Fichamento,

Mario Prata

Com doses misteriosas de fato e ficção, o escritor narra em seu novo livro onde, quando, como e por que surgiu o futebol

01out2021 | Edição #50

Ao completar sessenta anos de carreira, o craque Mario Prata conta em O drible da vaca (Record) que o futebol foi criado na Universidade Cambridge, em 1859, graças ao professor John H. Watson — sim, o parceiro de Sherlock Holmes. Lemos nas linhas borradas entre pesquisa e imaginação que a largura de um gol tem a medida exata do portão da universidade, que a matéria-prima para a primeira bola de futebol veio do Brasil e que a criação do esporte foi apoiada pela rainha Vitória, que recebeu Watson em sua sala de fumar maconha — a sala, assegura Prata em um dos inúmeros e divertidos rodapés do livro, realmente existiu. Por essa nem os ingleses esperavam.

O futebol deu tão certo por ser elementar, meu caro?
Segundo o autor do livro, John H. Watson (eu apenas traduzi e escrevi os rodapés), deu certo porque até então não existia nenhum esporte no mundo praticado com os pés. Essa foi a jogada. O gol de placa. E teve o apoio da rainha Vitória. Quando o governante não joga contra, tudo fica mais fácil. E foi um momento importante na Inglaterra. Uma pós-pandemia (do cólera) que durou mais de três décadas. O futebol surgiu junto com o metrô. Os anos 60 ingleses foram incríveis! No século 19 e no 20.

Há situações na história de um time, ou de um país, em que um impedimento é mais saboroso que um gol?
Infelizmente no Brasil os juízes não têm marcado impedimentos. E nunca vimos tantos gols contra. O Brasil está jogando na retranca. É o kit retranca, o kit maluquice, o kit convite!

Em tempo de VAR e e-book, ainda é possível apreciar os clássicos?
Sim! Os textos de Nelson Rodrigues sobre futebol continuam clássicos! Aqueles sobre a família brasileira também. Mas eu defendo os e-books. Aliás, há alguns anos só leio em e-book. Tem todas as vantagens do mundo. É que o leitor do papel (aquele que diz gostar do cheiro) não tem ideia do que o e-book oferece. Quanto ao var, ele já nasceu velho. Ficam traçando linhas. Seria mais fácil um bom chip no bico da chuteira do jogador, outro no braço, mais um na cabeça e uns nos ombros. Dez ou quinze chips e o jogador estaria apto a jogar futebol. Em 1859, nem Darwin — que também é personagem do livro e também estudou em Cambridge — poderia prever isso. Como colocar chips nos insetos?

Como foi possível juntar futebol e literatura sem escrever “gol de letra” nem uma vez em 384 páginas?
No original do Watson, tinha dois ou três letter goals. Mas eu não quis traduzir ao pé da letra. Quanto ao título, Cow drible, não sei exatamente se minha tradução foi correta. Gostei de ele ter criado o gun doula. Era muito criativo. Aliás, foi uma grande ideia dele escrever o livro quando parou de narrar as aventuras de Sherlock. Eu tinha certa pena dele. Não havia escrito nenhum livro sobre a sua vida. Sherlock não lhe dava espaço. Deve ter ficado muito feliz quando teve a ideia de escrever o esporte com os pés, embora tenha escrito com as mãos. Me perdoe pelo péssimo trocadilho. Os ingleses gostam.

Teria George Orwell estabelecido as bases do que viria a ser conhecido como árbitro de vídeo?
Não sei se sabe, mas Orwell era apaixonado por futebol. “A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.” A frase refere-se ao futebol. Sonia Orwell, sua esposa, encontrou em gavetas os originais de um livro chamado 1982: uma tragédia em Sarriá. Mas, por não saber do que se tratava, deixou pra lá. Consta também que ele chegou mesmo a jogar. Gostava de chutar a bola para o ponto futuro.

Se pudesse escolher um jogador de futebol, vivo ou morto, para ler O drible da vaca, quem seria?
Tostão. Ele leu e escreveu sobre o livro em sua coluna na Folha de S.Paulo.

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Matéria publicada na edição impressa #50 em agosto de 2021.