Repertório 451 MHz,

Uma cronista em Hollywood

Adriana Ferreira Silva e Cecília Madonna Young falam sobre a escritora Eve Babitz, que vem conquistando uma nova geração de leitores com seu olhar sobre a Los Angeles dos anos 70

23maio2025

Está no ar o 139º episódio do 451 MHz, o podcast dos livros. Este programa traz uma conversa com Adriana Ferreira Silva e Cecília Madonna Young sobre a escritora americana Eve Babitz (1943-2021). Ela acaba de ter seu primeiro livro lançado no Brasil, Dias lentos, encontros fugazes (Amarcord), quase cinquenta anos depois da publicação original nos Estados Unidos.

No episódio, que tem participação da poeta Bruna Beber, nova colunista do 451 MHz, Adriana e Cecília falam da redescoberta de Babitz, cujos livros ficaram décadas fora de catálogo inclusive nos EUA, e do olhar dela sobre a Los Angeles dos anos 70, marcada pelo fascínio e os excessos de Hollywood. O episódio foi realizado com o apoio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais.

Adriana Ferreira Silva é jornalista, escritora, editora, curadora e colaboradora de longa data da Quatro Cinco Um. Além de resenhar livros e entrevistar escritores para a revista, ela já esteve diversas vezes no podcast dos livros para conversar com grandes autores da literatura brasileira, como no 107º episódio, em março de 2024, no qual entrevistou a escritora e crítica literária Heloísa Teixeira, que morreu em março deste ano.

Já Cecília Madonna Young é jornalista, escritora e tradutora. Ela começou a enveredar pelo universo literário bem cedo, muito por influência de sua mãe, a escritora e apresentadora Fernanda Young, que morreu em 2019. Cecília lançou seu primeiro livro, Tudo que eu posso te contar, em 2024, pela editora Record. Em fevereiro de 2025, publicou sua tradução de Dias lentos, encontros fugazes, o primeiro livro de Eve Babitz lançado no Brasil, que saiu pelo selo Amarcord, da editora Record.  

Glamour e decadência

No livro, Babitz apresenta a sua Los Angeles dos anos 70. Em dez contos, que também poderiam ser descritos como reportagens ou ensaios pessoais, a escritora americana descreve o glamour e a decadência da cidade californiana no auge da era do “sexo, drogas e rock and roll”. O livro foi publicado originalmente em 1977, mas permaneceu fora de catálogo por décadas nos Estados Unidos.

“Eu descobri a Eve porque tem toda essa coisa que ela e a Joan Didion são amigas e inimigas, todo um drama. E eu fiquei obcecada porque ela era uma mulher muito genial e à frente do seu tempo, escrevendo umas coisas muito doidas e inteligentes”, conta Cecília Madonna Young — a própria tradutora foi quem sugeriu à editora Record que lançasse um livro de Babitz em português. “Tava na hora dela chegar aqui. É divertido, é um monte de fofoca bem escrita sobre os anos 60 e 70”, brinca.

Rivalidade e amizade 

Eve Babitz e a ensaísta e jornalista Joan Didion, que alcançou grande prestígio literário ainda em vida, circularam nos mesmos espaços de Hollywood e tiveram uma relação complexa de amizade e competição. Coincidentemente, suas trajetórias se cruzaram até o fim: ambas morreram em dezembro de 2021, com apenas cinco dias de diferença. 

As rotinas das autoras, porém, não podiam ser mais distintas. As duas estavam escrevendo sobre o mesmo tempo, na mesma época, mas elas tinham vidas totalmente diferentes. Uma era casada e tinha uma filha, e a outra era uma artista que estava lá vivendo a vida roqueira, de ir a shows e de experimentar e fazer tudo. Acho que as duas sentiam inveja uma da outra”, afirma Cecília. 

Joan Didion fotografada por Julian Wasser (Reprodução)

No episódio, ela e Adriana Ferreira Silva também conversam sobre em qual gênero literário, afinal, os livros de Eve Babitz e Joan Didion se enquadram: crônica, conto, reportagem, ensaio pessoal? “No final das contas, ela nunca foi levada a sério porque não dava muito para entender o que ela era. Ao mesmo tempo que ela era escritora, também fazia capas de álbuns para artistas de rock e falava que não queria ser famosa”, lembra a tradutora.

‘L.A. woman’

O retrato que Babitz faz de Los Angeles e da elite cultural da cidade, dominada por homens, chamou a atenção de Adriana Ferreira Silva por traduzir a visão de uma escritora num universo tão masculino. “Uma das coisas mais emocionantes é ver essa mulher naqueles anos 60 e 70, anos muito loucos daquela cidade, vivendo no meio daquele bando de artistas, contando histórias”, diz. “Ver essa cidade pelo olhar de uma mulher tão inteligente e que escreve tão bem”, completa. 

“Ela era cronista, né?”, concorda Young. “Eu acho que ela traduz muito bem toda essa podridão que brilha, uma podridão que você quer fazer parte”, resume.

Bruna Beber, Adriana Ferreira Silva e Cecília Madonna Young

Para Bruna Beber, Babitz consegue sintetizar em Dias lentos, encontros fugazes o espírito da cidade. “Quando a gente pensa em Los Angeles, a gente pensa no sonho. É uma fabricação artificial do onírico para o mundo”, diz, referindo-se principalmente à indústria cinematográfica de Hollywood. Ela compara a escrita de Babitz com o cinema: é sobre “o sonho, a liberdade, a busca de identidade”, define.

