Vinte Mil Léguas,

As histórias não nascidas, pt. II

Estamos chegando ao final da primeira temporada do Vinte Mil Léguas, dedicada a Darwin: vamos ler trechos de 'A origem das espécies' para chegar ao ponto fundamental de sua teoria, tão complexa e ao mesmo tempo tão simples

02nov2020

O novo episódio do Vinte Mil Léguas já está no ar! Ouça agora “As histórias não nascidas, pt. II”. O Vinte Mil Léguas é realizado pela Quatro Cinco Um em parceria com a Livraria Megafauna e com o apoio do Instituto Serrapilheira.

Estamos chegando ao fim da primeira temporada do Vinte Mil Léguas, dedicada a Charles Darwin e A origem das espécies. Neste percurso, ouvimos sobre a vida do jovem Darwin, a história de sua família e as influências e acontecimentos que o formaram. Também acompanhamos sua vida adulta e o lento desenvolvimento de sua obra máxima, composta ao longo de décadas, enquanto ele realizava estudos e experimentos para se estabelecer como um naturalista respeitado. Neste último episódio narrativo da temporada, além de relembrar um pouco do trajeto feito até aqui, vamos ler trechos de A origem das espécies para chegar ao ponto fundamental do argumento de Darwin e de sua teoria, tão complexa e ao mesmo tempo tão simples. 

[Ilustração: Deborah Salles]
 

Aspas

“…e, enquanto este planeta segue girando conforme as leis da gravidade, as mais belas e maravilhosas formas orgânicas evoluíram e continuam a evoluir de acordo com um princípio tão simples como o aqui exposto.”

Charles Darwin, em A origem das espécies

Pessoas

Charles Darwin

Agora que estamos chegando ao final desta jornada junto com Charles Darwin, que tal testar seus conhecimentos? Responda a este quiz para ver se você sabe tudo sobre Darwin e A origem das espécies. Confira também, nesta matéria da BBC, os detalhes de cinco experimentos realizados por Darwin na Down House.


Retrato de Darwin pelo dramaturgo italiano Dario Fo. [Extraído do livro Darwin.]
 

Francis Darwin

O filho de Darwin, que ajudava o pai em seus experimentos, tornou-se botânico. Os experimentos do pai usando fontes de luz e brotos de plantas provaram que os vegetais sabiam se direcionar e se posicionar de forma a aproximar-se dos raios de luz. Francis foi além disso: ele postulou, no começo do século 20, que as folhas das plantas teriam organelas com células fotossensíveis e células análogas a lentes. Outro botânico do mesmo período, Harold Wager, fez experimentos fotográficos que tentavam demonstrar como seria essa visão das plantas. Essas ideias foram deixadas de lado por muitos anos, mas atualmente neurocientistas de plantas, como o eslovaco Frantisek Baluska, retomaram o estudo sobre a inteligência e os sentidos das plantas, com atenção a suas formas de “enxergar”.


Experimento fotográfico de Harold Wager usando células de plantas como lentes. [Imagens extraídas do artigo The Perception of Light in Plants.
 

George Eliot

A incontornável autora inglesa, influenciada por Darwin, explorou em seus romances as formas como os seres humanos se adaptam às condições sociais (em um contraponto à biologia evolutiva de Darwin, que olhava como as formas vivas se adaptam a seus ambientes). E uma curiosidade: antes de se tornar romancista, George Eliot teve um caso com Herbert Spencer, o homem que cunhou a expressão “sobrevivência dos mais aptos”. Em 1859, ano de publicação de A origem das espécies, George Eliot anota em seus diários que passou uma noite se deleitando com “música, As mil e uma noites e [a leitura de] Darwin”. Aliás, o próprio Darwin, que sempre anotava os títulos dos livros que lia, em 1840 registrou em seus cadernos: “um pouco das Mil e uma noites”. Saiba mais sobre os escritos e a “escandalosa” vida de Eliot, pseudônimo de Mary Anne Evans, neste artigo da BBC.

