Literatura infantojuvenil,

Entre desenhos e palavras

As ganhadoras do Hans Christian Andersen, o mais prestigioso prêmio da literatura infantojuvenil, falam de sua arte

01ago2020 | Edição #36 ago.2020

Os traços de Albertine

Ganhadora, em maio, do prêmio Hans Christian Andersen, concedido a cada dois anos pela International Board on Books for Young People (IBBY), a ilustradora suíça Albertine é uma artista bastante versátil. De álbum ilustrado a exposições em galerias passando pelo desenho e pela pintura, seus traços minimalistas e sua combinação de cores são fáceis de  serem reconhecidos, assim como seu humor perspicaz. 

Entre os seus livros publicados no Brasil, estão Meu pequenino (Ameli) — que foi resenhado na edição 27 da revista dos livros — e Os pássaros e Dadá, ambos pela Editora 34, que também prepara para o segundo semestre o lançamento da coleção da personagem Marta: Marta e a bicicleta, Marta no país dos balões, Marta e o polvo e O retorno de Marta. Todos esses títulos foram realizados em colaboração com o marido, o também suíço Germano Zullo. Ela conversou com a Quatro Cinco Um sobre seu processo criativo, seus ilustradores preferidos e leituras na infância.

Como é o seu processo de criação para ilustrar um livro?
Eu desenho todos os dias. Tenho duas práticas. A primeira é uma espécie de laboratório no qual desenvolvo projetos solitários, exploro o desenho, técnicas e formas novas, para depois criar os álbuns. Quando surge uma ideia, seja de Germano, seja minha, nós a anotamos. Em geral, conversamos sobre qualquer ideia por muito tempo. Germano começa a desenvolver uma história, dando corpo a ela. 

Depois, ele me fornece um roteiro e começo a pensar no formato do livro, na ferramenta que vou usar e na forma final da nossa história. Nunca invadimos o trabalho um do outro. Trabalhamos juntos apenas no momento de elaboração das histórias. Dividimos juntos o aspecto narrativo. Em seguida, cada um trabalha separadamente, cada um seguindo o seu ritmo. É primordial que tenhamos esse espaço.

Você poderia nos contar quais são seus ilustradores preferidos?
Amo muitos artistas diferentes, não apenas do mundo da literatura infantojuvenil. Entre os meus preferidos estão Saul Steinberg, Hariton Pushwagner, Jockum Nordström, Helge Reumann, Tara Booth, David Hockney, Yann Kebbi, Alice Neel, Martin Jarrie e Paul Cox.

Tem predileção por algum livro voltado para crianças?
Sur la Colline (Sobre a colina), de Kota Taniuchi (MeMo, 2018), La Course (A corrida), de Cho Eun Young (MeMo, 2010), e muitos outros.

Você trabalha com vários meios distintos. É muito diferente fazer ilustrações para livros de crianças em relação às suas outras atividades?
Faço uma distinção entre o trabalho de desenho encomendado e o projeto de um álbum. Mas não faço nenhuma diferenciação entre um projeto de livro para crianças e um projeto de exposição ou um livro para adultos. A liberdade para contar e a forma encontrada para servir à história são importantes em todos os meios.
 
Como é possível criar o hábito de leitura nas crianças?
A leitura tem que trazer prazer, um momento confortável. A leitura antes de dormir pode se tornar um momento privilegiado ao lado dos pais. Talvez na escola possa surgir o ritual de leitura. É importante ler livros diferentes. Acredito que a diversidade das leituras cria o gosto e abre as portas, os espaços para pensar.

Os sonhos de Jacqueline Woodson

Nascida no estado de Ohio e criada no sul dos Estados Unidos, a escritora Jacqueline Woodson se mudou lkogo depois para o bairro do Brooklyn, em Nova York, conhecendo, portanto, realidades diferentes dentro do seu país. Autora do celebrado Brown Girl Dreaming (Menina marrom sonhando), sobre suas memórias de infância; The Other Side (O outro lado), que aborda o racismo nos Estados Unidos; e If You Come Softly (Se você vier aos poucos), sobre relações inter-raciais, seus livros voltados para crianças ainda não foram traduzidos no Brasil. 

