Repertório 451 MHz,

Tenho horror de escrever

Referência para gerações de poetas, Francisco Alvim fala sobre o surgimento da poesia marginal nos anos 70 e seu caso de horror e prazer com a literatura

27jun2025

Está no ar o 142º episódio do 451 MHz, o podcast dos livros. Neste episódio, o grande poeta mineiro Francisco Alvim dá uma rara entrevista a Paulo Werneck e Bruna Beber e não deixa escapar nem as suas mais íntimas contradições como autor. “Eu tenho horror de escrever, tenho realmente horror, acho chato. Até que de vez em quando a coisa acende e aí é um prazer”, diz.

Na conversa, gravada durante a passagem de Chico por São Paulo para participar do Festival Poesia no Centro, em maio, ele ainda repassa sua trajetória, reflete sobre o surgimento da poesia marginal no Brasil dos anos 70 e compartilha lembranças familiares que moldaram sua relação com a literatura. O episódio foi realizado com o apoio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais.

Nome fundamental da poesia brasileira contemporânea, Francisco Alvim, ou simplesmente Chico, é uma referência para diversas gerações de poetas brasileiros surgidos nos últimos quarenta anos. Isso se deve muito à sua poesia ligada à oralidade e à experiência cotidiana. 

Duas vezes vencedor do prêmio Jabuti, pelas coletâneas Passatempo e outros poemas (Brasiliense, 1981) e Poesia reunida 1968-1988 (Duas Cidades, 1988), ele estreou com Sol dos cegos (Olímpica, 1968). A descoberta de sua poesia por um público maior veio com a antologia 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda em 1976. Antes de estrear em editoras maiores, ele ainda assinou publicações independentes como Dia sim, dia não (1978), com o poeta luso-brasileiro Eudoro Augusto.

Francisco Alvim (Divulgação)

Entre seus livros mais recentes estão Elefante (2000) e O metro nenhum: poemas (2011), ambos publicados pela Companhia das Letras, e a antologia Francisco Alvim: oitenta anos, que saiu pela Editora Quelônio em 2018 e ganhou nova edição em 2025, feita especialmente para a participação do autor no Festival Poesia no Centro. 

Poesia marginal

No episódio, Alvim recorda o momento histórico em que surgiu o movimento da poesia marginal, a que seu nome frequentemente é associado.“Foi uma coisa muito forte que veio de vários lados, não veio de um lado só, não havia propriamente uma intenção poética. Havia uma situação que nos transcendia, que era propriamente a situação do país, uma situação conflitiva”, diz, em referência ao período mais duro da ditadura militar (1964-85), em meados dos anos 70.

Segundo ele, o cenário da época era marcado por um certo apagamento institucional da produção cultural, apesar da ebulição “subterrânea” que vinha desde os anos 50 e 60. “O espaço cultural achava que os anos 70 não tinham nada. A crítica que os marginais recebiam era de que era um vácuo cultural que estava se vivendo no período. Mas, ao contrário, era um período subterraneamente e umbilicalmente ligado à década anterior, do Cinema Novo e do início da substituição da cultura francesa pela americana, progressivamente”. 

Chico Alvim destaca justamente a influência do Cinema Novo e de movimentos artísticos daquela e de outras épocas na poesia marginal. “O movimento dos marginais chega por diversas frentes que se originam nessas três décadas [50, 60 e 70]. O Cinema Novo teve uma influência enorme, o cinema marginal, por exemplo, começou antes da poesia. Em matéria de forma, [a poesia marginal] pegava todas as nuances dessas diferentes expressões de arte e de linguagem”, conta. 

“Eu acho que aquilo tudo contrabalanceava também as vanguardas, os concretos, o Poema/Processo e mesmo a tradição”, diz. Para o poeta, seu primeiro livro, Sol dos cegos (1968), já refletia a linguagem múltipla das artes do período. 

Família de poetas

Em tom mais íntimo, Alvim ainda compartilha como a literatura entrou em sua vida a partir da influência das irmãs, também poetas. “Comecei a me interessar por literatura graças a minhas duas irmãs, sobretudo a Ângela”, conta.

Ele se refere à irmã mais velha, Maria Ângela Alvim (1926-59), que o apresentou à poesia ainda na juventude. “Ela que me abriu para a poesia pelo interesse dela, me surpreendeu com um interesse muito grande. E aquilo me deu uma vontade de seguir os passos dela”. 

Maria Ângela Alvim (Divulgação)

Já a convivência com Maria Lúcia Alvim (1932-2021), mais próxima em idade — Chico nasceu em 1938 —, é descrita como intensa e marcante. “Ela era inteiramente independente, um caráter notável, uma força”, diz, recordando o impacto de XX sonetos (1959), livro com o qual a irmã estreou e venceu um concurso do jornal paulistano Gazeta de Notícias.

Palavras incríveis

No programa, Chico Alvim fala também sobre o que tem produzido atualmente e revela que prefere conversar a ter que escrever. “Eu tenho horror de escrever, tenho realmente horror, acho chato. Até que de vez em quando a coisa acende e aí é um prazer.”

Ele reconhece, no entanto, que a vontade de escrever poesia pode vir dos lugares mais inesperados, como a televisão. “Porque são coisas notáveis, a palavra é uma coisa incrível. Ela tem uma vida própria, ela te conduz por coisas absolutamente surpreendentes. Tem adjetivos, tem sintaxes, tem uma prosódia, a teatralidade, as figuras que aparecem na TV”, afirma.

Ao falar sobre do que é feita a arte, Chico Alvim faz uma reflexão sobre o papel do tempo: “Na arte, o tempo é tudo, realmente é tudo. Porque é uma pauta transcendente, é uma pauta maior que as pautas”, diz. 

“A verdadeira linguagem da arte é quando somem tempo e espaço, e tem uma expressão que é uma voz, que é mais do que linguagem, é uma coisa adâmica, é uma força que vem, é uma coisa nietzschiana, é um tumulto, eu não sei direito. É diferente e vai existir sempre”, conclui. 

Mais na Quatro Cinco Um

Como poeta marginal, Francisco Alvim esteve por muito tempo fora do cânone da poesia brasileira, assunto do artigo “Além do horizonte crítico”, de Yasmin Santos, publicado em 2023 na edição #68 da revista dos livros.

No texto, ela lembra que autores da poesia marginal como Alvim, Chacal e Ana Cristina Cesar tiveram que atuar à margem do mercado editorial e passaram a produzir, editar, distribuir e vender seus textos diretamente para o público leitor. Leia na íntegra.

Irmã de Chico Alvim, a também poeta Maria Lúcia Alvim teve sua Poesia reunida lançada em 2024 pela editora Relicário. O livro foi indicado por Sérgio Alcides como seu xodó literário do ano passado

“Brava desbravadora de sonetos, que escreve sem poeira nenhuma, e estalam na hora da leitura. Um vértice muito pessoal da tríade de grandes poetas da mesma família, ao lado da irmã Maria Ângela Alvim e do irmão Francisco Alvim”, define Alcides. Leia mais aqui.

O melhor da literatura LGBTQIA+

Este episódio traz ainda uma dica de Airton Souza. Ele é autor de Outono de carne estranha (Record, 2023), vencedor do Prêmio Sesc de Literatura em 2023. Souza indica Santo de casa, do Stefano Volpi, que também foi publicado pela Record, em 2025. 

“O livro debate uma série de problemáticas que atravessam a história desse país, sobretudo ligada ao tema das identidades, do racismo, da LGBTfobia, das diferenças sociais, a partir de um mundo que é o da casa”, diz. 

O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.

Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Beatriz Souza e Mariana Franco
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]