Uma semana de lançamentos de peso para a cultura negra

Não é toda semana que se preenchem, de uma vez, lacunas tão importantes como as que vemos aqui. Depois de décadas de ausência em nossas bibliotecas e livrarias, a bibliografia sobre a cultura e os direitos humanos da população negra nas Américas ganha contribuições de peso. Em nosso país, a Enciclopédia negra perfila um panteão de figuras históricas decisivas. Dos Estados Unidos, ganham cuidadosas edições brasileiras as obras primas de dois dos principais mentores da luta pelos direitos civis, da abolição da escravidão aos Panteras Negras.  

A semana ainda tem uma biografia oral de Gabriel García Márquez, um guia enciclopédico sobre óleos essenciais, um livro de contos de Paulo Henriques Britto, um ensaio sobre política, guerra e economia e mais algumas boas surpresas. 

Viva o livro brasileiro!

 

Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras. Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz.
Companhia das Letras • 784 pp. • R$ 89,90

Narra a trajetória de 550 personagens que marcaram o país, muitas das quais são desconhecidas pela maioria da população, em 417 verbetes individuais e coletivos, escritos em colaboração com especialistas. Entre as personalidades como Marielle Franco, Abdias do Nascimento, Amarildo Dias de Souza, Milton Santos, Carlos Marighella, Mussum, Garrincha, Itamar Assumpção, Dona Ivone Lara, Cruz e Sousa, Maria Firmina dos Reis, Zumbi dos Palmares, Mestre Irineu, Mãe Menininha do Gantois e Olga do Alaketu.

Leia também: Enciclopédia negra faz um trabalho de reparação histórica, por Jefferson Barbosa

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As almas do povo negro. W.E.B Du Bois.
Trad. Luciano Feijah • Pref. Silvio Luiz de Almeida • Ils. Alexandre Boide • Veneta • 296 pp. • R$ 54,90

Publicado em 1903, este clássico dos direitos civis nos Estados Unidos influenciou todas as gerações de ativistas e pensadores negros do século 20. Os capítulos analisam a trajetória, a cultura e a luta dos negros e negras nos Estados Unidos após a Abolição e a Guerra Civil (1861-65). Segundo o autor, a sociedade americana se reorganizou para reconstituir, sob novas bases, a subalternidade do povo negro: a violência da escravidão numa sociedade agrária deu lugar à violência do racismo em uma sociedade industrializada. O autor expõe dois conceitos fundamentais para o entendimento do racismo: o de “véu” (algo que impede que as pessoas sejam vistas como realmente são, mas que também as impede de ver o mundo como ele realmente é) e o de “dupla consciência”, decorrente da experiência de sempre enxergar a si mesmo pelos olhos dos outros. “O indivíduo sente sua dualidade — é um norte-americano e um negro; duas almas, dois pensamentos, duas lutas inconciliáveis; dois ideais em disputa em um corpo escuro, que dispõe apenas de sua força obstinada para não se partir ao meio.”

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O pequeno príncipe preto para pequenos. Rodrigo França.
Ils. Juliana Barbosa Pereira • Nova Fronteira • 32 pp. • R$ 39,90

O multiartista e ativista que ganhou fama nacional após participar do Big Brother Brasil lança um novo desdobramento da peça que relê a história de Saint-Exupéry tendo um menino negro como protagonista. A peça virou livro para crianças em 2020, e o livro agora ganha uma versão adaptada para crianças em processo de alfabetização. Num pequeno planeta mora um pequeno príncipe preto, da cor de chocolate, do café quentinho, da terra molhada. No seu planeta existe um baobá, que ele rega todos os dias, e espalhava sementes dela por todos os planetas que visitava. Até que ele veio para a Terra, onde conheceu uma raposa.

Leia também: Jefferson Barbosa: As sementes da Baobá

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Frederick Douglass: autobiografia de um escravo. Frederick Douglass.
Trad. e Intr. Oséias Silas Ferraz • Vestígio/Grupo Autêntica • 192 pp. • R$ 54,90

Autobiografia do escritor americano nascido em 1817 ou 1818 que logrou escapar do cativeiro em 1838 e se tornou um grande líder abolicionista. Durante a Guerra Civil Americana, ele estimulou a criação de batalhões de soldados negros (seus dois filhos se alistaram como soldados). Depois da guerra, apoiou causas como o movimento pelos direitos das mulheres. Considerado o fundador do movimento por direitos civis nos Estados Unidos, Douglass tornou-se consultor de vários presidentes norte-americanos: Lincoln, Johnson, Grant, Hayes, Garfield e Arthur.

A Autobiografia foi escrita vinte anos antes da abolição da escravidão nos Estados Unidos, tendo sido, segundo o tradutor, na Introdução, “uma peça importante na divulgação do sentimento antiescravista e no convencimento de pessoas que poderiam auxiliar na luta pela abolição”. Os poemas citados por Douglass têm tradução do poeta Guilherme Gontijo Flores. 

