Mercado editorial,

Editores dizem não a aumento de descontos para Amazon

Grupo Juntos Pelo Livro, que reúne selos independentes, enviou carta aberta à gigante do e-commerce

17mar2021

O grupo Juntos Pelo Livro, que reúne 130 editoras de pequeno e médio porte, divulgou nesta quarta (17) nota dirigida à Amazon, em resposta a tentativas da varejista de aumentar os descontos nas compras que faz, no que parece ser o primeiro atrito público da livraria digital com editores brasileiros. 

Formado em 2018, no contexto da recuperação judicial das então líderes de mercado Cultura e Saraiva, o grupo divulgou a nota "com o intuito de expor a inviabilidade de aceitar a elevação dos descontos, bem como alguns aspectos inerentes à operação com a Amazon". Nem todos os signatários da nota são fornecedores da Amazon, e nem todos os que fornecem receberam a carta com o pedido de aumento no desconto. Cada um dos editores anexou a nota à sua resposta individual. 

Integrantes do grupo receberam, no dia 10, emails com pedidos de aumento nos descontos e cobrança de taxas de marketing. A Amazon deu prazo de cinco dias para resposta, "para evitar impactos na nossa operação". As cartas cumprimentam os editores pelos resultados e mencionam os recentes investimentos da Amazon em quatro centros de distribuição, no Distrito Federal, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco, que prometem entregas em dois dias, em seiscentas cidades do país. Um assombro logístico.

A carta enviada aos editores pode representar uma inflexão no trato da empresa com seus fornecedores brasileiros. A Amazon estaria adotando uma atitude mais agressiva, semelhante à já observada no Hemisfério Norte. Essa estratégia se apoia em três pilares: descontos para o consumidor, rapidez na entrega e cobrança de taxas de marketing e armazenamento. 

Descontos

Nos Estados Unidos e em países da Europa, a Amazon travou quedas de braço com editores ao tentar forçar o aumento dos descontos e a redução do preço de capa dos livros eletrônicos. A política de descontos acima das práticas do mercado é apontada pelos críticos da empresa — principalmente editores, livreiros e escritores — como prejudicial ao ecossistema do livro, por submeter as editoras a pressão financeira crescente e levar livrarias independentes à falência.

Nos enfrentamentos com grandes grupos editoriais como o francês Hachette, a livraria acabou cedendo depois de negociações tensas, que incluíram a exclusão temporária de catálogos inteiros do site, e mesmo de livros de autores críticos a ela. Ainda não se sabe como será a resposta ao grupo Juntos Pelo Livro, que reúne editores independentes, de pequeno e médio porte — a Amazon não comenta negociações com fornecedores (leia a declaração da Amazon mais abaixo). Nem todos os integrantes do grupo assinam a carta. 

O email anexo à nota do Juntos Pelo Livro afirma, sobre o pedido de descontos extra: "As condições solicitadas estão muito além das nossas possibilidades. Quando negociamos o desconto sobre o preço de capa, na chegada da empresa ao nosso país, o fizemos de maneira transparente e imaginávamos que o percentual estabelecido fosse o teto, salvo em algumas negociações específicas".

Além da pressão por mais descontos, são cobradas taxas de marketing para favorecer a exposição no site e a operação nos centros de distribuição. Os críticos da prática nos Estados Unidos argumentam que quem não concede os descontos ou não adere ao Plano de Marketing é prejudicado nos resultados de buscas e vê produtos de concorrentes sendo favorecidos. Na carta aos editores, o Plano de Marketing é descrito como "Pacote de Ferramentas que geram tráfego, conversão e garantem a operação logística para seus produtos". Entre outras vantagens, o fornecedor recebe o selo Prime. 

Até agora, a Amazon vinha cultivando relações amistosas com seus fornecedores no Brasil, com uma política de descontos dentro dos padrões habituais do mercado de livros no país. Com altos valores (e milhões de exemplares) presos em recuperações judiciais das redes Saraiva e Cultura, os editores viram na gigante americana um canal de vendas moderno e potente, ou pelo menos a oportunidade de um respiro. 

