
Fichamento,
Izabella Cristo
Experiência em UTI neonatal inspira romance de médica e escritora paraense vencedora do novo prêmio Caminhos de Literatura
24abr2025 | Edição #93O romance mãezinha (Dublinense) foge do melodrama ao contar dores, sustos, revoltas e alegrias das mães de prematuros com humor e até certa ironia, sem perder a ternura.
Assim como a protagonista de mãezinha, que tem um nome muito parecido com o seu, você é médica. É uma autoficção?
É uma autoficção muito pulverizada. Tem cenas que aconteceram comigo [como mãe de prematuro], outras com as mães que conheci na UTI neonatal e até histórias de colegas médicas, tudo misturado. A motivação da escrita foi minha entrada no mundo da prematuridade sendo uma pessoa da área de saúde — ainda por cima, uma cirurgiã, que tem uma visão muito intervencionista da medicina. Em teoria, passaria por essa experiência [da maternidade] com certa facilidade. Mas, pelo contrário, eu me sentia muito impotente, mesmo o caso do meu filho não sendo tão grave.
Foi por isso que resolveu escrever?
Eu convivia com aquelas mulheres e ficava comovida com suas histórias. No lactário, tinha uma pasta com cartas das mães que passaram por lá. Gosto de ler, não tinha livros ali, mas eu tinha uma pasta de histórias. Pegava e ficava lendo as cartinhas. Tantas histórias que não saiam para o mundo. Mas no início eu não tinha a pretensão de escrever um romance.
Quando virou um romance?
Quando percebi aquilo tudo encaixotado dentro do hospital. Ninguém fala dessa parte da maternidade. Ver aquelas mães enfrentando o risco de perder o filho recém–nascido me motivou. Mas não queria falar disso como um melodrama, tipo “pensem nas crianças mudas, telepáticas”.
Que tom quis dar?
Queria um tom de realidade, mas ao mesmo tempo de afeto e com um pouco de ironia. A diferença entre uma tragédia e uma comédia é o tempo e a distância com que você olha para elas. Não que eu queira fazer graça, mas a graça pode ser uma forma de apontar coisas erradas.
Quais coisas erradas?
Um pouco você ficar isolada, sem rede de apoio. As pessoas têm medo do infortúnio, como se fosse uma doença contagiosa, e têm medo de se aproximar de quem está passando pela dor. Ou de, como médica, eu saber que algum procedimento pode dar errado, mas não querer ser eu, como paciente, a parte ruim da probabilidade.
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O título é também uma crítica à infantilização dessa mulher que acabou de parir um prematuro?
Vou te contar um segredo desse título: em 2022 eu estava com o manuscrito pronto, que até então chamava “Mãe de um prematuro”; fui tentar editora e não tinha quase nada publicado com esse título. Mas, em 2023, apareceram muitos relatos autoficcionais com esse tema, sempre na pegada do melodrama. Quando decidi mandar para o concurso Caminhos de Literatura, decidi mudar o título. Mãezinha é uma forma carinhosa de tratar essa mulher, mas também essa coisa meio infantilizada, “obedece, mãezinha”. Não quero defender um lado ou outro, mas quero que essa discussão seja feita. Quando a gente faz treinamento na pediatria, somos orientadas: “aqui, todo mundo é mãezinha”, entendeu? Não deveria ser assim, deveria ser um tratamento que respeitasse a vontade de cada mulher. Eu não sou a mãezinha do Leonardo, eu sou a Izabella. Será que estamos sendo escutadas e respeitadas?
O livro também tenta desromantizar a maternidade?
Sim. Quando tive filho pensei: “Caramba, me enganaram. Vou criar esse ser humano, mas não sei nem o que estou fazendo com a minha vida. O que vou fazer com a vida dessa pessoa que é minha responsabilidade agora?”. Isso não é uma desvalorização da maternidade, é querer que essa cobrança em cima das mães seja menos pesada.
Matéria publicada na edição impressa #93 em abril de 2025.
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