seja esse o caminho para a formação de crianças leitoras.

Quem escreveu esse texto

Jaqueline Silva

É estudante de Jornalismo na ECA-USP e estagiária editorial na Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #69 em abril de 2023.