O autor carioca Marcelo Moutinho (Leo Aversa/Divulgação)

Fichamento,

Marcelo Moutinho

Autor carioca retorna à crônica, gênero que lhe rendeu um prêmio Jabuti em 2022 e foi fundamental para sua formação literária

27jan2025 | Edição #90 fev

Em O último dia da infância (Malê), Moutinho cria um mapa lírico para caminhar da morte à vida, do íntimo ao coletivo e do silêncio da casa ao burburinho das cidades.

Seu livro é uma declaração de amor à crônica. Qual é sua relação com o gênero, nem sempre valorizado?
Foi um gênero fundamental na minha formação como escritor. Não venho de uma família letrada, meu pai era comerciante de subúrbio no Rio de Janeiro. Comecei a ler por causa das histórias em quadrinhos, como muita gente. Na escola, me deparei com a coleção Para Gostar de Ler [coletânea de narrativas breves de grandes escritores], foi uma revelação. Era literatura adulta e estava muito próxima da minha realidade. Já adulto, mantive meu interesse por saberes que são desvalorizados, vamos dizer assim. Tenho fascínio por essas formas “menores”, que são incríveis, mas às vezes ficam sob essa divisão, completamente despropositada, de grande e pequena arte, alta e baixa cultura.

Você é cobrado a escrever um romance?
É o que mais escuto, meus amigos já perguntam até de sacanagem: “Quando vem o romance?”. Uma praga. Como se eu fosse um jogador júnior e só pudesse virar profissional ao escrever um romance. É uma questão ligada ao mercado, supostamente sobre vender mais ou menos. Mas graças a Deus nunca fiz literatura para ganhar dinheiro, não preciso acompanhar as ondas do momento. Sou completamente avesso ao “must-read”: se todo mundo está lendo fulano, é justamente o que não vou ler. É o autor da moda agora? Ótimo, daqui a dois anos leio. Tenho esse perfil meio gauche.

Qual foi a importância de referenciar outros escritores brasileiros em O último dia da infância?
É importante ter ligação com a ascendência, isso é uma lição que o samba ensina. Uma das crônicas do livro se chama “Pisar no chão devagarinho”, que é um verso de uma música de Dona Ivone Lara [“Alguém me avisou”]. Quando você chega em um lugar, tem que entender o que foi assentado ali como cultura. Na literatura, há uma tendência da pessoa se achar o Adão de manhã no paraíso, cortando a fita inaugural do universo. Quando procuramos bem, alguém já tinha feito isso há 120 anos. De certa forma, sou um elo entre, sei lá, Antônio Maria, Clarice Lispector — não me comparando, naturalmente — e a literatura de hoje. Assim como o Antonio Prata, a Tati Bernardi, a Socorro Acioli, enfim, os autores que se dedicam à crônica hoje também são.

Na crônica “Dicionário amoroso”, você conta quais são as palavras preferidas de vários autores. E a sua, qual é?
A minha muda quase todo ano. Hoje é borogodó. Tem uma sonoridade brincalhona e nomeia esse elemento difícil de definir. Uma espécie de [azeite de] dendê: você está comendo um camarão e de repente tem uma coisa que faz cócega na alma. Como quase todos autores que citei, acho que o afeto pela palavra preferida tem como cimento essa mistura de sonoridade com sentido.

E qual é o borogodó de O último dia da infância?
É um livro mais pessoal. Tem a crônica da morte da minha mãe, e a da carta que minha filha Lia fez para ela, que recriei para o epílogo. Minha busca foi encenar uma certa caminhada, começa com a morte, termina com a vida, passa pelo confinamento da pandemia e vai para a rua.

Você fala muito sobre música, não só nesse livro. Qual seria a trilha sonora desse lançamento?
Sempre faço playlist para meus livros. Para esse, o epílogo seria o álbum Circense, do Egberto Gismonti, que levei à maternidade quando Lia nasceu. Na parte das cidades, “Só dói quando rio”, do Aldir Blanc, a letra mais incrível já feita sobre o Rio. Para a primeira parte, da morte da minha mãe, “Samba do Irajá”, do Nei Lopes: “É isso aí, ê Irajá/ meu samba é a única coisa que eu posso te dar”.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #90 fev em fevereiro de 2025. Com o título “Marcelo Moutinho”

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