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Solidão & companhia: a vida de Gabriel García Márquez contada com a ajuda de amigos, familiares, companheiros de política e de copo e personagens de Cem anos de solidão. Silvana Paternostro.
Trad. Carla Fortino • Planeta • 288 pp. • R$ 47,90

Esta “história oral” da vida de Gabriel García Márquez é dividida em duas partes: na primeira, “A.C. — Antes de Cem anos de solidão”, o filho de telegrafista criado pelos avós se transforma, desde pequeno, em um colecionador de histórias, ganha as redações, conhece a Europa “graças à ditadura” e se torna um grande jornalista internacional. A segunda parte é a auto-explicativa “D. C. — Depois de Cem anos de solidão”. Os capítulos são compostos apenas por trechos de falas de amigos, conhecidos, parentes, colegas de ofício e discípulos — lá estão, contando anedotas e passagens decisivas na carreira de Gabo, o tradutor para o inglês Gregory Rabassa, a agente literária Carmen Balcells, o escritor William Styron, de A escolha de Sofia, e inclusive pessoas que teriam inspirado alguns dos personagens de Cem anos de solidão (1967). Depois dele, veio a consagração, o Nobel, a fama, o conforto financeiro e também o famoso soco no olho que tomou de Mario Vargas Llosa em 1976. No  capítulo que narra o episódio, “Nocaute”, amigos especulam sobre os motivos e contam bastidores do puñetazo, que Vargas Llosa jamais esclareceu.

Leia também: trecho do capítulo “Os primeiros e últimos amigos”.

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Larousse dos óleos essenciais: guia completo da aromaterapia para a saúde e o bem-estar. Thierry Folliard.
Trad. Rosane Albert • Ils. Clémence Daniel • Alaúde • 354 pp. • R$ 89,90

Não é preciso ser adepto da aromaterapia para perder boas horas folheando este volume, que reúne informações científicas, históricas e culturais sobre os mais variados extratos de vegetais, além dos usos tradicionais e aplicações contemporâneas. “O óleo essencial”, explica o autor,“é a fração odorífera volátil extraída dos vegetais”, “um concentrado de inúmeras moléculas sintetizadas pelas plantas para se defenderem das agressões do meio”. O livro descreve em detalhes cerca de 160 tipos de óleos essenciais de origem vegetal (alecrim, angélica, camomila-romana, canela, capim-limão, cedro do Atlas, cipreste, citronela do Ceilão etc.), suas origens, propriedades, seus princípios ativos, benefícios e contraindicações. As páginas introdutórias trazem muitas informações sobre fabricação, rotulagem, as diferentes famílias químicas e a milenar doutrina dos quatro temperamentos que rege a aromaterapia. O autor registra os “progressos consideráveis” no conhecimento sobre a composição química e as propriedades dos óleos essenciais e aposta: “os remédios não convencionais devem encontrar seu lugar e provar sua eficácia, assim como sua segurança, por meio de pesquisas científicas e testes clínicos, de acordo com o conceito conhecido como ‘medicina baseada em evidências’.”

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Guerras e capital. Éric Alliez e Maurizio Lazzarato.
Trad. Pedro Paulo Pimenta • Pref. Yasmin Teixeira • Ubu • 432 pp. • R$ 94

Neste novo volume da coleção Explosante, coordenada pelo filósofo Vladimir Safatle, o filósofo francês e o sociólogo italiano sustentam que “a guerra, a moeda e o Estado são as forças constitutivas” do capitalismo. Para os autores, uma crítica da economia política é insuficiente, na medida em que a economia não substitui a guerra, mas apenas a prolonga por outros meios, que passam necessariamente pelo Estado: a regulação da moeda e o monopólio legítimo da força nas guerras internas e externas. Para realizar a genealogia do capitalismo e reconstituir o seu “desenvolvimento”, urge portanto conjugar a crítica da economia política a uma crítica da guerra e a uma crítica do Estado.

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Precisamos falar sobre abuso: conversas e memórias sobre a cultura do estupro. Roxane Gay (org.).
Trad. Fal Azevedo • Apres. Ana Paula Araújo • GloboLivros • 296 pp. • R$ 49,90

A convite da escritora queer Roxane Gay, escritoras, acadêmicas, ativistas, atrizes e artistas plásticas contemporâneas escrevem ensaios, testemunhos e narrativas jornalísticas ou ficcionais sobre o problema do abuso sexual e suas consequências: a dor, o medo,  a vergonha, a culpa, o julgamento dos complacentes com a cultura do estupro.

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O castiçal florentino: contos. Paulo Henriques Britto.
Companhia das Letras • 224 pp. • R$ 59,90

Autor de sete livros de poesia, pelos quais já recebeu diversos prêmios, o escritor carioca retorna ao conto dezessete anos depois da publicação de Paraísos artificiais (2004). A coletânea reúne nove narrativas.

Ouça mais: Paulo Henriques Britto conta no podcast sobre a arte de traduzir Elizabeth Bishop

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Debaixo do vulcão. Malcolm Lowry.
Trad. José Rubens Siqueira • Alfaguara • 384 pp. • R$ 89,90

Ex-cônsul britânico que vive no México e enfrenta sérios problemas com a bebida recebe a visita da ex-mulher, que tenta reatar o casamento, e de seu meio-irmão, pivô da separação. Publicado em 1947, o romance foi adaptado para o rádio no mesmo ano e logo despertou o interesse dos diretores Orson Welles, John Ford, Luis Buñuel, Joseph Losey, Tony Richardson, Joseph Strick e Anthony Harvey. Mas só foi levado para o cinema em 1984 pelo diretor John Huston, com Albert Finney, Jacqueline Bisset e Anthony Andrews nos papéis principais.

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