Rebentos,
Quando os pais se tornam filhos
Ao retratar o atravessar da vida, livro ilustrado abre caminhos para repensar o cuidado, a masculinidade e o envelhecimento
01out2024 • Atualizado em: 30set2024 | Edição #86 outNeste livro revelo uma história guardada comigo há bastante tempo. Quando me tornei pai, segurei a mão do meu filho: minúscula, era a coisa mais importante do mundo. Tempos antes, meu pai deve ter sentido algo parecido. Hoje eu queria segurar a mão do meu pai mais uma vez — suas mãos enrugadas, com a pele fina — e sentir o calor que transmitem. Queria lembrar o amor daquelas mãos grandes: as mãos grandes do meu pai.
Alguns livros nos sussurram, outros nos despertam, e há aqueles que nos envolvem com carinho, revivendo a lembrança de memórias afetivas. O autor e ilustrador Choi Deok-kyu nos convida a refletir sobre o ciclo da parentalidade e do cuidado, evocando sentimentos universais. Seu livro-imagem permite que leitores de todas as idades se identifiquem com diferentes momentos da vida.
Com um olhar carinhoso e atento, Choi revela, por meio de gestos simples do cotidiano, uma profunda cumplicidade, despertando sentimentos e experiências que já vivemos ou viveremos. O silêncio, o tempo, a rotina, o toque, o cheiro e a brisa criam uma narrativa sensorial que fala das verdades da velhice, da infância e do ciclo inevitável da parentalidade, onde voltamos a precisar dos cuidados que recebemos no início.
As mãos do meu pai é uma obra que ilumina a continuidade da parentalidade por meio do afeto manifestado no cuidado. Usando uma paleta de cores sóbria e constante, as ilustrações conduzem o leitor e revelam a grandiosidade do universo nas ações do cotidiano, convidando à contemplação.
O que realmente faz parte do amor senão as pequenas e invisíveis ações que dão sentido à vida?
O toque inicial entre pai e filho, o cheiro de bebê e a maciez da pele depois do banho contrastam com a esponja áspera que toca a pele enrugada e sem elasticidade. A repetição de gestos — a respiração, o olhar, o toque — em diferentes momentos da vida ou a justaposição dessas temporalidades refletem o ciclo natural da existência. Onde nos situamos nessa roda? Somos o cuidador ou o cuidado? As grandes mãos do pai seguram, alimentam, protegem e ensinam, até que, com o passar do tempo, os papéis se invertem. O filho, agora adulto, cuida do pai, cortando suas unhas, dando banho e abotoando suas roupas. O que essas mãos revelam?
A obra destaca o pai como protagonista e nos convida a refletir sobre o paternar, falando sobre a presença, a responsabilidade e cuidados básicos, e mostrando a importância de o homem assumir o papel de cuidador. Retratar um homem cuidando de outro é uma forma de desafiar estereótipos e propor novas referências para o mundo em que vivemos. Choi oferece uma reflexão poética e política sobre o cuidado paterno em gestos singelos e repetitivos, na construção de uma intimidade.
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O autor convida o leitor a segurar, mais uma vez, a mão murcha e envelhecida, confiando nas mãos que cuidam umas das outras nas minúcias do dia a dia.
Abraço
Premiado com menção honrosa no Bologna Ragazzi Awards de 2022, As mãos do meu pai é uma obra sensível que abre caminhos para repensar as relações entre pai e filho, a parentalidade e o envelhecimento. Publicado originalmente na Coreia do Sul em 2020 pela Yun Edition e trazido ao Brasil pelas editoras Boitatá e Pó de Estrelas, o livro manteve o design original, com uma luva de duas grandes mãos que abraçam a capa, convidando a uma leitura afetuosa.
A temporalidade do livro é fluida. O que realmente faz parte do amor senão essas pequenas e invisíveis ações que dão sentido à vida?
As mãos do meu pai reflete sobre a importância de paternar de maneira ativa, presente e emocionalmente conectada. Através das vivências cotidianas, o livro explora o afeto construído nas pequenas ações, onde o toque, o cuidado e a escuta são manifestações poderosas de amor. Ao trazer à tona modelos de pais que se afastam das figuras tradicionais e distantes, a obra também possui um impacto político, ao desafiar as normas patriarcais e abrir espaço para novas formas de masculinidade que acolhem a ternura e a vulnerabilidade como forças fundamentais.
Matéria publicada na edição impressa #86 out em outubro de 2024. Com o título “Quando os pais se tornam filhos”
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