Listão da Semana,

Um romance de Elif Batuman e a volta de Marçal Aquino

Lançamentos da semana incluem ainda bruxaria natural, soluções para a crise ambiental e todas as canções de Marina Lima

09abr2021 | Edição #44

Em tempos como estes, fica evidente que não é fechada em si mesma que a arte (e aqui se inclui a literatura) alcança a sua potência maior, mas em diálogo com outras formas estéticas e de pensar. Dois lançamentos de grandes críticos — no cinema, Paulo Emilio Sales Gomes, e nas artes visuais, Hans Ulrich Obrist — trazem para as livrarias este lembrete fundamental. 

A semana está bem fornida para o leitor de literatura: um divertido romance de Elif Batuman, o último romance de Romain Gary, a volta de Marçal Aquino à literatura, o volume final da trilogia de Rachel Cusk e um livros de poemas do quadrinista André Dahmer. Dois lançamentos de alto nível saciam o apetite do leitor de não ficção: um livro-reportagem de Elizabeth Kolbert sobre as buscas da ciência e da tecnologia por soluções para a crise ambiental e a correspondência intelectual de Celso Furtado, intelectual e homem político central para compreender o Brasil dos últimos 80 anos. E, como faixas bônus, um guia da bruxaria natural e um songbook com todas as canções de Marina Lima.

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A idiota. Elif Batuman.
Trad. Odorico Leal • Companhia das Letras • 488 pp. • R$ 99,90

O primeiro romance da norte-americana Elif Batuman, finalista do Pulitzer em 2018, acompanha as descobertas de Selin, filha de imigrantes turcos (como a autora), ao entrar na Universidade de Harvard, em 1995, para estudar linguística. A rotina universitária no campus é o pano de fundo desse romance cheio de observações sagazes e situações cômicas, narrativa da educação sentimental de uma mulher que descobre a vida acadêmica em seus lances mais fascinantes, mas também às vezes ridículos. Em meio a teses, disciplinas optativas, orientadores e colegas de alojamento, a protagonista elabora seu amor pelas palavras, em especial pelas letras russas, e a paixão — que ganha corpo com uma novidade da época, o e-mail — por um colega húngaro. Batuman esteve no Brasil em 2014, na Flip, onde lançou seu primeiro livro, uma não ficção sobre a literatura clássica russa que, assim como este romance, também tem o título chupado da obra de Dostoiévski — Os possessos

Em resenha que prepara para a Quatro Cinco Um, o crítico literário Kelvin Falcão Klein faz uma leitura do romance sob a luz de Dostoiévski, Nabokov e Flaubert, e propõe uma reflexão: “Um eixo possível de significação para o romance de Batuman diz respeito à relação possível entre idiotia e formação: como funciona o amadurecimento da juventude em uma sociedade doente, fraturada, em permanente conflito?”.

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Baixo esplendor. Marçal Aquino.
Companhia das Letras  264 pp. • R$ 49,90

Após quinze anos sem publicar ficção, Marçal Aquino volta à literatura. E volta a 1973, nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, com um agente da polícia civil que se infiltra em uma quadrilha planejando um roubo de carga e apaixona-se pela irmã do chefe do grupo. Na narrativa em alta velocidade, misturam-se repressão e contravenção, ideias de justiça e corrupção. Sobram tiros, corpos, drogas, sexo e até um Opala novinho, apreendido pela polícia, que define, em um parágrafo, o mundo onde circula o narrador: “Ingo instalou-se ao volante e, antes de dar a partida, fechou os olhos e aspirou o cheiro dos assentos novos em folha — Miguel teve a impressão de que ele gemeu de prazer. Era um dos quatro aromas favoritos daquele tipo de gente — os outros três eram o cheiro de dinheiro, de buceta e de pólvora, com a ordem de preferência variando conforme o indivíduo em exame”.

