Listão da Semana,

‘Racismo brasileiro’ e mais 6 lançamentos

Um tratado sobre a economia feminista, uma breve história do movimento LGBTI+, uma antologia sobre literatura e antropoceno e mais

07jun2022 | Edição #58

Vivemos em um país que reconhece a existência do racismo, mas onde ninguém se diz racista. Eis a combinação perversa apontada por Ynaê Lopes dos Santos em Racismo brasileiro, que chega nesta semana às livrarias. Ao reconstruir a história das discriminações e violências estruturais (e também sua desqualificação) experimentadas pela população não branca no Brasil, a autora também propõe caminhos para dimensionar, desvelar e desmantelar esse sistema em vigor há mais de quinhentos anos. “Uma alegoria mais eficiente para compreender a real dimensão do racismo seria compará-lo ao sistema nervoso central do corpo humano. Não bastam remédios. É preciso reprogramar todo o nosso cérebro.”

Completam a seleção da semana um romance da israelense Ayelet Gundar-Goshen, um tratado sobre a economia feminista, uma breve história do movimento LGBTI+, uma antologia sobre literatura e antropoceno, a história do manuscrito do Rubaiyat pelo libanês Amin Maalouf e um ensaio da filósofa francesa Marie-José Mondzain sobre o poder persuasivo das imagens.

Viva o livro brasileiro!

Racismo brasileiro: uma história da formação do país. Ynaê Lopes dos Santos. 
Todavia • 336 pp • R$ 79,90/49,90 

A violência policial contra os negros, o encarceramento em massa, os ataques contra os terreiros de candomblé, a discriminação dentro das empresas, os salários mais baixos, as moradias precárias nos confins das metrópoles, os estigmas perpetuados no sistema educacional. As diferentes formas do racismo na vida cotidiana são descritas por Ynaê Lopes dos Santos, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense, que reconstitui em seu livro a evolução do racismo no Brasil da era colonial aos dias atuais. Ela destaca ainda a luta de personalidades como Luiz Gama, a ideologia eugenista de Monteiro Lobato e as contradições de Getúlio Vargas (que se mostrou bastante receptivo a algumas reivindicações da população negra).

Ouça também: o episódio do podcast 451 MHz sobre Luiz Gama, pioneiro dos direitos humanos e da luta antirracista.

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Outro lugar. Ayelet Gundar-Goshen. 
Trad. Paulo Geiger • Todavia • 288 pp • R$ 79,90/ 49,90

Em seu quarto romance, a escritora e psicóloga israelense revela o impacto do antissemitismo e do racismo nos Estados Unidos na atualidade, no rescaldo do movimento Black Lives Matter. A narrativa é centrada na israelense Lilach (nome que os norte-americanos não conseguem pronunciar direito), que deixa seu país para escapar das tensões e da violência e se refugia na pacífica cidade de Palo Alto, acompanhada do marido e do filho. O drama começa quando um homem negro promove um atentado contra os fiéis da sinagoga local, trazendo medo a toda a comunidade judaica.

Em resenha do livro publicada na Quatro Cinco Um, Natalia Timerman escreve: "Se os judeus portam como um estandarte a história (legítima) de opressão de seu povo, isso, no livro, acaba por evidenciar mais uma vez que o estandarte de opressão dos negros ainda não foi suficientemente levado em conta e que, na distribuição cotidiana, silenciosa e invisível de papéis, eles costumam ser vítimas de ocuparem de antemão o papel de algoz."

Leia também um trecho de Outro lugar.

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Economia feminista: desafios, propostas e alianças. Carme Díaz Corral e Cristina Carrasco Bengoa (org.).
Jandaíra • 176 pp • R$ 52,90

Organizado pelas economistas catalãs Carme Díaz Corral e Cristina Carrasco Bengoa, o livro reúne artigos de autoras espanholas e latino-americanas — entre as quais Silvia Federici, Verónica Gago, Amaia Pérez Orozco e Natalia Quiroga Díaz — que discutem a economia de uma perspectiva feminista. As pesquisadoras criticam o pensamento econômico dominante, descrevem a destrutividade social e ambiental do capitalismo contemporâneo e propõem alternativas para superar a opressão contra as populações vulneráveis.

Trecho da apresentação do livro: “Tal como a entendemos, a economia feminista não é mais um ramo da economia – como pode ser a economia industrial ou a economia pública –, mas outra maneira de entender o mundo. E, sobretudo, de construir um marco econômico que permita oferecer os mecanismos adequados para dar resposta às necessidades das pessoas, todas elas e as mais diversas. A perspectiva e a proposta da economia feminista são absolutamente opostas à economia que dá suporte atualmente a um sistema heteropatriarcal, predador da natureza, explorador das vidas humanas e gerador de múltiplas desigualdades”.