Durante a pandemia, a Amazon brasileira ofereceu aos editores a possibilidade de adiantar pagamentos sobre vendas. Com as livrarias físicas fechadas ou sem clientes em todo o país, aproveitou para ganhar mercado: calcula-se que hoje cerca de 40% do mercado de livros brasileiro esteja com a Amazon. O movimento iniciado com os e-mails de 10 de março pressiona os editores por todos os lados, por pretender abocanhar uma fatia maior de desconto, obrigar os editores a pagar 100% do frete para quatro diferentes centros de distribuição e por insistir para que paguem taxas de marketing de até 5%.

A varejista digital inaugurou centros de distribuição no Distrito Federal, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco. Quase sempre, os editores arcam com o frete para abastecer esses centros de distribuição, que funcionam em sistema de fullfillment, em que os fornecedores estocam os produtos no depósito do varejista, para permitir entrega imediata.

Segundo o e-mail do Juntos Pelo Livro, a estratégia recém-implementada "onerou ainda mais as editoras": "A inauguração dos novos centros de distribuição, se por um lado agilizou e ampliou o trabalho da Amazon, por outro onerou ainda mais as editoras, uma vez que agora gastam significativamente mais com logística, em vez de concentrarem as entregas em um único local". 

A empresa de Jeff Bezos vem experimentando enorme crescimento, especialmente durante a pandemia, e também vem enfrentando fortes questionamentos nos Estados Unidos. Além das já antigas críticas do mercado editorial e de escritores — Stephen King liderou abaixo-assinados e manifestações contra a Amazon —, autoridades antitruste vêm investigando supostas práticas abusivas. Autoridades francesas fecharam um centro de distribuição por falta de cuidados com a transmissão da Covid-19 entre os trabalhadores. 

Os lucros de Bezos durante a pandemia — e sua tímida atividade filantrópica — vêm sendo severamente recriminados. Depois de anos de desgaste político e pessoal, o criador da Amazon tenta reconstruir sua imagem pública e se afastou no começo do ano da direção do grupo para se dedicar a projetos de seu interesse, como a exploração do espaço sideral e o jornal The Washington Post. O presidente Joe Biden se pronunciou nesta semana em favor da sindicalização de trabalhadores e do controle sobre as big techs, o que foi interpretado como uma disposição para enfrentar a política antissindical e o poder irrefreável da Amazon. Ainda nesta semana, bibliotecas públicas americanas criticaram a empresa por dificultar ou mesmo impedir o empréstimo de e-books comprados na livraria. 

Outro lado

Procurada pela Quatro Cinco Um, a assessoria de imprensa da Amazon enviou esta declaração na tarde de quinta-feira (18): "Na Amazon, acreditamos que autores, editores e livreiros trabalham juntos para conectar os leitores aos livros. Nós não comentamos acordos específicos com nossos parceiros comerciais". 

Leia a íntegra da nota do grupo Juntos Pelo Livro

O Grupo de Editores Juntos pelo Livro se formou em 2018, como consequência de dificuldades amplamente conhecidas – as recuperações judiciais de Cultura e Saraiva, além das falências da BookPartners e Laselva – e com o objetivo de debater ideias, problemas e soluções. Com o passar do tempo, e o crescimento do número de editoras integrantes – cerca de 130 atualmente –, passou a tomar posições sobre assuntos de interesse comum.

O e-mail enviado pela Amazon em 10/03/2021 a muitos editores do Grupo, solicitando aumentos dos percentuais de descontos concedidos sobre o preço de capa e manifestação até 15/03/2021, foi igualmente discutido sob esse ângulo de análise e com a merecida urgência, dada a exiguidade do prazo. Assim sendo, em um processo de decisão coletiva, foi elaborado um texto para resposta àquele e-mail que segue anexo a esta nota, com o intuito de expor a inviabilidade de aceitar a elevação dos descontos, bem como alguns aspectos inerentes à operação com a Amazon. [Nota: o e-mail foi enviado à Amazon individualmente por cada um dos editores.]