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Sob um céu branco: a natureza no futuro. Elizabeth Kolbert.
Trad. Maria de Fátima Oliva Do Coutto • Intrínseca • 224 pp. • R$ 49,90/ 34,90

A repórter da New Yorker e vencedora do Pulitzer com A sexta extinção investiga as transformações que o homem já provocou na terra, nas águas e no ar — mudanças de curso de rios, testes nucleares em desertos, poluição atmosférica e dos oceanos — e suas consequências catastróficas: infestação de continentes inteiros por espécies exóticas, aquecimento das águas, derretimento de geleiras, extinção de espécies raras. Mas ela também se volta para as pesquisas recentes que, por meio da transformação do planeta, podem apontar as soluções para problemas nada triviais que vimos enfrentando, como a elevação do nível do mar, a morte dos corais e o efeito estufa. Kolbert visita lugares como uma empresa que promete neutralizar as emissões de carbono de seus clientes transformando-as em rocha, debaixo da terra, e entrevista biólogos, oceanógrafos, glaciologistas e geoengenheiros, especialistas em uma novíssima ciência que tem objetivos como “ajustar o sol” ou tentar conter o derretimento de glaciares para mitigar os efeitos da emergência climática. 

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Entrevistas brasileiras. vol.2. Hans Ulrich Obrist.
Cobogó • 432 pp. • R$ 80.

Inspirado pela leitura, na juventude, de duas longas entrevistas concedidas por Marcel Duchamp e Francis Bacon a críticos de arte, Hans Ulrich Obrist vem realizando dezenas de suas próprias conversas com artistas e pensadores. A Cobogó publica agora o segundo volume das extensas entrevistas brasileiras do curador suíço, que atualmente é diretor artístico da Serpentine Gallery, em Londres. Entre os trinta entrevistados estão as artistas plásticas Adriana Varejão (“Vejo que o mais interessante e original em termos culturais vem da periferia, das margens do sistema; o circuito de arte contemporânea é muito elitista”) e Rivane Neuenschwander (“Cada palavra está conectada a uma luta específica, à micropolítica. Há todos os tipos de razão para protestar”), o cineasta Karim Aïnouz (“Adoraria fazer um filme sobre uma das cangaceiras do grupo do Lampião, no Nordeste. […] Minha intenção é celebrar personagens que estão, de certa forma, sob a sombra da invisibilidade”) e o músico Emicida (“Nós podemos ser políticos, nós podemos ser denúncia, nós podemos ser biográficos, mas nós não podemos nos desconectar da beleza e da liberdade que a arte oferece”).

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Mérito. Rachel Cusk.
Trad. Fernanda Abreu • Todavia • 192 pp. • R$ 59,90

No último volume da aclamada trilogia da anglo-canadense Rachel Cusk, a protagonista Faye, uma escritora britânica, retoma a cena de abertura do primeiro romance, Esboço. O tempo passou: Faye está divorciada e com filhos adolescentes. Mas, novamente, o fio narrativo se desenrola a partir das histórias contadas a ela por pessoas que encontra no caminho — em Mérito, Faye viaja para participar de um evento literário. Dessas conversas surgem as reflexões da autora sobre a própria escrita, a sociedade, a cultura e as subjetividades contemporâneas. 

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Cinema e política. Paulo Emílio Sales Gomes.
Org. Carlos Augusto Calil • Companhia das Letras • 152 pp. • R$ 34,90

A seleção de textos do crítico, militante político e fundador da Cinemateca Brasileira, escritos entre 1935 e 1973, é um voo panorâmico sobre sua trajetória intelectual e política. Publicados em jornais como O Estado de São PauloA Manhã e A Gazeta e em revistas como a Argumento, os artigos passam do Encouraçado Potemkin ao Tarzã, relacionam revolução, cinema e amor e até polêmicas da intelectualidade nacional, como no bilhete de Oswald de Andrade (incluído na edição), em que o modernista acusa o crítico de dizer “besteiras reacionárias”.

Trecho da introdução, por Paulo Emílio Sales Gomes: “Constato como é pobre e nada estimulante uma apreciação de filmes limitada ao campo cinematográfico. As virtualidades e as virtudes das obras fenecem quando examinadas no compartimento estanque da especificidade. Os que se condenam ao cinema o compreendem pouco e o servem mal. A justificativa de alguém se dedicar ao cinema, inclusive no plano da criação, reside na obrigação de permanecer aberto e disponível ao essencial, isto é, a tudo que lhe é exterior. Nos momentos decisivos não tem sido dentro de si próprio que o cinema tem encontrado a força motora. […]. O cineasta ou o crítico de cinema com formação estritamente cinematográfica tem um papel cada vez mais reduzido”.

