(Divulgação)

Fichamento,

Luciana Gerbovic

A solidão da mulher que aborta é ponto de partida para romance de estreia da escritora, advogada e mediadora de clubes de leitura

01maio2024 • Atualizado em: 13maio2024

Escrevendo sobre temas delicados, autora mistura maternidade, casamento, vida profissional e culpas impostas por uma sociedade punitivista para contar A maior mentira do mundo (Quelônio).

Se não for spoiler: dá para contar qual é a maior mentira do mundo? 
Meu filho de treze anos me fez essa pergunta, eu disse que não dava para saber, e ele respondeu: “Então a maior mentira é seu livro, que não conta qual é”. 

O romance nasceu de um conto focado na questão do aborto, e a primeira mentira que pensei foi na frase do médico [depois do aborto da protagonista]: “Será como se nada tivesse acontecido”. Ela aborta por pressão do pai e, logo depois, a mãe a leva para tomar um sorvete. Deste ponto de partida, fui desenvolvendo o livro, criando camadas com as muitas mentiras frequentes: o amor romântico, o casamento “perfeito”, a maternidade santificada, as inverdades contadas para manter privilégios de classe. Olha quantas mentiras contam para a gente.

Sobre a pergunta, sua e de meu filho: sou mediadora de leitura há muitos anos e vejo como cada livro é lido de um jeito. Deixo para a leitora e o leitor escolher sua mentira. 

Como a experiência de mediadora entrou na escrita?
Observo o que determinadas leituras provocam nas pessoas, mas não escrevi pensando o que vão achar, senão nem faria esse livro. A história desse romance é longa, iniciei a escrita antes de começar a fazer mediações. Fiz várias versões ao longo dos anos, mas, mesmo depois que comecei a mediar clubes de leitura, tentei me blindar na história que queria contar, sem me preocupar com o que iriam achar. Como mediadora, sei que existem tabus, tem gente que nem vai no encontro dependendo do tema. Em A maior mentira toco em questões delicadas, mas nunca quis escrever para agradar os leitores.

O tema mais delicado no livro é a questão do aborto? 
Acho que sim. Quando comecei a escrever, não tinha lido nada tratando do assunto abertamente, foi antes de livros como O acontecimento, da Annie Ernaux, chegarem ao Brasil. E eu não encontrava um jeito de falar do tema. 

Fui criando personagens, pensando no que mais eu queria falar. Como é o aborto para determinada classe privilegiada, ou como é quando a decisão é do homem, a solidão da mulher que aborta. E foram surgindo outros elementos: casamento, maternidade, mulheres que acham que não conseguem ter filho porque abortaram. 

Quem está ouvindo essa mulher? A questão da culpa é impressionante e vem de fora: da Igreja, de uma sociedade punitivista que introjeta essa culpa. 

No caso de Camilla, a protagonista, ela não é punida pela lei, mas se autopune por culpa? 
Camilla representa muitas mulheres, é eco de uma coletividade. Faço mediação de leitura em prisões, não tem como eu entrar numa penitenciaria e não pensar: “Opa, é para cá que trazem essas mulheres?”. Na prisão, as trancas, os gritos e o barulho são o que mais me assustam. Se escrevo sobre uma mulher que faz algo considerado crime pela nossa legislação, ela poderia ser trazida para esse lugar. Não vai, mas lembro disso, e a personagem tem essa culpa introjetada.

Você quis tratar de outras questões delicadas? 
Quis falar de etapas importantes na vida de uma mulher: a descoberta do sexo, o casamento, a maternidade, o trabalho. Sobre isto: tivemos essa conquista de poder trabalhar fora, que bom, mas só a gente sabe se o filho levou lanche para a escola… A Camilla vai na conversa do pai: “Volta para o jogo, vai dar tudo certo”. Não deu. Caramba, vamos zerar essas regras, não são boas, vamos pensar em regras novas. 

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).

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