O escritor e jornalista Sérgio Rodrigues. Fotografias de Matias Maxx.

A Feira do Livro, Literatura infantojuvenil,

‘Escrever para criança é mais difícil que para adulto’, diz Sérgio Rodrigues

Em parceria com o artista gráfico Daniel Kondo, jornalista e escritor apresenta n’A Feira poema visual que marca sua estreia na literatura infantil

03jul2024 • Atualizado em: 10jul2024

O que muda quando se escreve para crianças ou adultos? Como fazer uma literatura infantojuvenil hoje, com tantos estímulos visuais e da tecnologia? Essas são algumas perguntas que foram respondidas pelo escritor e jornalista Sérgio Rodrigues e pelo artista gráfico Daniel Kondo na mesa “ABCXYZ”, título do livro que estão lançando pelo Reco-reco, novo selo editorial da Record voltado às infâncias, na noite de terça (2), n’A Feira do Livro.

Conhecido pelos seus livros e seu trabalho com língua e linguagem na coluna que assina na Folha de S.Paulo, Rodrigues, que estreia na literatura infantil, contou como sempre teve o desejo de escrever para crianças, mas alguma coisa o travava. “Acho que tinha a ver com o fato de que escrevo coisas que eu gostaria de ler. E como não sou mais criança, não sei dizer mais o que uma criança gostaria de ler. Ficava sem régua e compasso, sem parâmetro.”

Tudo mudou, afirma, quando recebeu o convite de Kondo, de quem se disse um admirador, para assinarem juntos um projeto na área da língua e linguagem. Um dos grandes nomes da ilustração brasileira, o artista gráfico propôs ao jornalista que escrevessem “poemas visuais” com cada uma das letras do alfabeto que ocupam as páginas de ABCXYZ. 

Desafios linguísticos

Os textos — que chamaram de pequenos poemas ou verbetes — usam só palavras iniciadas pela letra em questão. A inspiração veio do Oulipo, experimento literário surgido nos anos 60 na França que propunha desafios linguísticos (como escrever um romance inteiro utilizando uma única vogal) e também da poesia concreta de Augusto de Campos e Décio Pignatari.

“O formato que a gente encontrou é o de poema visual. Eu dependo do texto para construir a imagem”, contou Kondo. “O grande desafio do designer é que a ilustração não seja um apêndice do texto, que tenha a mesma força e o potencialize.”

Assim, surgem poemas visuais como o da letra z, em que o traço de Kondo usou o formato para desenhar as listras de uma zebra em movimento, enquanto o texto de Sérgio diz: “Zero zoação, zebra, zarpa zunindo”.

O jornalista contou que o mais desafiador do trabalho foram as letras k, y e w. “A gente até pensou em usar o alfabeto anterior, sem essas letras, mas achamos que seria meio trapaça”, disse Rodrigues. A solução encontrada foi utilizar expressões bem presentes no cotidiano das crianças de hoje, como o “kkk” das risadas em mensagens de texto e o “www” da internet. Já no caso do y, o jeito foi lançar mão do tupi, língua dos nossos povos originários que utiliza bastante a consoante.

Sem demagogia

Mais que desafios linguísticos, no entanto, o autor de A vida futura (Companhia das Letras), romance finalista do Prêmio Jabuti em 2023, disse que a experiência de escrever para o público infantil demandou mais do que os seus livros anteriores. 

“Escrever para criança é mais difícil que para adulto. Não tem nada de demagógico ou populista nessa ideia.” Para Rodrigues, não se deve subestimar a inteligência das crianças e, nesse sentido, enquanto escrevia não pensou que estava se dirigindo a um público infantil.

“Partimos de uma ideia de completa liberdade, um jogo de linguagem visual, muito ligado à língua portuguesa”, disse. “É um livro intraduzível, o que considero uma qualidade. A melhor poesia tende ao intraduzível.”

Questionado pelo mediador, o jornalista José Orenstein, se o livro pode funcionar para estimular o aprendizado de crianças que estão sendo alfabetizadas, Rodrigues admitiu que essa pode ser uma possibilidade, embora não estivesse nos planos da dupla. Já o caráter de jogo e brincadeira, afirma, pode interessar aos leitores adultos também.

O artista gráfico e ilustrador gaúcho Daniel Kondo

Para Kondo, que no ano passado lançou Andar com fé (WMF Martins Fontes) a partir da canção de Gilberto Gil e está lançando Desembarcados (FTD Educação), a ideia central foi estabelecer narrativas visuais, que valem para leitores de todas as faixas etárias. “É um livro ao mesmo tempo muito acessível, mas com uma grande sofisticação nessa simplicidade. Pode dialogar com vários públicos e vários recortes.”

O artista gráfico contou que criou uma fonte especialmente para a capa da edição de ABCXYZ, que batizou de Reco-reco em homenagem ao selo editorial da Record que publicou a obra. A fonte deve ficar disponível gratuitamente para download.

Na sessão de perguntas da plateia, os autores contaram ter outros projetos conjuntos em vista, mas preferiram ainda não revelar os planos. Rodrigues, que disse querer escrever mais para crianças, criticou o que chamou de uma “visão asséptica” que se tem da literatura em geral e também da infantil.

“A literatura é um campo em que a linguagem é posta à prova. Tem risco, perigo, desafia e incomoda o leitor e pode incomodar a criança também. Contos de fadas, por exemplo, nascem de histórias aterrorizantes. A versão que chega a nós é muito atenuada”, disse o escritor.

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Amauri Arrais

É jornalista e editor da Quatro Cinco Um.

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