Crítica Cultural,

É bolsonarismo, estúpido

Os bolsonaristas por subtração fingem rigor com a esquerda para melhor apoiar a extrema direita

13out2022 | Edição #62

Bolsonarista por subtração é todo aquele ou aquela que, por covardia, conveniência ou ambos, fortalece a extrema direita em nome de um suposto rigor crítico à esquerda. Age, portanto, como se o plebiscito entre civilização e barbárie que nos espera no dia 30 fosse um capítulo a mais, banal, na história da tropeçante democracia do Bananão.

É bolsonarista por subtração cada analista que, tendo ajudado a normalizar Bolsonaro, está em discreto júbilo com as vitórias da extrema direita — atribuídas, é claro, a uma incompetência das esquerdas em falarem com o povão em geral e, sobretudo, em se dirigir aos “evangélicos”, fetiche sociológico desses judiciosos analistas.

Para o bolsonarista por substração, mais importante do que a corrosão da democracia é a confirmação de suas teses de anti-esquerdismo infantil

Para o bolsonarista por substração, mais importante do que a corrosão da democracia é a confirmação de suas teses de anti-esquerdismo infantil. Mais importante do que debater é manter o emprego de hoje e garantir o de amanhã. A platitude acima de tudo, o LinkedIn acima de todos.

Em 2018 havia o malefício da dúvida: seria fascista o animal com cara de fascista, jeito de fascista, bafo de facista e ideário fascista que nos ameaçava todos com um projeto fascista para o Brasil? Parte considerável desses analistas cravou um “não” e, meses depois da eleição, Jair Bolsonaro elegeu a imprensa como um de seus principais alvos.

Tem como saber

Nos últimos quatro anos, bravos repórteres trataram de combater o que parte de seus colegas de opinião ajudou a assimilar. Mesmo ameaçados por milicianos digitais e analógicos, os profissionais evisceraram a besta, deixando ao relento suas tripas de truculência e corrupção.

Enquanto pipocavam novos escândalos, rigorosamente apurados, o bolsonarismo por subtração preferiu cevar um pouco mais a cadela do fascismo no contorcionismo que estimulava um segundo turno em nome da “democracia”.

Não é de hoje que o bolsonarista por subtração prefere tratar o bárbaro como democrata e o democrata como bárbaro. Um ex-presidente eleito, com dois mandatos nas costas e conquistas inquestionáveis, é pintado como um neófito que deve curvaturas ao mercado, aos fundamentalistas religiosos, ao udenismo atávico e às tias do zap. À devastação promovida por Bolsonaro dispensa-se, quando muito, uma teatral indignação de taxista.

O bolsonarista por subtração é antes de tudo um colaboracionista. Não chega a fazer arminha, pois é teoricamente contra a violência, mas insiste em não chamar as coisas pelos nomes. Em seu léxico da pusilanimidade, a jagunçada eleita sob os auspícios da extrema direita — dos juízes de festa junina aos sociopatas fundamentalistas — é exemplo do campo “conservador”. A ameaça golpista de subjugar o Supremo é um “projeto”. E, numa das patologias mais espantosas de lambe-botismo, o fascismo do fascista é grafado entre aspas.

Cada um tem a mamadeira de piroca que pode e merece. A dos bolsonaristas por subtração é transformar Lula num espantalho

Enquanto isso, o vice-presidente escancara o golpismo, empresas ameaçam demitir quem votar contra o presidente, denominações pentecostais querem punir pastores que rezem numa outra bíblia, institutos de pesquisa são acossados na justiça.

Mesmo diante da barbárie, o mais importante para o bolsnarista por subtração continua a ser o suposto “cheque em branco” que Lula estaria exigindo do eleitor, o chá de revelação do ministro da Economia, a condenação formal de “ditaduras de esquerda”, o compromisso em não falar mais em “regulamentação da mídia”.

Cada um tem a mamadeira de piroca que pode e merece. A dos bolsonaristas por subtração é transformar Lula num espantalho. Se, como consequência, perpetuarem o fascismo no poder, não é grande coisa para eles, acostumados que estão a acomodar a barbárie e, sobretudo, se acomodar à ela.

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Quem escreveu esse texto

Paulo Roberto Pires

É editor da revista Serrote. Organizou a obra de Torquato Neto nos dois volumes da Torquatália (Rocco, 2004).

Matéria publicada na edição impressa #62 em outubro de 2022.