

Repertório 451 MHz,
Palavras, palavras, palavras
Caetano W. Galindo e Marcos Bagno, que compartilham a paixão pelo português na escrita, tradução e estudo da língua, conversam sobre o passado, o presente e o futuro do nosso idioma
09maio2025Está no ar o 137º episódio do 451 MHz, o podcast dos livros. Este programa traz uma conversa entre Caetano W. Galindo e Marcos Bagno: dois autores que compartilham a paixão pela língua portuguesa na escrita — de poesia e ficção —, na tradução e no estudo do nosso idioma.
Aproveitando que em maio é comemorado o mês da língua portuguesa, o 451 MHz resgata o encontro ocorrido durante A Feira do Livro 2024 na mesa “Palavras, palavras, palavras”, com mediação da professora e escritora Luana Chnaiderman. Em um bate-papo divertido , os dois especialistas falam sobre as origens, o presente e o futuro da língua e suas variantes, além da paixão que sentem pelas palavras desde a juventude e das formas como isso se manifesta em suas vidas. O episódio foi realizado com o apoio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais.

Caetano W. Galindo é escritor, tradutor e professor da Universidade Federal do Paraná. Ele é autor do recém-lançado Na ponta da língua: o nosso português da cabeça aos pés e de Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português (2023). Na ficção, escreveu o romance Lia: cem vistas do monte Fuji (2024) e a coletânea de contos Sobre os canibais (2019) — todos publicados pela Companhia das Letras. Também assina traduções premiadas, como a do clássico Ulysses, de James Joyce, publicada em 2012 pela mesma editora.
Já Marcos Bagno é linguista, tradutor, ficcionista e professor da Universidade de Brasília. Ele é autor de diversas obras nas áreas da linguística e literatura, principalmente infantojuvenis, como o romance As memórias de Eugênia, reeditado em 2020 pela Maralto Em 2021, lançou A vida na Grécia, pela Parábola Editorial. Seu título mais conhecido é o clássico Preconceito linguístico: o que é, como se faz, publicado originalmente em 1999 e reeditado em 2015 pela mesma editora.
Mediadora do encontro, Luana Chnaiderman é escritora e professora. Ela é autora de Os animais domésticos e outras receitas, lançado em 2018 pela Perspectiva.
Paixão desde a infância
Logo no início da conversa, Chnaiderman destaca que Galindo e Bagno compartilham muitas similaridades: são escritores de ficção, tradutores, linguistas e professores. “Algo que tem entre vocês dois é um profundo maravilhamento e encantamento com as palavras e com a língua”, define.
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Bagno conta que seu interesse pelas palavras surgiu por influência do pai ainda na infância. “Ele tinha muitos livros em casa, foi professor de português. Comecei a ler muito pequeno, comecei a escrever também muito cedo e recebi esse incentivo. Meu pai também era professor de francês, então bem pequenininho ele começou a me ensinar francês.”
Foi também na infância que surgiu o interesse por outras línguas, o que mais tarde viraria profissão. “A tradução é minha grande paixão no mundo, eu já traduzi mais de 120 livros e continuo achando muito mágico mesmo você ter uma coisa numa língua e passar para outra. A linguagem é realmente meu grande interesse, meu grande amor”, afirma Bagno.
Já Galindo conta que não cresceu em uma casa cheia de livros, mas ainda assim sempre se sentiu rodeado pelas palavras. “Eu vim de uma família de gente que fala muito e gente que curte muito falar, conversar, falar ao telefone. Tomar café e passar a tarde falando. Gente não plenamente alfabetizada, gente com singularidades linguísticas que eu sempre achei muito estranhas e muito divertidas”, conta o autor curitibano.
Ele levou a plateia aos risos ao ilustrar sua relação com a língua portuguesa, lembrando de uma situação que viveu ao ouvir a música “Ciranda da bailarina”, de Chico Buarque.
“Eu estava lavando louça e comecei a chorar. Estava ouvindo aquilo e estava feliz, [fui] realmente às lágrimas, porque é tudo tão perfeito ali. Cada sílaba está exatamente no seu lugar. Cada palavra inesperada, cada laivozinho de oralidade imprevista, cada palavra escolhida.”