Ideias & invenções

Letras e órgãos

Em A origem das espécies, Darwin faz uma curiosa comparação entre biologia e etimologia: ele explica algumas estruturas inúteis no corpo de animais comparando-as com a grafia de palavras, que vão mudando ao longo do tempo, deixando indícios de suas histórias. Para os fãs de etimologia, fica a dica do podcast Lexicon Valley, em inglês, e do Dicionário Etimológico online, com muitas curiosidades sobre a origem de milhares de palavras. Também recomendamos a seção Léxico do jornal Nexo, uma coluna com artigos variados sobre a etimologia de palavras comuns do nosso idioma.


Seis edições de A origem das espécies. [Crédito: Wellcome Collection]
 

Seleção natural e o conceito de “evolução”

Antes de Darwin, a palavra evolução já era empregada nas ciências naturais, ainda que num sentido bem diferente do proposto em A origem das espécies. O termo era usado por defensores da teoria da pré-formação, que acreditavam que os espermatozóides seriam homúnculos e que a reprodução consistia na evolução desses homúnculos a seres humanos. Na realidade, Darwin quase não usou a palavra “evolução” em sua obra, mencionando-a apenas ao final do livro, preferindo nomear as alterações hereditárias de “descendência com modificação”. A ideia de uma seleção natural com alteração já havia surgido, no entanto, quase mil anos antes, na obra do pensador islâmico Al-Jahiz. Você pode ler mais sobre esse ancestral da teoria da evolução neste artigo da BBC.


Ilustração de Nicholas Hartsoeker demonstrando ideias preformacionistas, 1695. [Extraído da revista Essai, da College of DuPage.]
 

Eventos

A orquídea e a mariposa

Alguns anos depois da publicação de A origem das espécies, Darwin recebeu do botânico James Bateman algumas orquídeas do Kew Garden, os jardins botânicos reais ingleses. Uma espécie em particular chamou a sua atenção, a Angraecum sesquipedale, com um nectário de quase 30 cm de comprimento. Por seus estudos com orquídeas e insetos, Darwin sabia que deveria haver, em algum lugar da natureza, um inseto com um probóscide (aparelho bucal) longo o suficiente para acessar o néctar da planta. No começo do século 20, de fato, descobriram em Madagáscar uma espécie de mariposa que cumpria a sua previsão. Leia mais sobre a orquídea de Darwin aqui e aqui.

                   
A Xanthopan morgani com seu probóscide estendido. A existência de uma mariposa com essas características foi prevista por Darwin e por Alfred Russel Wallace. [Crédito: National History Museum of London]
 

A reação ao urso-baleia

Darwin incluiu no capítulo 6 de A origem das espécies uma pequena cena sobre um urso preto da América do Norte nadando por horas com a boca aberta para comer insetos na superfície da água. Na sequência, ele escreve não ter dificuldade em imaginar um urso de hábitos cada vez mais aquáticos, adaptando-se e tornando-se uma criatura cada vez mais parecida com uma baleia. Apesar de ser um trecho breve, o arroubo imaginativo não passou batido pelos colegas cientistas de Darwin, alguns dos quais chegaram a escrever a ele dizendo o quanto gargalharam com essa passagem (William Henry Harvey, no caso). Darwin teve de se defender de críticos pelo que escreveu e modificou o trecho nas edições posteriores do livro. Um pouco mais sobre a reação ao urso-baleia está contado no Darwin Project, em inglês.

O pioneirismo de Maria Sibylla Merian

Maria Sibylla Merian, nascida na Alemanha em 1647, foi uma naturalista e ilustradora científica pioneira na sua junção de ciências e arte. Ela publicou em vida vários livros com desenhos detalhados de insetos e plantas, tendo estudado e descrito em detalhes as transformações das borboletas e descoberto em seus estudos vários fatos inéditos sobre a vida dos insetos. Ela também foi uma das primeiras naturalistas a fazer uma viagem puramente científica: em 1699, aos 52 anos, ela veio à América, para a colônia holandesa do Suriname, para catalogar a fauna e a flora da região. Para saber mais sobre sua trajetória, recomendamos a tradução deste artigo do New York Times.


Aquarela de uma rosa por Maria Sibylla Merian, 1675.
 

