
Literatura infantojuvenil, Rebentos,
Esse estranho sentimento
Povoado pelo que resta das saudades, livro ilustrado de Manuel Marsol é uma viagem ao mundo desconhecido das novas amizades
01maio2025 • Atualizado em: 30abr2025 | Edição #93São muitos os livros que falam sobre luto para as crianças, mas poucos falam da estranheza do desconhecido, do incômodo da ausência, da distância da saudade — tudo isso representado de maneira sutil na narrativa de Astro. O livro não mascara o incômodo, nem responde às nossas perguntas. Ainda assim, retrata a beleza que há em compartilharmos as pequenas coisas do cotidiano, da amizade, da cumplicidade em descobrir um mundo junto com alguém.
Durante a leitura, primeiro a gente estranha, se incomoda, depois observa, decifra, se aproxima e quase se acostuma. Quase. Afinal, quem se acostuma com a saudade, com a morte e com a dor do luto? Como explicar a uma criança algo que também é desconhecido por nós?

Não podemos deixar de reparar no narrador, intrigante, que narra a história de onde mesmo? A que distância ele está de tudo isso?
Astro foi criado a partir de uma experiência pessoal do autor, o luto pela morte do pai. “A Manolo, meu pai, que virou estrela quando eu tinha 11 anos”, escreve Marsol na dedicatória no final do livro, colocada ao lado de citações de artistas, pensadores, cientistas — entre elas, a frase de Carl Sagan, “Somos feitos de material de estrelas”.
Planeta distante
Astro, personagem que dá título ao livro, recebe a missão de conhecer e investigar um planeta distante, desconhecido para nós e para ele. Nada ali, além de Astro, nos é familiar. A paisagem, a vegetação, os seres que lá habitam, nada nos faz sentido.
Ao executar sua missão, Astro observa e é observado, a curiosidade e o estranhamento mútuos são os elos que aproximam os seres do lugar e o visitante. Entre os primeiros, um se faz mais próximo e torna-se amigo de Astro. Eles se encontram diariamente, compartilham segredos e esconderijos e nos levam a todos os cantos daquele planeta. Quando se aproximam, descobrimos que é justamente esse ser que nos conta a história da passagem de Astro por seu planeta.
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As características físicas do livro potencializam a narrativa que avança conforme viramos as páginas. Repare: o formato horizontal, o papel poroso, cuja textura podemos sentir ao tocá-lo, o que acontece também na capa, impressa no verso do papel-cartão, esse papel mais grosso que usamos nas capas de livros e que também tem uma textura. Sentiu?
‘Astro’ foi criado a partir de uma experiência pessoal do autor, o luto pela morte do pai
As ilustrações em técnica mista com bastante colagem têm o fundo predominantemente branco. Não sabemos o tamanho desse mundo desconhecido e tampouco temos referências do que é perto e do que é longe. Onde ele termina e onde começa.
Quando estamos quase confortáveis com aquele mundo, Astro perde seu companheiro de descobertas. Daí em diante, passamos a acompanhar como ele lida com o luto e a ausência do amigo. Sua solidão, sua raiva, sua saudade e seu medo. Escutamos de perto todas as perguntas que ele se faz tentando entender aquele acontecimento. Elaboramos com ele algumas respostas.
Tentava se lembrar do que estava fazendo ali.
Ele se perguntava:
Por que existe algo em vez de nada?
De que serve estarmos vivos?
O que há no fim de todas as coisas?
Até que chega o dia em que Astro volta para casa, levando com ele as experiências vividas naquele planeta já não mais tão desconhecido e estranho — nem para ele, nem para nós, que fomos também, ao longo das páginas, explorando o lugar, reconhecendo seus seres, admirando a beleza de suas paisagens.
Seguimos então por páginas duplas quase vazias até que, no final, as imagens vão ficando mais próximas, se ampliam a ponto de não caberem inteiras dentro das bordas do livro, e revelam um tempo não linear, como se o autor estivesse nos falando da saudade, daquilo que resta da ausência, das lembranças a que nos agarramos. É a saudade que nos conforta e que, embora tenha a infinitude do cosmo, cabe na palma das mãos de Astro.
Matéria publicada na edição impressa #93 em maio de 2025. Com o título “Esse estranho sentimento”
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