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A Feira do Livro, Literatura brasileira,
‘Inteligência artificial só pode dominar arte que segue fórmulas’, diz Caetano W. Galindo
Para o tradutor, escritor e ensaísta paranaense, a literatura deve fugir de estruturas prontas para refletir a complexidade da vida
30jun2024 - 19h30
Escritores, roteiristas, compositores e artistas em geral devem se preocupar com a capacidade criadora da inteligência artificial? Essa pergunta pairou neste domingo (30) sobre a mesa “Trilha de Letras: Caetano W. Galindo”, com o tradutor, romancista e ensaísta curitibano convidado d’A Feira do Livro. Na conversa com a autora carioca Eliana Alves Cruz, que foi gravada para o programa literário apresentado por ela na TV Brasil, Galindo afirmou que só arte que segue fórmulas corre o risco de ser dominada pelos algoritmos.
“Elon Musk e Mark Zuckerberg não estão pensando em uma máquina de escrever sonetos”, brincou o autor do romance Lia: cem vistas do monte Fuji, sua estreia na ficção, publicado este ano pela Companhia das Letras.
Primeiro, disse Galindo, porque não há muito dinheiro envolvido no negócio de escrever e publicar poesia. Segundo, porque a inteligência artificial depende de estruturas prontas, facilmente reproduzíveis, das quais a literatura e outras formas de arte precisam fugir se quiserem refletir a complexidade da vida real.
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“A fórmula te dá uma coisa maravilhosa: a segurança do reconhecimento. As pessoas reconhecem as estruturas e chegam a prever o que vai acontecer numa história. É um mecanismo super produtivo, mas que foi um pouco estragado. No audiovisual acontece muito, mas aqui somos irresponsáveis”, afirmou, arrancando risos da plateia.
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Alves Cruz lembrou que, em Lia, Galindo evita a estrutura de um romance tradicional e propõe um “experimento estético fragmentário”. Publicado originalmente como um folhetim no jornal paranaense Plural, o livro reúne capítulos breves e independentes, em que a figura da protagonista vai se formando a partir da narração de episódios cotidianos, reflexões sobre o tempo e depoimentos variados, que nem sempre têm a personagem em foco.
O escritor contou que sua intenção foi criar algo que refletisse a vida como ela é. Ele disse ter se perguntado: “Será que o que eu quero apresentar cabe no molde do romance tradicional? Em alguma medida, o realismo tradicional e o romance tradicional traem nossa percepção da realidade, que é muito menos abrangente. A vida é muito mais desprovida de sentido, lógica, coerência.”
A forma de folhetim, revelou, teve a ver com “toda a sabedoria comercial e de marketing de alguém formado em letras”, riu. Assim, a estrutura surgiu da necessidade de ter fragmentos pequenos, que podiam ser publicados semanalmente e mantivessem as pessoas interessadas na forma. “Porque a história não existia”, disse.
Perguntado sobre o uso crescente do termo narrativa, das faculdades de letras ao mundo da política, Galindo disse ver com desconfiança como a palavra foi “cooptada”. “Isso traduz um modelo que apresenta as coisas numa ordem de causa e consequência, de relevância. Isso é muito traiçoeiro, porque a vida não funciona assim.”
Ele ainda convocou escritores e escritoras a experimentar e variar mais. “Existem muitos jeitos de se representar um ser humano num livro, e isso te dá muita liberdade”, disse.
O que pode essa língua
Numa segunda parte do encontro, Galindo e Alves Cruz conversaram sobre a língua portuguesa falada no Brasil, da qual o autor paranaense trata em Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português, lançado em 2023, também pela Companhia das Letras.
Provocado sobre “o que pode essa língua” — verso da música do xará Caetano Veloso que inspirou o título do livro —, Galindo não hesitou: “Pode tudo. É a sexta língua mais falada do mundo. Foi o Brasil que ocupou esse lugar econômica e socialmente, mas não saímos de um lugar subalterno de achar que é Portugal que fala direito. Está mais que na hora de a gente entender que o português especificamente brasileiro não deve nada a nenhum outro idioma do mundo.”
Ele ainda foi questionado sobre a influência do elitismo nas regras gramaticais da chamada norma culta, e defendeu que todo falante nativo de um idioma é absolutamente competente para usá-lo. “Regras de escrita começam a ser usadas como fatores de exclusão. Quando alguém mostra que sabe usar um ‘cujo’, está colocando um crachá de escolarização. E isso no Brasil é muito racializado.”
“Criamos uma gramática prescritiva que ninguém usa de verdade. Machado de Assis não seguia, José de Alencar não seguia, nem Coelho Neto [autor que ficou célebre por sua escrita rebuscada] seguia. Mas gramáticas mais realistas estão se espalhando. A língua não é como regra de trânsito. Os usuários têm mais poder que o semáforo”, finalizou.
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A Feira do Livro 2024
29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.
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