No entanto, suas obras para adultos ganharam tradução por aqui: a editora Todavia lançou neste ano o romance Um outro Brooklyn e pretende publicar no ano que vem uma versão em português de Red at the Bone [Vermelho no osso]. Em entrevista à Quatro Cinco Um, Woodson falou sobre qual livro de sua autoria gostaria de ver lançado no Brasil.

Qual obra de sua autoria voltada para crianças gostaria que fosse traduzida no Brasil?
Each Kindness [Cada gentileza], um livro ilustrado com que muita gente conseguiria se identificar, tanto jovens quanto adultos. E, claro, Brown Girl Dreaming, um livro de memórias ambientado nos anos 1960 e 70. Tem muitos temas daquela época que continuam relevantes para o momento presente.
 
Na sua opinião, qual foi o livro mais importante que já escreveu? Tem preferência por algum?
Todos os meus livros são importantes. Não escreveria um se não achasse que fosse importante. Não tenho um preferido. Todos se destacam para mim, pois quando os escrevi — trinta, no total — cada um se destacou por várias razões.

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Existe alguma diferença entre escrever para crianças e adultos?
Há muitos desafios em escrever para cada tipo de público. Não acho que um seja mais difícil que o outro. Quando escrevo para o público infantil, tento me lembrar da criança que eu era, tenho que voltar para aquele momento em que era jovem. Quando escrevo para os mais velhos não preciso ser tão explícita e posso escrever sobre temas mais “adultos”, como sexo, posso xingar, escrever histórias que os adultos prestem atenção. Para pessoas mais jovens, faço algo diferente. Sou mais explícita na escrita, não uso nenhum palavrão e é uma perspectiva completamente diferente. Eu realmente adoro escrever gêneros literários diferentes.
 
Que livro você gostaria de ter lido quando estava crescendo?
Entre o mundo e eu, de Ta-nehisi Coates [lançado em 2015 e publicado no Brasil pela Objetiva]. Teria me dado muito sobre o que pensar, estudar e compreender. Mas, claro, a obra não existia quando estava crescendo. Mas James Baldwin já existia. Se a rua Beale falasse [de 1974], Terra estranha [ambos saíram pela Companhia das Letras] e seus ensaios me ajudaram a entender o país em que estou vivendo.
 
Como criar o hábito de leitura nas crianças?
Elas precisam nos ver lendo. Precisamos ler livros para elas desde quando são pequenas. Temos que contar histórias e celebrar livros. Não podemos ensinar algo para as crianças que não estamos praticando. Se elas não virem os adultos lendo, elas não vão ler. Se virem apenas os adultos olhando para o celular, é isso que elas vão fazer também. Tenha muitos livros em casa, tenha uma carteirinha da biblioteca, pense mesmo em como passar para as crianças seu hábito da leitura.
 
Nos últimos meses, vários protestos se espalharam pelos Estados Unidos e pelo mundo contra o racismo. A literatura pode ser uma ferramenta contra o racismo? 
Falamos muito sobre livros como um ponto de partida. Eles não são exatamente uma ferramenta, a não ser que saibamos como usar essa ferramenta. Podemos dar um livro para uma criança ou um adulto, mas se não soubermos como falar desse livro, se não soubermos conversar sobre essa narrativa, ela não vai reverberar nas pessoas. Então, precisamos ler e discutir a literatura com muita atenção para conseguirmos ter um entendimento melhor de como as coisas funcionam.

Este texto foi realizado com o apoio do Itaú Social

Quem escreveu esse texto

Paula Carvalho

Jornalista e historiadora, é autora e organizadora de ireito à vagabundagem: as viagens de Isabelle Eberhardt (Fósforo).

Matéria publicada na edição impressa #36 ago.2020 em maio de 2020.