Repertório 451 MHz,

No cinema com Caetano

Cláudio Leal e Rodrigo Sombra falam dos filmes que influenciaram o tropicalista e suas incursões pela sétima arte

12jul2024 • Atualizado em: 01ago2024

Está no ar o 451 MHz, o podcast da revista dos livros. Neste 115º episódio os convidados são o jornalista Cláudio Leal e o fotógrafo Rodrigo Sombra. Os dois são os organizadores de Cine Subaé: escritos sobre cinema (1960-2023), reunião de críticas e depoimentos de Caetano Veloso sobre a sétima arte, recém-publicado pela Companhia das Letras. O episódio foi realizado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura.

Cinéfilo eterno, Caetano Veloso já disse que sem Godard, cineasta pioneiro da Nouvelle Vague, não existiria Tropicália. Recém-lançado, Cine Subaé traz críticas cinematográficas do cantor publicadas na década de 60 sobre filmes do Cinema Novo, do neorrealismo italiano e da produção francesa. 

Cláudio Leal é jornalista e mestre em teoria, história e crítica de cinema pela Universidade de São Paulo. Rodrigo Sombra é fotógrafo e professor do curso de audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e doutor em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Os dois falam do amor do tropicalista pelo cinema desde a juventude e também de como a obra do artista baiano é inspirada por imagens em movimento. 

Caetano e o cinema 

“Caetano Veloso sempre pensou e formulou continuamente o cinema, mesmo tendo se afastado da crítica e da realização que ele sonhava”, diz Cláudio Leal.

Antes de se tornar um dos maiores nomes da música brasileira, o artista iniciou uma trajetória profissional como crítico de cinema, escrevendo diversos dos textos contidos em Cine Subaé: escritos sobre cinema (1960-2023).

Em 1986, entre os álbuns Caetanear (1985) e Caetano Veloso (1986), ele dirigiu o longa-metragem Cinema falado, filme experimental que mistura música, poesia e reflexões sobre a cultura brasileira. 

Pôster do filme Cinema falado, de Caetano Veloso (Reprodução)

Porém, essa não foi sua primeira incursão na sétima arte. Segundo Rodrigo Sombra, Caetano já havia escrito, nos anos 70, um roteiro sobre a história de Carmen Miranda com o compositor baiano Assis Valente. O longa seria um musical estrelado por Gal Costa no papel de Carmen Miranda, com direção de Walter Lima Júnior — projeto que não chegou a ser concretizado.

Além disso, Caetano escreveu um roteiro no qual explorava a cidade de Salvador sob a perspectiva do mar e também considerou dirigir uma adaptação da peça teatral Ó paí, ó, de Márcio Meirelles, para os cinemas. A montagem acabou ganhando adaptação da cineasta Monique Gardenberg em 2007, com participação de Caetano na trilha sonora. 

Em 2020, o tropicalista foi entrevistado para o documentário Narciso em férias, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil. O filme faz um relato íntimo e detalhado de sua prisão durante a ditadura militar, em dezembro de 1968, a partir do texto homônimo publicado na edição que celebrou os vinte anos do seu livro de memórias Verdade tropical, lançada pela Companhia das Letras em 2017. 

Pôster do filme Narciso em férias, de Renato Terra e Ricardo Calil (Reprodução)

No episódio, Caetano fala, em áudio captado por Leal e Sombra durante a pesquisa do livro, sobre o filme Bandido da luz vermelha (1986), de Rogério Sganzerla. 

“Quando vi O Bandido da Luz Vermelha, achei que o cinema no Brasil tinha dado um passo radical para além do que tinha conseguido o Cinema Novo; e isso continuou esboçado, a gente sente que há um aspecto de ruptura, mas também de desenvolvimento de algo que poderia vir a acontecer”, diz. 

Pôster de Bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla

Cinema falado

Cinema falado é o Araçá Azul no cinema” é o que afirma Caetano sobre seu único longa-metragem e seu álbum lançado em 1972. Ambos são conhecidos por abordagens experimentais e por desafiar convenções do audiovisual e da música ao explorar novos sons, estruturas e temas.

Capa do disco “Araçá Azul”, de Caetano Veloso (Reprodução)

“Ele imaginava que aquele experimentalismo exercido no filme seria uma espécie de esboço para outros filmes, mais palatáveis e com uma vocação mais comercial”, afirma Sombra sobre os filmes que Caetano planejava dirigir. “Uma vontade de uma veia popular que existia não apenas em sua produção musical, mas também cinematográfica.” 

Em Cine Subaé, há dois textos dele sobre o filme que realizou. Um texto de divulgação do filme e outro que escreveu vinte anos depois do lançamento, no qual menciona suas intenções como cineasta. “Antes de ser músico, ele pensava em ser cineasta”, diz Leal. 

Traços cinematográficos

Rodrigo Sombra afirma que o cinema, suas elipses e cortes, para além de alimentarem a cinefilia de Caetano Veloso, também influenciam formalmente sua poesia. 

