
Católicos do mundo inteiro voltam suas atenções ao Vaticano a partir desta quarta (7), com o início do Conclave, a cerimônia que elegerá o sucessor do papa Francisco, morto no último 21 de abril. O pontificado do argentino foi marcado pelo combate à injustiça, à ganância e à guerra, como ele mesmo escreve em A esperança nunca decepciona, que chega às livrarias em julho pela editora Planeta, organizado por Hernán Reyes Alcaide, em tradução de Laura Vecchioli do Prado.
O volume reúne seis textos de Francisco, além do prólogo, que refletem sua visão humanista sobre a esperança. Para o pontífice, “a esperança sempre tem um rosto humano” e, mais especificamente, se faz presente nas faces de uma mulher grávida, de um pobre, de um migrante, de um civil durante a guerra e de um avô com o seu neto.
Retomando os ideais de justiça e humildade que via em Jesus Cristo, Francisco aprofunda as principais causas defendidas durante seu papado. Entre elas, a igualdade para as mulheres, a dignidade dos pobres e encarcerados e a defesa dos migrantes, refugiados e exilados. Leia um trecho do livro a seguir.
Trecho de ‘A esperança nunca decepciona’
Não nos cansaremos nunca de lutar até que tenham a dignidade que merecem. Infelizmente, constatamos que, “apesar dos compromissos assumidos por todos os Estados de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de cada pessoa, ainda hoje, em muitos países, as mulheres são consideradas cidadãos de segunda classe”. Ainda há muito a ser feito para passar das palavras à ação, para pôr fim às violências e aos abusos a que são submetidas e permitir-lhes pleno acesso à possibilidade de estudar, de trabalhar e de expressar suas habilidades. […] Inúmeros estudos mostram que as mulheres são as que mais sofrem com o impacto da pobreza, da exploração, da falta de educação e de assistência médica, para citar alguns indicadores. Todos esses fatores fazem com que seja impossível se iludir quanto à existência de igualdade entre mulheres e homens desde o início, em termos de trabalho ou carreira acadêmica, como afirmam alguns discursos de extrema meritocracia. Essas lacunas na origem aumentam ainda mais quando, além disso, as mulheres são pobres ou negras.
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Esse tema não permite nenhuma mesquinharia política ou ideológica. Não há “ismos” que forneçam uma desculpa válida para defender ou justificar o machismo desenfreado que pode não apenas levar ao assassinato, mas atropelar a dignidade das mulheres. É uma questão de humanidade.
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A esperança também está em nossas prisões, que infelizmente estão cheias de pessoas pobres, vítimas em muitos casos de injustiças sistêmicas e de um sistema penal que prefere prender o maior número possível de pessoas em vez de lutar contra as condições em que os crimes se desenvolvem.
Precisamos tentar resolver os problemas estruturais que fazem com que muitas prisões fiquem superlotadas de pessoas pobres, enquanto criminosos de colarinho branco continuam a burlar as leis para cometer crimes ligados à lavagem de dinheiro e outros delitos sofisticados. Até mesmo o crime de corrupção muitas vezes fica impune. É fácil punir os mais fracos enquanto os peixes grandes nadam livres. Procuremos ser peregrinos “Em muitas partes, reclama-se maior segurança.
Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos, será impossível desarreigar a violência” (EG 59). Se não combatermos essas causas da pobreza, não seremos de alguma forma cúmplices de suas consequências? A cada dia testemunhamos o fracasso de soluções individualistas de falsa segurança: quem vai morar dentro de bairros murados, quem circula apenas com o último modelo de SUV com vidros escuros e fingindo não ver o que está ao redor. Se não chegarmos à raiz do problema, até esses truques serão inúteis.
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Desde que o homem é homem, as pessoas emigram por diversos motivos, sobretudo pelo “desejo de uma vida melhor, frequentemente unido ao intento de ultrapassar o ‘desespero’ de um futuro impossível de construir”, observou o meu predecessor Bento XVI mais de dez anos atrás.
Eles partem para se reunir com suas famílias, para encontrar melhores oportunidades de emprego ou educação: quem não pode usufruir desses direitos não pode viver em paz.
Há quem, no entanto, veja os migrantes e os refugiados como se fossem “peões no tabuleiro de xadrez da humanidade”.
Mas são crianças, mulheres e homens que abandonam ou são obrigados a abandonar as próprias casas por tantos motivos, e partilham o mesmo desejo legítimo de saber, de ter, mas sobretudo de ser, algo mais. Estamos testemunhando o maior movimento de pessoas, até mesmo de povos, de todos os tempos.
A História nos julgará pela forma como nos comportamos diante dos famintos, diante dos sedentos, diante dos forasteiros (cf. Mateus 25,35-40).
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O fenômeno da migração forçada, em condições cada vez mais desumanas, é uma crise humanitária que afeta a todos. Desde sempre as migrações deram lugar a intercâmbios entre povos e culturas que enriqueceram civilizações e facilitaram o diálogo entre pensamentos, favorecendo o encontro entre ciência, filosofia e direito, e entre muitas outras realidades.
Todavia, essa tradição da humanidade foi progressivamente suplantada por duas palavras que alimentam os medos de muitas populações: “invasão” e “emergência”. Mais do que realidades comprovadas, aparecem como os cavalos de batalha de alguns que ganham vantagem eleitoral quando sentimentos de desconfiança crescem entre a população. Ou, pior ainda, são os emblemas daqueles que, para manter vivo o tráfico de pessoas, boicotam qualquer tentativa de acordo entre países que vise garantir que a migração seja efetivamente um direito humano e não uma passagem para a morte certa.
Peraí. Esquecemos de perguntar o seu nome.
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