Arte, Infantojuvenil,

A viagem libertadora do unicórnio

O artista plástico Renato Moriconi promove um encontro entre crianças e artistas como Tarsila, Rodchenko e Botticelli

07nov2018 | Edição #1 mai.2017

Quando meus filhos gêmeos fizeram cinco anos, tivemos uma conversa despretensiosa, mas que acabou por definir muito da forma como eles continuariam olhando para as obras de arte que tanto insisto em mostrar.

Estavam desenhando e um deles perguntou: "Por que tenho que pintar o elefante de cinza?". Respondi que o elefante podia ser da cor que ele bem entendesse, que a graça era justamente essa.

Daquele dia em diante, meus filhos se sentiram livres para desenhar sem seguir regras. E, principalmente, permaneceram livres para ver uma obra e deixar a emoção e a imaginação fluírem.

O livro O dia da festa, escrito e ilustrado por Renato Moriconi, e lançado pela editora Pequena Zahar, potencializa essa possibilidade de mantermos as crianças abertas para encontros e reencontros com a arte, algo que costuma se diluir à medida que a educação formal e conteudista avança.

Há muitas histórias dentro da história de Moriconi. Seu unicórnio percorre reinos distantes, por onde antes passaram grandes mestres da arte. Embarcamos em uma viagem estética tão fantástica e deliciosa quanto a crença na existência de um unicórnio prometido.

Vamos da agonia de Francisco Goya ao engajamento da Tarsila do Amaral. Do espírito revolucionário de Alexander Rodchenko à alma aventureira de Albert Eckhout. Passeamos pela idealização de Sandro Botticelli, pelo mistério de Hieronymus Bosch, pela ousadia de Man Ray, pela visão matemática de Piero della Francesca.

A diversidade de técnicas e linguagens artísticas no livro reforça a quantidade de camadas em que a história da superfície é capaz de se desdobrar.

O unicórnio pode remeter ao alicerce da liturgia cristã. Ou pode ser a base de um existencialismo mais pragmático, de que estamos todos sempre à espera de algum tipo de salvação. Afinal, o que é real e o que é inventado em uma história? Quem define o especial e o ordinário?

Em O dia da festa, Renato Moriconi levanta questões dessa natureza. E eu lembro que, volta e meia, ainda me pego tendo de repetir aos meus filhos e a mim mesma que o elefante pode ser colorido. É simples. Mas nem sempre é fácil.

Quem escreveu esse texto

Gisele Kato

É editora-chefe do canal Arte1.

Matéria publicada na edição impressa #1 mai.2017 em maio de 2017.