Estamos abertos a discutir as questões de mercado, assim como levar este e outros assuntos sempre que possível às entidades, com o intuito de estimular o desenvolvimento do ecossistema do livro e preservar o equilíbrio entre editores, distribuidores e livreiros.

Apoiam esta iniciativa as seguintes editoras até o momento: Alameda, Aletria, Alfabeto, Aliás, Armazém da Cultura, Arquipélago, Arte Impressa, Associação Quatro Cinco Um, Autonomia Literária, Bamboozinho, Bandeirola, Bazar do Tempo, Belas Letras, BesouroBox, Boitatá, Boitempo, Carochinha, Cartola, Catapulta, Claraboia, Cobogó, Concordia, Contraponto, Cortez, Crivo, (Editora de) Cultura, Dita Livros, Draco, Dublinense, Duna Dueto, DVS, Edelbra, Edições Pinakotheke, EIS, Elementar, É Realizações, Estrela Cultural, Estúdio Água, Évora, Fabbrica de Ideias, Filosofia, Folia de Letras, Francesinha, Geração, GG, Gryphus, Gulliver, Impressões de Minas, Instante, Intelítera, InterVidas, Jaguatirica, Jandaíra, Jardim dos Livros, Jujuba, Libretos, Kinoruss Edicões e Cultura, Kitembo, Laboralivros, Lê, Lendari, Letramento, Livros da Matriz, Luas, Lúcida Letra, Luz da Serra, Matrix, Mauad, Mazza Edições, Memória Visual, Meridional/Sulina, Moinhos, Metamorfose, Monomito, MRN, Mundaréu, NegaLilu, Nós, Nova Alexandria, Numa, Olhares, Páginas, Pallas, Palavras, PanaPaná, Panda Books, Parábola Editorial, Piu, Promobook, Raphus Press, Relicário, Semente Editorial, Senac, Solisluna, Sopa, Sunderman, Sur, Telos, Terceiro Nome, Tomo Editorial, Troia, Ubu, Uni Duni, Valentina, Viajante do Tempo, Volta e Meia, Vermelho Marinho, W4, Zouk.

Leia a íntegra do e-mail anexo à nota

O e-mail abaixo foi enviado à Amazon pelos editores do grupo Juntos Pelo Livro que receberam os pedidos de aumento nos descontos e que assinaram a nota enviada à livraria. Cada um incluiu sua própria resposta aos pedidos de descontos — eles variam, no grupo, entre 35% e 55% — a maior parte já pratica descontos acima de 50%.

A maioria dos editores do Grupo de Editores Juntos pelo Livro recebeu propostas da Amazon de aumentos de descontos sobre os preços de capa, os quais consideramos impossíveis de atender.

A Amazon tem sido uma parceira importante para fomentar a venda de livros no Brasil, com um significativo crescimento nos negócios de todas as editoras. Como membros do Grupo de Editores Juntos pelo Livro, no entanto, ressaltamos que as condições solicitadas estão muito além das nossas possibilidades. Quando negociamos o desconto sobre o preço de capa, na chegada da empresa ao nosso país, o fizemos de maneira transparente e imaginávamos que o percentual estabelecido fosse o teto, salvo em algumas negociações específicas.

Além disso, é importante destacar também que a inauguração dos novos centros de distribuição, se por um lado agilizou e ampliou o trabalho da Amazon, por outro onerou ainda mais as editoras, uma vez que agora gastam significativamente mais com logística, em vez de concentrarem as entregas em um único local.

Estamos certos de que é possível manter a operação com a Amazon cada vez mais sadia por meio de ações criativas e discutidas com o mercado editorial, mas que não levem em conta o aumento de desconto, que já é superior àqueles praticados em outros mercados importantes.

Nota do editor
A Associação Quatro Cinco Um faz parte do grupo Juntos Pelo Livro e assinou a nota do grupo sobre a Amazon.

Quem escreveu esse texto

Paulo Werneck

É editor da revista Quatro Cinco Um.