Preconceito linguístico
Ao falarem das origens, do presente e do futuro do português, principalmente o brasileiro, os autores lembram da enorme influência africana na formatação do nosso idioma. Os dois destacam que o debate sobre modos certos ou errados de falar é reflexo da exclusão social e do racismo, o que Bagno aponta em livros como Preconceito linguístico.
“A língua é usada como pretexto para discriminar e excluir”, diz o escritor sobre os motivos que o fizeram escrever a obra, que se tornou um clássico dos estudos sobre a língua portuguesa desde que foi publicado pela primeira vez no fim dos anos 90.
“O preconceito linguístico se dirige às pessoas que não têm acesso à educação formal. Quem são a maioria dessas pessoas? São as pessoas negras, afrodescendentes etc.”, aponta. “[É] preconceito social, na verdade. É um racismo linguístico, porque o racismo é a espinha dorsal da sociedade brasileira”, completa.
Nessa parte da conversa, Galindo destaca que o livro de Bagno inaugurou um novo campo de estudos sobre linguagem no Brasil e pavimentou o caminho para que o seu Latim em pó, que explica de onde vem a diversidade do português brasileiro, também existisse. “Quando esse livro começou a ser escrito, ele só tinha essa certeza: vai se chamar Latim em pó. É essa ideia de um processo meio industrial: pegar algo da natureza, moer, transformar em outra coisa que pode, no entanto, ser reconstituída. É esse o trocadilho com o leite em pó”, brinca. “Essa ideia de que o português é a versão moída e triturada do latim.”
Linguagem neutra
Ainda no episódio, Galindo e Bagno concordam que a discussão em torno do uso da linguagem neutra não tem tanto a ver com a linguística.
“O principal foco dessa questão toda é política. Como incluir mais pessoas na sociedade, criar uma linguagem inclusiva?”, exemplifica Bagno. “A gente mal consegue incluir as mulheres, [então] é uma luta mesmo para inclusão de cada vez mais pessoas. O resultado em termos de qual vai ser o pronome, qual não vai ser, isso ainda está ainda em construção”, afirma.
“O lindo dessa história é que eu não lembro de um assunto linguístico que tenha dominado tanto a discussão do Brasil, da sociedade brasileira e da sua relação com a academia e com os estudiosos quanto esse”, ressalta Galindo. “Está todo mundo obcecado falando disso há muito tempo e isso é maravilhoso. A questão está sendo discutida, o problema [da inclusão de minorias pelo idioma] foi levantado. A invisibilidade foi apagada, o problema está na cara de todo mundo”, conclui.
Mais na Quatro Cinco Um
Colaborador da revista dos livros, Caetano W. Galindo esteve no fim do ano passado no 125º episódio do 451 MHz ao lado de Ana Lima Cecilio, curadora da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), para falar da vida, da obra e da importância do grande escritor curitibano Dalton Trevisan (1925-2024), morto em dezembro. Ouça aqui.
Galindo ainda escreveu sobre Trevisan na edição #89 da Quatro Cinco Um, que trouxe um especial em homenagem ao eterno “vampiro de Curitiba”. “Dalton Trevisan gostava de cenas de sexo, e encontrava jeitos de dizer as coisas mais escandalosas das maneiras mais originais”, diz o autor de Latim em pó no texto “Titilar da língua”. Leia na íntegra.
Já o primeiro romance dele, Lia: cem vistas do monte Fuji, foi resenhado em 2024 para a Quatro Cinco Um pela jornalista e escritora Francesca Angiolillo, que ainda entrevistou Galindo. Leia aqui.
No ano anterior, Luana Chnaiderman resenhou Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português, best-seller do escritor, para a edição #76 da revista dos livros. “O passeio que Caetano W. Galindo nos oferece percorre caminhos tortos, múltiplos”, diz Chnaiderman. “O passeio é pela multiplicidade de sentidos e variedades do nosso português.” Leia o texto na íntegra.