Leia também: Koa Beck e Rafia Zakaria expõem a hierarquia branca dentro do movimento feminista e as consequentes exclusões de mulheres fora desse padrão.

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Movimento LGBTI+: uma breve história do século 19 aos nossos dias. Renan Quinalha.  
Autêntica • 202 pp • R$ 54,90/38,90

Autor de Contra a moral e os bons costumes (2021), o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha discute as questões conceituais sobre gênero e sexualidade e expõe a emergência do movimento LGBTI+ na Alemanha e sua expansão nos Estados Unidos e outros países do Ocidente para, em seguida, reconstituir sua evolução no Brasil. Ele discute também os desafios do movimento na atualidade: o combate ao autoritarismo, os lugares de fala, a interseccionalidade, o diálogo e a aliança com a esquerda, as armadilhas do tokenismo, a judicialização das demandas LGBTI+ e as ciladas do direito.

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Depois do fim: conversas sobre literatura e antropoceno. Fabiane Secches (org.).
Instante • 136 pp • R$ 64,90

Escritores e intelectuais brasileiros discutem a relação das obras literárias com os problemas do mundo contemporâneo, como a crise climática e a extinção das demais espécies, a luta indígena, o neoliberalismo e a exclusão social, a condição dos estrangeiros, a dificuldade de conhecer o outro e a perspectiva do fim do mundo. Os ensaios são assinados por Ana Rüsche, Aurora Bernardini, Christian DLunker, Daniel Munduruku, Giovana Madalosso, Itamar Vieira Junior, Maria Esther Maciel, Micheliny Verunschk, Natalia Timerman, Paula Carvalho (editora da Quatro Cinco Um), Paulo Scott e Tulio Custódio.

Leia também: O economista José Eli da Veiga amplia o debate sobre o Antropoceno e nos diz que não há resposta simples diante do colapso da civilização.

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Samarcanda. Amin Maalouf.
Trad. Marília Scalzo • Ils. Ana Cartaxo • Tabla • 352 pp • R$ 82

O premiado escritor libanês Amin Maalouf conta a história do manuscrito do Rubaiyat, do poeta, astrônomo e matemático persa Omar Khayyam (1048-1131), que se tornou um clássico mundial graças à tradução inglesa de Edward FitzGerald em meados do século 19. A obra influenciou autores como Fernando Pessoa e movimentos artísticos como o pré-rafaelismo, e teve sua cópia mais luxuosa perdida no naufrágio do Titanic em 1912. Mais recentemente, inspirou a popular série de jogos Assassin’s Creed, assim como o filme homônimo com Michael Fassbender e Marion Cotillard, de 2016.

Em resenha do livro publicada na Quatro Cinco Um, Paula Carvalho escreve: “[O livro] Lembra a atmosfera da saga A guerra dos tronos, de George R. R. Martin. (Se tivesse origem europeia, com certeza a história dos Assassinos já teria dado origem a várias adaptações audiovisuais de tirar o fôlego.)”.

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Confiscação: das palavras, das imagens e do tempo. Marie-José Mondzain. 
Trad. Pedro Corgozinho • Relicário • 192 pp • R$ 59,90

A filósofa francesa Marie-José Mondzain analisa nesse livro o poder persuasivo das imagens. Segundo ela, o fluxo industrial da comunicação audiovisual do liberalismo está erodindo, por meio das imagens e dos discursos, nossa habilidade de escrever, fazer filosofia, pensar uma ação política e compartilhar gestos de resistência. Ela sustenta, então, que é preciso se reapropriar das palavras que expressam nossa potência de transformação do mundo e “devolver ao termo ‘radicalidade’ sua beleza virulenta e sua energia política”. Mondzain é diretora de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris.
 
Trecho do livro: “As palavras mais ameaçadas são aquelas que a língua do mercado mundial da comunicação verbal e icônica faz desaparecer aos poucos, depois de lhes ter feito sofrer sucessivas torções a fim de as dobrar às leis do mercado. Pouco a pouco, é a capacidade de agir que é aniquilada por essas próprias confiscações que querem se tornar mestres de toda energia do desejo”. 

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Mauricio Puls

É autor de Arquitetura e filosofia (Annablume) e O significado da pintura abstrata (Perspectiva), e editor-assistente da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #58 em junho de 2022.