A Feira do Livro, Divulgação Científica,

A linguagem é um vírus

Em livro sobre pandemia, a bióloga Nurit Bensusan procura tratar a ciência como literatura

10jun2022 | Edição #58

O morcego foi, por algum tempo, a espécie acusada de ser a responsável pela pandemia de Covid-19, que ainda assola o mundo. Por causa disso, a bióloga e engenheira florestal Nurit Bensusan resolveu escrever uma série de cartas ao mamífero voador, publicadas no livro Cartas ao morcego, lançado pela ieb Mil Folhas e pelo Instituto Sociambiental, com ilustrações de Raísa Curty. Na obra, a coordenadora do Núcleo de Gestão de Conhecimento do Instituto Internacional de Educação (ieb) discorre sobre os modos como a humanidade lida com a natureza.

Bensusan sobe ao palco do Auditório Armando Nogueira hoje, às 15h, com Pedro Paulo Pimenta, para falar mais sobre seu livro, que foi votado um dos melhores lançamentos de 2021 pelos colaboradores da Quatro Cinco Um. A seguir, ela explica como o vírus é uma forma de comunicação da natureza, critica as ações humanas diante de novas doenças e expõe como tratar a ciência como literatura.

Qual é a expectativa de frequentar uma feira de livros como autora?
Cartas ao morcego é um mergulho na pandemia e suas possíveis causas e consequências. Emergir de tal mergulho para falar sobre o livro e indiretamente sobre a pandemia é uma lufada de ar fresco. Escutar o que as pessoas pensaram quando leram o livro, conversar sobre como viver com a ideia de que temos responsabilidade na emergência de novas doenças e como o que pareceu, no começo, uma janela de oportunidade se revelou um espelho quebrado, tudo isso é muito instigante. As cartas foram escritas para o morcego, mas seus destinatários finais são múltiplos e certamente o público da feira está entre eles.

Em seu livro você afirma que o vírus da Covid-19 é uma linguagem. Pode explicar melhor essa ideia?
Fui inspirada por uma música da Laurie Anderson que diz que a linguagem é um vírus, mas, durante a pandemia, quando entendemos as dinâmicas dos vírus, percebemos que o oposto também acontece: os vírus são uma língua ou uma linguagem. Isso se dá em diversas dimensões. Uma é a própria genética, uma sopa de letrinhas cada vez mais traduzida em informação digital, uma língua em que se comunicam todos os seres do planeta.

Como esse material genético é constituído dos mesmos elementos que o nosso, há uma comunicação sem fim entre todos, para o bem ou para o mal. Outra dimensão é a costura que o vírus faz entre as diversas espécies, vivendo em paz dentro de algumas, recombinando-se dentro de outras e infectando outras ainda. Os vírus podem nos mostrar também como as escolhas que estamos fazendo converterão o planeta, convidativo, onde ainda vivemos hoje, em um mundo hostil.

Como aproximar o discurso científico de um público maior?
Este é um imenso desafio. Minha aposta é tratar a divulgação científica como literatura, e não como uma tradução do discurso científico. Conectar a ciência com os outros elementos da cultura e da nossa vida cotidiana ajuda a trazer a ciência para mais perto das pessoas e, assim, talvez elas possam entender a diferença entre informação científica e opinião. Conceber novas formas de apresentar as questões científicas pode ser parte de um mosaico de alternativas necessárias para lidar com o obscurantismo.

cobertura d’A Feira do Livro

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de ireito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).

Matéria publicada na edição impressa #58 em fevereiro de 2022.