Marcos Bagno também já colaborou com a revista dos livros, compartilhando pílulas bem-humoradas sobre variação linguística no Almanaque d’A Feira do Livro 2024. Acesse aqui.
Livros do episódio
Saiba mais sobre os títulos que aparecem nesta edição do 451 MHz:
- Ulysses (Companhia das Letras, 2022). Edição especial traduzida por Caetano W. Galindo do grande clássico do escritor irlandês James Joyce.
- Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português (Companhia das Letras, 2023). Caetano W. Galindo reconstitui a história de nosso idioma e fala sobre os desvios, muitas vezes considerados “erros”, que formam e modificam a língua desde sua criação.
- Na ponta da língua: o nosso português da cabeça aos pés (Companhia das Letras, 2025). Novo lançamento de Caetano W. Galindo, oferece ao leitor ferramentas para que cada um também possa ser um investigador da língua portuguesa.
- Lia: cem vistas do monte Fuji (Companhia das Letras, 2024). Primeiro romance de Caetano W. Galindo, traz fragmentos da vida de uma mulher em capítulos independentes, que juntos montam um retrato do que é a vida.
- Preconceito linguístico: o que é, como se faz (Parábola Editorial, 2015). Livro de Marcos Bagno que fundou um novo campo nos estudo de linguística no Brasil, discute a discriminação por meio do idioma e a variação linguística da língua portuguesa.
- A vida na Grécia (Parábola Editorial, 2021). Romance de Marcos Bagno que acompanha o personagem Manuel desde a infância até a fase adulta. A narrativa também explora os limites das possibilidades expressivas da língua.
- Os animais domésticos e outras receitas (Perspectiva, 2018). Primeiro livro de Luana Chnaiderman destinado a adultos, traz contos com um cardápio de situações nas quais o ordinário e o extraordinário se encontram e se complementam.
- História sociopolítica da língua portuguesa (Parábola Editorial, 216). O autor Carlos Alberto Faraco faz uma investigação da história do português e explica como a variedade linguística românica que emergiu do latim e era falada na Península Ibérica se expandiu até chegar à Ásia, África e América.
- Assim nasceu uma língua (Tinta-da-China Brasil, 2024). O linguista português Fernando Venâncio conta a história das palavras com graça, conhecimento e espírito crítico, mostrando que até o século 15 a língua usada em Portugal era uma variante do galego.
- Camões com dendê: o português do Brasil e os falares afro-brasileiros (Topbooks, 2022). Neste ensaio, Yeda Pessoa de Castro faz um dicionário ampliado reunindo termos de diferentes origens que permeiam as várias facetas da cultura luso-brasileira. A obra inclui palavras de origem africana que são comumente usadas no dia a dia e esclarece a origem e significado de certas expressões sagradas.
O melhor da literatura LGBTQIA+
Este episódio traz ainda uma sugestão literária de Caetano W. Galindo. Ele indica o romance Como ser as duas coisas, da escritora escocesa Ali Smith, publicado pela Companhia das Letras em 2016 e traduzido pelo próprio Galindo.
“É um romance que trata de questões de mudança de gênero. Um romance trans através da história da arte e através da história de duas pessoas em momentos diferentes do mundo, em lugares diferentes do mundo, e que, além de tudo, representa essa bagunça de gêneros pelo fato de que cada uma dessas histórias é contada independentemente”, explica Galindo.
“Desde que o livro foi lançado originalmente, [as histórias] são impressas em ordem aleatória. Então, quando você compra o livro, você não sabe que livro você vai ler. A pessoa que leu do teu lado pode estar lendo um livro diferente do teu”, conta.
Confira a lista completa de indicações do podcast 451 MHz no bloco O Melhor da Literatura LGBTQIA+.
O 451 MHz é uma produção da Associação Quatro Cinco Um.
Apresentação: Paulo Werneck
Produção: Beatriz Souza
Edição e mixagem: Igor Yamawaki
Identidade visual: Quatro Cinco Um
Para falar com a equipe: [email protected]
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