

Em Cher: a autobiografia (parte um), publicado pela HarperCollins Brasil, a cantora e atriz não se contenta em apresentar apenas a sua versão “superestrela”. Cher mostra a filha, a irmã, a esposa, a amante e a mãe que foi ao longo dos anos, revelando momentos delicados de sua vida pessoal, como os abusos sofridos durante seu casamento com Sonny Bono.
Pouco antes de completar vinte anos, Cher já conheceu a fama, que veio com o lançamento do álbum em parceria com Sonny Bono, seu ex-marido. Apesar do sucesso global, e enfrentando turbulências nas relações pessoais, levou tempo para a artista se sentir totalmente realizada dentro de sua carreira. A artista traz esses detalhes de uma vida além dos palcos na primeira parte de sua autobiografia.

Percorrendo toda a sua trajetória, Cher narra desde os seus sonhos de infância até os sentimentos e emoções vivenciados durante o ápice de seu reconhecimento. Em meio a uma sequência de sucessos e rupturas, não poupa detalhes ao contar seus altos e baixos com uma escrita descontraída.
Leia um trecho a seguir:
Trecho de ‘Cher: a autobiografia (parte um)’
Ser famosa era difícil, mas divertido. Eu adorava não ter que me preocupar muito com dinheiro e passar bastante tempo com o homem que amava. A cereja no bolo veio quando pedi para Gordon; Max da Califórnia desenharem uma linha de roupas Sonny; Cher. Eu estava extasiada. Isso ia além de todos os meus sonhos de criança. Tudo na coleção que criei era uma cópia das roupas que Sonny e eu usávamos, incluindo coletes unissex de pelo falso, blusas regata e calças pata de elefante. Nossa coleção esgotou tão rápido que a empresa não conseguiu dar conta da demanda. Não havia vestidos nem minissaias da moda, pois Sonny não me deixava usá-las. Imagino que ele achava que me sexualizavam demais e comprometiam a nossa imagem ou atraíam a atenção de outros homens. De um jeito estranho, o ciúme dele me lisonjeava. Hoje parece loucura — ciúme não significa amor —, mas, naquela época, parecia significar. Eu me lembro de quando enfim usei uma minissaia. Twiggy vinha nos ver e eu queria muito usar um vestido para encontrá-la. Comprei um minivestido amarelo-dourado de algodão brocado, supercurto, com um sapato para combinar. Para agradar a Sonny, usei algo por baixo que parecia uma calçola, mas não exatamente. Era um negócio que inventei, apenas algo um pouco mais comprido para usar debaixo do vestido para que eu pudesse receber sua aprovação e, ainda assim, ficar descolada. Ao descobrirem nosso endereço em uma reportagem de revista que Sonny agendou, adolescentes apareceram no portão da nossa casa em Encino, ávidos por uma breve aparição nossa. Tínhamos um S e um C no portão. Antes da reportagem, não parecia nada de mais, só uma coisa engraçada, mas depois passamos a ver jovens se aproximando do portão tão obviamente anunciado. Sonny amava a atenção e convidava alguns fãs aleatórios para entrar e nos contar as suas angústias, e eu nunca sabia quem iria surgir. Ele também assinou um contrato em que eu escreveria a coluna “Dear Cher” na revista Teen Beat. Comecei lendo as cartas e respondendo eu mesma, mas fiquei tão ocupada que a revista passou a ter uma equipe para fazer isso, o que é uma pena, porque tenho certeza de que as respostas sobre acne ou problemas com o namorado teriam sido bem mais autênticas se eu tivesse escrito da minha própria perspectiva de 19 anos. Apesar disso, toda jovem que eu conhecia parecia querer me contar seus problemas, algo que eu não previ. Queria ser famosa, queria mesmo, mas, quando a fama aconteceu, ela exigia muito mais responsabilidade do que havia imaginado. Uma menina chamada Joey, que tinha 17 anos e ainda frequentava o colégio, tornou-se visitante regular com nosso amigo inglês Ray. Mais tarde, soube que era a irmã mais nova da mulher que era dona do prédio no qual morávamos na Franklin (e certa vez eu perguntara a ela que tipo de rímel usava, porque não saía na piscina). Joey também se parecia muito comigo. Um dia, veio sozinha, pareceu surpresa pelo fato de eu estar lá e me disse que esperava encontrar Sonny e Ray. Nunca me ocorreu que pudesse ter algo estranho naquilo. Eu disse a ela: “Bem, estou indo fazer compras, se quiser vir.” Ela aproveitou a chance na hora, então, eu a levei no meu novo Excalibur lindo a Paraphernalia, na Rodeo Drive, onde nos divertimos experimentando roupas doidas de vinil em cores primárias que eram higienizadas com spray de vidro. Após a nossa primeira tarde de compras, ela começou a sair conosco o tempo todo, e eu adorava aquilo. Ela e eu nos dávamos muito bem e chamávamos uma à outra de Betty. Fazemos isso até hoje.