Livros do episódio

Mais sobre os títulos que aparecem neste episódio do 451 MHz:

Tudo o que posso te contar (Record, 2024). Estreia literária de Cecília Madonna Young, reúne textos em formato de diário que refletem de maneira divertida sobre as angústias da geração Z.

Three-Martini Afternoons at the Ritz (Simon & Schuster, 2021). A escritora e pesquisadora Gail Crowther relata como Sylvia Plath e Anne Sexton, duas grandes poetas americanas, se tornaram rivais e, depois de resolverem suas diferenças, amigas. 

Didion and Babitz (Scribner Book Company, 2024). Inspirada pela descoberta, depois da morte de Eve Babitz, de um conjunto de cartas escondidas no fundo do seu guarda-roupa, a escritora e jornalista Lili Anolik apresenta um relato da amizade entre Babitz e Joan Didion. 

Pergunte ao pó (José Olympio, 2021). Um clássico da literatura americana e o maior sucesso do romancista e contista John Fante (1909-83). Publicado originalmente em 1939, retrata a busca de Arturo Bandini, um jovem ítalo-americano, por se tornar um grande escritor, e sua paixão por Camilla Lopez. 

L.A. Woman (várias editoras). Romance de Eve Babitz publicado pela primeira vez em 1982, conta a história das jovens Sophie e Lola, que se deslumbram enquanto transitam pela cidade de Los Angeles.

Eve’s Hollywood (várias editoras). Primeiro livro publicado por Eve Babitz, retrata as elites e a vida boêmia na Califórnia, conduzindo o leitor por uma Los Angeles de prazeres sedutores e paisagens deslumbrantes. Saiu originalmente em 1974.

Só garotos (Companhia das Letras, 2010). A poeta, cantora e compositora Patti Smith escreve sobre a história de amor e amizade entre ela e o fotógrafo Robert Mapplethorpe, com quem viveu nos anos 70. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza.

De quatro (Amarcord, 2024). A escritora e cineasta americana Miranda July conta com humor e sem pudores a história de uma artista que, ao se hospedar num quarto de hotel perto de Los Angeles, embarca numa viagem de conhecimento de si, dos seus desejos e da sexualidade durante a perimenopausa. Tradução de Bruna Beber.

Chelsea girls (Todavia, 2019). Romance do poeta e escritor americano Eileen Myles, que retrata festas, bares, a música e o universo da poesia na Nova York dos anos 70. Tradução de Bruna Beber. 

Trilogia de Copenhagen: infância, juventude e dependência (Companhia das Letras, 2023). Reúne três volumes autobiográficos da escritora dinamarquesa, que descreve sua infância, suas primeiras experiências amorosas e profissionais, seus casamentos difíceis, o reconhecimento como escritora nos anos 50 e os problemas com álcool e drogas Tradução de Heloisa Jahn e Kristin Lie Garrubo.

Tédio terminal (DBA, 2024). Coletânea de contos da escritora e atriz japonesa Izumi Suzuki (1949-1986), que estrutura mundos próximos à ficção científica e à fantasia para abordar o vício nas tecnologias e telas, o embate entre realidade e espetáculo, violência, vida alienígena e viagens de consciência feitas com doses de anestésicos. Tradução de Andrei Cunha, Rita Kohl e Eunice Suenaga.

Minhas mulheres e meus homens (Planeta, 2011). O escritor, dramaturgo, jornalista e cronista Mario Prata conta histórias sobre amigos e conhecidos, entre eles celebridades nacionais, a partir de sua agenda. Publicado originalmente em 1999.

Mau hábito (Amarcord, 2024). Estreia na ficção da dramaturga e diretora de teatro espanhola Alana S. Portero, conta a história de uma mulher trans da infância até a juventude nas casas noturnas clandestinas da Madri dos anos 90.Tradução de be rgb. 

Mais na Quatro Cinco Um

Dias lentos, encontros fugazes foi resenhado por Carol Bensimon na edição #93 da Quatro Cinco Um. Para a escritora, que publicou os romances O clube dos jardineiros de fumaça (2017) e Diorama (2022) pela Companhia das Letras, a Babitz do livro “parece, à primeira vista, uma espécie de Charles Bukowski com um pouco mais de dinheiro, uma garota tão erraticamente bukowskiana quanto uma mulher poderia ser em uma sociedade que não exatamente as premia por seus encontros fugazes. Mas Eve Babitz não está nem aí para os padrões”. Leia a resenha na íntegra.  

Colaboradora frequente da revista dos livros, Adriana Ferreira Silva já entrevistou e resenhou livros de grandes nomes da literatura contemporânea para a Quatro Cinco Um, como o francês Édouard Louis e, mais recentemente, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

Ela também já esteve algumas vezes no 451 MHz. Além da conversa com a escritora e crítica literária Heloísa Teixeira no 107º episódio do programa, em 2023 entrevistou o escritor Itamar Vieira Junior para o 86º episódio

O melhor da literatura LGBTQIA+

Este episódio traz ainda uma sugestão literária de Ana Lima Cecilio, curadora da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Ela indica Sarah é isso, romance de estreia da francesa Pauline Delabroy-Allard, publicado em 2021 pela editora Nós, em tradução de Raquel Camargo.

“Esse livro é uma história de amor arrebatada, como poucas vezes a gente vê na história da literatura, entre duas mulheres. A narradora é uma mulher que tem um namorado, tem uma filhinha e leva a vida de um jeito meio entediado, até que passa esse vendaval da paixão por essa mulher chamada Sarah e ela fica completamente enlouquecida”, resume.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+. 

O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um

Apresentação: Paulo Werneck
Produção:
Beatriz Souza
Edição e mixagem:
Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe:
[email protected]

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