Literatura israelense,

A vida na tela

Conto de Etgar Keret sobre diretor que filma sua vida traz reflexões existenciais sobre nosso destino

04ago2021 | Edição #48

No conto ‘Versão do diretor’, de Etgar Keret, somos apresentados à história da criação de um filme que registra uma vida inteira. O filme tinha sido dirigido por Maček Smolansky, que era empresário, filósofo, cineasta e, acima de tudo, um perfeccionista. Por seu perfeccionismo, quis retratar a vida com a maior acurácia possível, o que resultou na produção de um filme que leva mais de um século. O conto é magnífico pela ideia central, mas também por passagens que foram incluídas no texto com um significado imensamente filosófico que passam despercebidas numa primeira leitura. 

O primeiro ponto que gostaria de abordar é: “Quem tem direito de ser espectador de uma vida?”. Esse ponto é levantado a partir do momento em que os ingressos para esse filme são vendidos a somente duas classes: os críticos e a classe alta. Essa pergunta consiste em percebermos essa venda de ingresso como um recurso metafórico, mas para entender a metáfora precisamos primeiro pensar o que representaria a venda de ingressos em si. A venda de ingressos é uma oportunidade de tirar prazer, de se divertir vendo a vida de outra pessoa. Comprando um ingresso, você fica isento de ser o protagonista de sua própria vida para ser o espectador de outra. 

Ser espectador é um privilégio, pois significa que você mesmo não vai ter que se esforçar. A pergunta que se deixa é “Quem tem o direito e a possibilidade de tornar sua vida puro prazer?”. O conto responde. Quem tem essa oportunidade são pessoas com o privilégio financeiro ou social. Trazendo isso para um ponto prático, podemos citar herdeiros de fortunas milionárias, esses podem virar espectadores de vidas alheias e viver somente de seu próprio lazer, sem a necessidade do trabalho.

O segundo ponto abordado é “Se não sou protagonista da minha vida, o que viro?” . O conto responde praticamente: você vira um cadáver. Se você não assume as rédeas da própria vida e se deixa fluir com a corrente do córrego que é a nossa experiência mundana, você morreu. Outra fonte que reforça o ponto de “Não ser o protagonista de sua vida e a inutilidade encarnada” é o filme Stranger Than Fiction. No filme em questão, o protagonista percebe que sua vida sem diversão e repetitiva é narrada, e assim percebe que se não assumisse as rédeas de sua própria vida, iria morrer. 

O terceiro ponto, e esse sim o principal, é o quesito “O que é a vida”. Um bebê nasceu na sala de cinema, e a ele só foram mostradas cenas do filme Vida. Ao sair da sala de cinema, nos foi apresentado o fato de ele acreditar que acreditava que o que se passava na tela era a realidade. 

Neste ponto, podemos separar duas análises. A primeira é: ele foi hipnotizado por telas e vida inteira, só lhe foi mostrada uma realidade. A segunda é: ao ver a realidade em si (fora da sala de cinema) ficou cego, ou seja, não conseguia ver esse novo mundo. 

A genialidade desse trecho do conto se baseia em dois aspectos: 1. Nós só vivemos e acreditamos naquilo que nos é apresentado; 2. Se apenas somos apresentados a uma realidade uma vida inteira, não somos capazes de entender outros pontos de vista.

Isso é aplicado à vida real, pois como homem cisgênero só fui apresentado a uma realidade, por isso não consigo e nem nunca conseguirei ter plena noção do que é ser uma mulher na nossa realidade.

Nota do editor
Rogério Villaça Szuster, 15, é aluno do 1º ano da Escola Eliezer Max, no Rio de Janeiro, e participa do clube de leitura de literatura israelense que a Quatro Cinco Um realiza em parceria com a escola.

Quem escreveu esse texto

Rogério Villaça Szuster

Matéria publicada na edição impressa #48 em junho de 2021.