Sonny só me deixava sair de casa sozinha para fazer compras. Acho que ele pensava que gastar meu dinheiro com roupas fazia com que o trabalho árduo parecesse valer a pena. Eu amava sair sozinha e ia sempre que tinha oportunidade. Em uma dessas saídas, estava perto da Rodeo Drive quando vi uma vitrine com um conjuntinho de calça com uma estampa xadrez psicodélica e uma listra vermelha enorme na horizontal, na parte da frente. Entrei e falei para a vendedora: “Meu Deus, amei isso aqui! De onde é?”
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Ela olhou para mim e falou: “É muito caro, senhorita”, virou-se de costas e saiu.
Eu a segui e perguntei educadamente: “Mas quem é o estilista?”
Ela respirou fundo e respondeu: “Rudi Gernreich.”
“Posso experimentar?”
A vendedora me deu um sorriso amarelo. “Senhorita, como expliquei, esse item é muito caro.” Ela foi tão arrogante comigo, que vestia uma blusinha curta e uma calça boca de sino, que perdi a paciência.
“Em quantas cores você tem?”, perguntei.
Olhando de soslaio, ela respondeu: “Três.”
“Ótimo, vou levar um de cada cor.”
“Ah, entendo.” Vi a expressão em seu rosto se transformar. “Bem, quer experimentar?”
“Não, vou levar os três”, respondi, sacando o cartão de crédito e jogando em cima do balcão. A conta deu mais do que achei que um dia alguém pagaria por qualquer coisa, mas valeu a pena só para ver o olhar no rosto daquela vaca.
Assim que saí da loja, desabei em lágrimas. Liguei para Sonny. “Fiz uma coisa terrível”, lamentei. “Gastei muito dinheiro!” Quando contei a ele toda a história, Sonny falou: “Não tem problema. Não vai fazer diferença alguma. Vem para casa.” Aliviada, tomei meu caminho de volta. Sonny era um cara caseiro, mas, às vezes, me levava a boates, nunca para dançar, mas para conhecer pessoas da indústria e saber das últimas tendências nas gravadoras. Normalmente eu estava cansada demais para ficar na rua até tarde e não via propósito, já que não podia dançar nem conversar com ninguém além dele. Ele me dizia que qualquer coisa que um casal não pudesse fazer junto não valia a pena. Eu não podia nem usar perfume, porque ele não gostava do cheiro. Era uma decepção, porque eu realmente amava perfume, mas, ainda assim, não percebia que estava, pouco a pouco, abrindo mão de mim mesma. Ele sequer me deixava ouvir música. Enquanto isso, Sonny não sacrificava nada. Sinceramente, acho que nunca conheci ninguém, nem antes nem depois, que tivesse uma vida tão privada quanto Sonny. Ele era muito fechado e, depois do início do nosso relacionamento, não perguntava muito de mim. No começo do nosso tempo juntos, ele me fazia muitas perguntas, falava muito sobre si e parecia gostar de me conhecer como pessoa, mas isso desapareceu. As mudanças na forma como ele me tratava aconteceram de forma bem lenta, então não percebi. Era bem maquiavélico (aliás, Sonny adorava Maquiavel). Nem sei se tinha tanto a ser perguntado sobre mim, para ser sincera, pois eu estava me tornando cada vez mais uma sombra. Eu só ficava em primeiro plano quando estávamos trabalhando. Era, cada vez menos, uma pessoa interessante para Sonny, apesar de ser interessante e engraçada para os outros. Aquilo de que ele gostava em mim no início, o fato de eu ser meio que uma garota rebelde, era algo que ele não queria em uma esposa.
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