

As Cidades e As Coisas,
Los Angeles, cidade proibida
Com humor e acidez, Eve Babitz narra a belle époque hollywoodiana pelos encontros fugazes de uma garota sob a luz quente da Califórnia
01maio2025 • Atualizado em: 30abr2025 | Edição #93Seria temeroso listar alguns fragmentos biográficos de uma autora antes de tratar propriamente de sua obra se essa autora não fosse, bem, Eve Babitz. Nascida em Los Angeles em 1943 em uma família de artistas — a mãe era artista visual e o pai, violinista e pesquisador de música barroca —, Babitz se tornaria um dínamo da vida mundana e ensolarada do sul da Califórnia durante os anos 70.
A autora circulou entre músicos, escritores, atrizes e arquitetos em bares icônicos e nas dependências do hotel Chateau Marmont, registrando toda essa belle époque hollywoodiana com suas palavras calibradas para o lado ácido. Teve casos tórridos com muitas estrelas — Jim Morrison escreveu “L. A. Woman” para ela —, e criou capas de álbuns para as bandas psicodélicas Buffalo Springfield e The Byrds. Em 1963, com apenas vinte anos e um corte de cabelo chanel que tapava seu rosto, Eve Babitz jogou xadrez completamente nua com Marcel Duchamp em uma sala de exposição do Pasadena Art Museum. Enquanto ela exibia seu corpo voluptuoso, Duchamp estava vestido com um terno escuro e parecia bastante concentrado nas peças. Clicada pelo fotógrafo Julian Wasser, a imagem do duelo viria a se tornar uma das fotografias mais importantes da arte moderna dos Estados Unidos.


Dias lentos, encontros fugazes é o primeiro livro de Babitz a ser lançado no Brasil. Dividido em dez partes que podemos chamar de contos, mas que fazem mais sentido se lidas como um continuum — espalhado e infinito à semelhança da própria Los Angeles retratada —, a obra é uma autoficção rápida com um verniz de leveza e humor. Nela, acompanhamos uma jovem e desejada narradora em suas andanças afetivas fora da curva: em uma das narrativas, a protagonista dirige até uma apática cidade agrícola para passar um fim de semana na fazenda da família de um fã que nunca encontrou antes (“Bakersfield”); em outra, vai a um jogo de beisebol a convite de um homem sem afetações intelectuais e estéticas que ela enxerga, positivamente, como “o Último Americano” (“Estádio dos Dodger”); em uma terceira, acaba na cama com um amigo e uma desconhecida que tem “o rosto pragmático de uma garota de um calendário de 1948 para fazendeiros”, um impulso nascido do tédio e da vodca em um dia em que sopram os intensos ventos de Santa Ana (“Siroco”). A narradora, em resumo, desponta como uma mulher ousada que nunca deixa de responder aos seus desejos.
Ela parece, à primeira vista, uma espécie de Charles Bukowski com um pouco mais de dinheiro
Funcionando à base de drinques perfeitos e doses recreativas de Quaalude e Valium, ela parece, à primeira vista, uma espécie de Charles Bukowski com um pouco mais de dinheiro, uma garota tão erraticamente bukowskiana quanto uma mulher poderia ser em uma sociedade que não exatamente as premia por seus encontros fugazes. Mas Eve Babitz não está nem aí para os padrões. Ou será que sim?
História de amor
O livro inicia com uma declaração forte: “Esta é uma história de amor e peço desculpas por isso; foi involuntário”. No jogo literário convencional, a história de um encontro entre um único homem e uma única mulher seria então apresentada, com começo, meio e fim bem marcados. Mas Babitz subverte o jogo e não entrega o que prometeu. (Involuntariamente? Voluntariamente? Só nos resta especular.) Ao mesmo tempo em que declara que está apaixonada por um certo homem — e que espera que ele leia os trechos em itálico que antecedem cada parte, pois foram escritos para ele —, Babitz tece comentários desencantados sobre relacionamentos:
A verdade verdadeira é que nunca soube de alguma coisa entre homem-mulher que desse certo (pode até dar certo para os outros, claro, mas um casal de meia-idade que não conversa mais entre si não é bem minha ideia de um bom longa-metragem).
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Se o livro pode ser lido sim como uma história de amor — intensa, incondicional e incompreendida como todas elas —, o objeto do afeto de Babitz não é exatamente uma pessoa, mas um lugar. E é dessa maneira que Dias lentos, encontros fugazes brilha. Sob a luz quente do sul da Califórnia.
Descrever um lugar nunca é um exagero literário ou um mero adorno, especialmente quando esses lugares estão tão entremeados aos personagens. “Eu não sei como essa história termina”, declara a narradora no parágrafo final de “Heroína”.

Estou meio que esperando que, por ser ambientada em Los Angeles, o processo habitual se reverta numa daquelas cambalhotas duplas de L. A. Uma mudança típica de L.A. Seria muito L. A. da parte de Terry decidir inventar o sucesso sem a dor e o medo.
Correndo o risco de cair em uma leitura simplista da distinção entre gêneros — e obviamente estou aqui para enaltecer a sensibilidade feminina da autora —, é revelador quando ela comenta, a propósito de um homem que acredita no trabalho como a cura para os momentos em que nos sentimos “para baixo”: “Mas todo esse negócio de trabalho é o segredo dele, não o meu. O meu é olhar pela janela”.
Dias lentos, encontros fugazes foi publicado originalmente em 1974. Assim como os demais livros da autora, permaneceu fora de catálogo nos Estados Unidos por décadas, sendo redescoberto pelo mercado editorial nos últimos dez anos e conquistando toda uma nova geração de leitores.
A trajetória editorial lembra a de outra escritora estadunidense, a contista Lucia Berlin: seu Manual da faxineira foi lançado em 1977, mas só se tornou um sucesso de público e crítica a partir de sua reedição em 2015, onze anos depois da morte da escritora, sendo escolhido pelo The New York Times como um dos dez melhores livros daquele ano.
Os dois fenômenos tardios têm em comum o estilo cortante, o humor e sobretudo o fato de terem usado a própria vida como material literário. A redescoberta coloca essas autoras no lugar que sempre mereceram, ao mesmo tempo que satisfaz nossa atração muito contemporânea pelo exercício de falar de si mesmo.
Matéria publicada na edição impressa #93 em maio de 2025. Com o título “Los Angeles, cidade proibida”
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