FitzRoy e os nativos da Terra do Fogo

Quando o Beagle passou pela Terra do Fogo pela primeira vez, em 1830, o arquipélago no extremo sul do continente americano foi palco de uma situação inesperada. O bote baleeiro usado para os marinheiros embarcarem e desembarcarem do navio desapareceu. O capitão FitzRoy entrou em conflito com os nativos fueguinos e sequestrou alguns deles em uma tentativa de reaver o bote por meio de um resgate. O plano não deu certo, e o bote nunca apareceu. Os reféns fugiram, com exceção de Yokcushlu, de apenas 9 anos. FitzRoy capturou outros três nativos, e os quatro fueguinos seguiram viagem com o Beagle. A ideia era levá-los à Inglaterra, educá-los e depois trazê-los de volta à Terra do Fogo para serem intérpretes ingleses. Um dos nativos faleceu, mas três deles foram levados até a Inglaterra, onde causaram fascínio entre os colonialistas; chegaram até a conhecer o rei e a rainha. FitzRoy cumpriu sua promessa e levou-os de volta depois, na viagem com Darwin. Leia mais sobre a história de Yonkcushlu e dos nativos fueguinos, em inglês, no site do Darwin Project.


Yokcushlu (Fuegia Basket), Elleparu (York Minster) e Orundellico (Jemmy Button), os três fueguinos. [Ilustração atribuída a John Hayter, 1831.]
 

Errata dos episódios

  • No episódio Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, pt. I, dois homens vitorianos foram transformados em um só: não, não foi o mesmo sujeito que cunhou a palavra “cientista” e a palavra “dinossauro”. A primeira foi criada por William Whewell, enquanto que a segunda é de autoria de Richard Owen.
  • Na segunda parte do episódio Cambaxirras, bicudos, papa-figos e tentilhões, trocamos o nome do tradutor russo de A origem das espécies: ele era Vladimir Kovalevsky, não Victor Kovalevsky. E foi o responsável por uma longa pesquisa sobre a origem dos cavalos na América — uma longa pesquisa que, no fim, se provou equivocada.
  • No episódio As histórias não nascidas, pt. I, houve um engano na tradução da carta de apresentação da teoria de Wallace e Darwin à Sociedade Lineana: falou-se em “aparência e perpetuação de variedades”. No lugar de "aparência", leia-se “aparição”. As duas palavras são a mesma em inglês, appearance

Referências do episódio

  • Arthur Waley, The way and its power: the Tao Te Ching and its place in Chinese thought. Unwin Paperbacks.

  • Bruno Schulz, “Sanatório sob o signo da clepsidra”, em Ficção completa. Cosac Naify.
  • Gillian Beer, Darwin’s plots: evolutionary narrative in Darwin, George Eliot and nineteenth-century fiction. Cambridge University Press.
  • Stefano Mancuso, A revolução das plantas. Ubu Editora. 
  • Stephen Jay Gould, “Acerca de heróis e de tolos na ciência”, em Darwin e os grandes enigmas da vida. Editora Martins Fontes.
  • Stephen Jay Gould, O sorriso do flamingo. Editora Martins Fontes.
  • William Wordsworth, The Prelude, livro II.

Vinte Mil Léguas recomenda

  • Evelyne Bloch-Dano, A fabulosa história dos legumes. Estação Liberdade.

  • George Eliot, O véu erguido. Grua Livros.
  • O longa-metragem O botão de pérola, dirigido pelo chileno Patricio Guzmán.

A revista Quatro Cinco Um é uma publicação da Associação Quatro Cinco Um, entidade sem fins lucrativos voltada para a difusão da cultura do livro, do pensamento crítico e das ciências, fundada em 2017 por Fernanda Diamant e Paulo Werneck. Contribua com nossas atividades.

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Criação do podcast e edição dos roteiros: Fernanda Diamant
Pesquisa, roteiros e apresentação: Leda Cartum e Sofia Nestrovski
Edição e finalização de som: Nicholas Rabinovitch
Trilha sonora e execução da trilha: Fred Ferreira
Projeto gráfico e ilustrações: Deborah Salles
Produção executiva: Mariana Shiraiwa
Edição das newsletters: Gabriel Joppert
Revisão técnica: Reinaldo José Lopes