O cantor explorou em suas letras temas do cinema brasileiro, como na canção “Cinema Novo”, na qual canta: 

O filme quis dizer ‘Eu sou o samba’ 
A voz do morro rasgou a tela do cinema 
E começaram a se configurar 
Visões das coisas grandes e pequenas 
Que nos formaram e estão a nos formar 
(…) 
O samba quis dizer: eu sou cinema  
(…) 
E o filme disse: Eu quero ser poema 
Ou mais: Quero ser filme e filme-filme

De acordo com os organizadores, é um ensaio em forma de canção, em defesa do Cinema Novo e do Cinema Marginal — em um período em que o cinema brasileiro enfrentava desafios no país, como o declínio da Embrafilme e críticas severas, como as de Paulo Francis. 

“Acredito que toda a obra do Caetano se constitui como uma revisão crítica da cultura brasileira. Como ele foi crítico, ele compete também com os críticos”, afirma Leal. 

Essa fusão singular entre cinema e música emerge de forma marcante a partir do tropicalismo, conforme ressalta Leal. Na icônica “Alegria, alegria”, Caetano menciona Brigitte Bardot, ao passo que Augusto de Campos observa uma montagem de inspiração godardiana.

“O cinema acompanha o impulso criador de Caetano por boa parte de sua trajetória. Uma espécie de vertente paralela à música, que se toca com a música em diversos momentos”, afirma Sombra.

Outro encontro entre o cinema e a música de Caetano são os álbuns Araçá Azul (1973) e Transa (1971), com estruturas musicais que evocam a atmosfera cinematográfica, de acordo com Leal. O pesquisador cita o arranjo de “Épico”, uma das faixas de Araçá Azul, que sugere uma trilha sonora cinematográfica.

Além disso, o tropicalista também nomeou alguns seus discos em homenagem à sétima arte: Cinema Transcendental, de 1970, e Omaggio a Federico e Giulietta (1999), registro que fez na Itália em homenagem à atriz italiana Giulietta Masina (1921-1994) e seu marido, o cineasta Federico Fellini (1920-1993). 

Cine Subaé

“Embora Caetano não vá mais ao cinema tanto quanto antes, lamentando isso, ele mantém intacta a reserva de entusiasmo que tem em relação ao cinema brasileiro”, afirma Sombra. 

Sobre o cinema contemporâneo, o tropicalista destaca a produção recente mineira e pernambucana, de acordo com os autores. 

De Contagem, cidade industrial mineira, saíram filmes como Temporada (2018), dirigido por André Novais Oliveira, e Marte Um (2018), de Gabriel Martins. O primeiro acompanha Juliana, uma agente de saúde que se muda para Contagem, enfrentando desafios pessoais e profissionais enquanto interage com os moradores locais. O segundo conta a vida de um jovem que vive na periferia da cidade mineira e que sonha em ser astronauta.

Capa do diário de produção do filme Temporada, de André Novais de Oliveira
Pôster de Marte Um, do Gabriel Martins

Já o cinema pernambucano tem filmes como Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, indicado a Melhor Filme e Melhor Atriz, com Sonia Braga, no Festival de Cannes.

Não adepto do streaming, Caetano ainda valoriza o prazer de estar em uma sala escura, segundo os organizadores do livro. Nos escritos compilados em Cine Subaé, além de comentar sobre filmes que o marcaram, o músico também reflete sobre a própria experiência de assistir a um filme na telona.

Na sua juventude em Santo Amaro, cidade do Recôncavo Baiano onde cresceu, Caetano frequentava três cinemas, assistindo a filmes mexicanos, franceses, americanos e brasileiros. Entre eles, o Cine Teatro Subaé. Como em muitas cidades do interior do Brasil, hoje não há mais cinema em Santo Amaro. 

“Havia uma diversidade que hoje em dia não é tão evidente nos circuitos de exibição contemporâneos”, observa Leal.

Mais na Quatro Cinco Um

Cláudio Leal escreveu em 2021 para a Quatro Cinco Um o artigo “O sebastianismo de Caetano Veloso”, sobre como o mito messiâncio do rei D. Sebastião influenciou o artista baiano. 

A revista dos livros também já teve o privilégio de ter Caetano Veloso entre seus colaboradores. Em 2018, o artista resenhou a coletânea de crônicas de José Almino de Alencar, Gordos, magros e guenzos: crônicas (Cepe Editora, 2017). 

O melhor da literatura LGBTQIA+

O episódio traz a dica de Olívia Pilar, autora de Um traço até você, publicado pela Seguinte em 2023. Ela indica Romance real, de Clara Alves, publicado pela mesma editora em 2022. 

“Uma autora jovem que escreve para o público jovem. O romance conta a história da Daiana, que sai do Rio de Janeiro e vai morar com o pai. Ela está passando por um momento de luto, conhece uma garota em Londres e as coisas acontecem a partir daí”, conta Pilar.

Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.

451 MHz é uma produção da Rádio Novelo e da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Coordenação Geral: Évelin Argenta e Paula Scarpin
Produção: Mariana Shiraiwa e Mauricio Abbade
Edição: Luiza Silvestrini
Produção musical: Guilherme Granado e Mario Cappi
Finalização e mixagem: Pipoca Sound
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Coordenação digital: Bia Ribeiro
Para falar com a equipe: [email protected].br

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