Sebastião Salgado e Álvaro Razuk durante a montagem de "Amazônia", no Sesc Pompeia, em São Paulo, 2022 (Everton Ballardin)

Memória,

Sebastião Salgado por trás das fotos

O arquiteto Álvaro Razuk, que trabalhou com Salgado nas montagens de suas exposições, lembra histórias que ouviu do fotógrafo, morto nesta sexta

23maio2025

Sebastião Salgado foi, por excelência e escolha, um fotojornalista – ele não se considerava um artista, conta o arquiteto Álvaro Razuk, da Maré Produções.

Razuk conheceu Salgado, morto nesta sexta-feira (23) aos 81 anos, em 2000, quando o fotógrafo e sua esposa e parceira de trabalho, Lélia Wanick Salgado, trouxeram a exposição Êxodos para o Sesc Pompéia, em São Paulo. Desde então, o arquiteto trabalhou nas montagens de todas as exposições de Salgado no Brasil. No começo de 2025, esteve com o fotógrafo na Cidade do México, para a exposição Amazônia no Museu Nacional de Antropologia.

Algo que sempre encantou Razuk eram os relatos de Salgado sobre o que estava por trás de cenas fotografadas, tudo o que aconteceu para que conseguisse a foto. Como as famosas imagens do atentado ao então presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 30 de março de 1981.

“Ele disse que todos os fotógrafos estavam em um lugar determinado, com um agente do FBI para controlar cada um deles, mas nada acontecia ali. O Sebastião resolveu sair. Quando o agente disse que ele poderia levar um tiro, o Sebastião respondeu: ‘Me protege’.”

Foi assim que conseguiu as fotos do momento histórico, que mudaram sua vida e carreira. “Mas ele não queria ter seu nome associado só a ‘o fotógrafo do atentado’. E não ficou associado mesmo. Foi um trabalho importante, mas a carreira dele seria bem maior do que isso”, diz Razuk.

O arquiteto e o fotógrafo tornaram-se, além de colegas de trabalho, amigos, e foram muitas as histórias ouvidas ao longo de 25 anos de convívio. Como o relato da chegada de Salgado a Serra Pelada, no Pará, considerado nos anos 80 o maior garimpo a céu aberto do mundo. 

Um conhecido da família que estava no local disse que o fotógrafo vinha do vale do Rio Doce (ele nasceu na vila de Conceição do Capim, no mesmo vale, em Minas Gerais), mas acharam que era um funcionário da mineradora Vale S.A. que tinha sido encarregado de fechar o garimpo. “Ele foi super maltratado, algemado e levado por um policial”, conta Razuk. Quando tudo foi esclarecido, Salgado ficou amigo de todos – dormia na mesma barraca, comia da mesma comida dos garimpeiros.

Integração e aprendizado

Sebastião Salgado tinha essa capacidade de se integrar aos habitantes da região que fotografava. Foi assim em Serra Pelada, na Floresta Amazônica, até na Sibéria, onde fotografou os nômades nenets para o projeto Gênesis. Também aprendia com seus fotografados. “Ele contou que se o nenet recebe um presente que não serve para ele, coloca de lado. E que isso era uma lição para nós, que acumulamos tanta coisa que não precisamos”, lembra o arquiteto.

Por trás disso tudo, segundo Razuk, estava o foco enorme no trabalho. Ela focava e apertava o botão da câmera, sem pensar no risco, como ao fotografar um elefante correndo em sua direção – a orientação do guia da excursão era para todos levantarem os braços, o que Salgado não fez, claro, para não deixar de tirar a foto.

Também sempre estava muito concentrado na hora de montar as exposições, mesmo que, durante o trabalho, ficasse cantando e contando histórias, de acordo com Razuk. Sem deixar de ser, junto com a esposa Lélia, com quem sempre trabalhava, extremamente profissional.

Com ela, Salgado criou o Instituto Terra, projeto ecológico que começou em uma fazenda em Aimorés (MG), município da vila onde nasceu. O casal comprou uma fazenda que havia sido do pai de Salgado e começou ali o projeto de reflorestamento e reabilitação de nascentes. Todas as espécies usadas no reflorestamento são nativas da Mata Atlântica, conta Razuk. “O Sebastião falava que seu sonho era ficar morando lá.”

Sebastião Salgado morreu em Paris, cidade onde escolheu morar. Ele sofria de uma leucemia, causada por uma malária contraída em 2010, na Malásia. Deixa a esposa, Lélia Wanick Salgado, e os filhos, Rodrigo e Juliano. 

Nota da redação: a Maré Produções é parceira da Associação Quatro Cinco Um, e juntas realizam A Feira do Livro.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).