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A deseducação do negro. Carter G. Woodson.
Trad. Naia Veneranda Gomes da Silveira • Pref. Emicida • Edipro • 128 pp. • R$ 31,90

Neste clássico do ativismo negro, escrito em 1933, o historiador Carter G. Woodson (1875-1950) critica a cultura eurocêntrica dos currículos escolares nos Estados Unidos e seu desprezo pela ancestralidade africana, e observa como esse modelo de ensino racista dificulta a criação de uma identidade própria do estudante negro. Referência na luta antirracista até hoje, Woodson foi o primeiro filho de escravizados a obter o título de doutor em sua área e o segundo estudante negro a se doutorar em Harvard. 

Trecho do prefácio, por Emicida: “A sociedade brasileira, autoritária em sua essência, ao longo de sua história, comprometeu-se mais com a manutenção do abismo do que com pontes que possam aproximar os dois lados desse abismo, definindo como tônica para sua pós-abolição o rancor. Sendo assim, se essas pessoas trazidas à força do continente africano não podem servi-la em um regime de escravidão, então, não terão o direito de ser nada nessa mesma sociedade. Impedir o acesso a terras, ao ensino, elaborar políticas de embranquecimento, ter em seus governos entusiastas da eugenia foram, continuamente, apenas alguns dos elementos presentes nesse caldo que tem como consequência um país líder em rankings constrangedores”. Clique aqui para ler o prefácio na íntegra.

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Bruxa natural: guia completo. Arin Murphy-Hiscock.
Trad. Stephanie Borges • DarkSide • 256 pp. • R$ 64,90

O guia fala sobre o poder das plantas, das ervas, dos cristais e da natureza, e de como esse ele pode ajudar na nossa força interior. Escrito por Arin Murphy-Hiscock, que há vinte anos se dedica à bruxaria e à espiritualidade, a obra define o que é ser uma bruxa natural, traz um histórico dessa prática, explica o poder dos quatro elementos e dá dicas de como cultivar um jardim, além de apresentar receitas culinárias. 

Quer saber como é uma aula de bruxaria natural? Nossa editora Paula Carvalho foi à Casa da Bruxa, em Santo André (SP) e conta como foi essa experiência. E o historiador Rui Lui Rodrigues resenha três livros que tratam da história da bruxaria. 
 
Veja também: Relembre o ensaio fotográfico realizado com a atriz Fernanda Montenegro em que ela interpreta três bruxas para a histórica capa da edição 27 da Quatro Cinco Um.

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As pipas. Romain Gary.
Trad. Julia da Rocha Simões • Todavia • 336 pp. •  R$ 59,92/R$ 54,90

Nascido na Lituânia, Romain Gary (1914-80), um dos escritores mais populares da França, vem ganhando a atenção dos leitores brasileiros desde a nova edição do romance A vida pela frente, que teve adaptação para o cinema pela Netflix, sob o titulo Rosa e Momo, com Sophia Loren no papel da cafetina Madame Rosa. Neste livro, seu último romance publicado em vida, Gary faz um apelo a toda forma de resistência ao acompanhar a trajetória de um camponês da Normandia e a aristocrata polonesa por quem se apaixona, enquanto a Europa começa a viver o drama da Segunda Guerra Mundial, na qual o escritor, de origem judaica, atuou como aviador. Romain Gary foi o único escritor a receber duas vezes o Prêmio Goncourt: em 1956, por Les Racines du ciel, e em 1975, por A vida pela frente (nesta última vez sob o pseudônimo de Émile Ajar). A polêmica em torno da identidade de Ajar e da segunda premiação, irregular segundo as normas do Goncourt, esteve na origem da crise que levou Gary ao suicídio, em 1980.

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Correspondência intelectual. Celso Furtado.
Org. Rosa Freire d’Aguiar • Companhia das Letras • 440 pp. • R$ 99,90

Dos presidentes da República que Celso Furtado viu serem alçados ao poder após a redemocratização, apenas com Collor não trocou palavras por escrito. O economista paraibano foi ministro da Cultura no governo Sarney (1985-90), teve intensas trocas com Fernando Henrique Cardoso, principalmente no período do exílio, de onde foram pinçadas as cartas do volume, e cultivou a amizade de Lula, que no livro se desculpa pela ausência no lançamento de Seca e poder, em 1998. Esses e vários outros missivistas mostram que Furtado participou ativamente da vida brasileira entre 1949 e 2004, período compreendido nesta seleta de cartas organizada pela tradutora Rosa Freire d'Aguiar, que assina o texto introdutório e preparou pequenas introduções para apresentar os principais correspondentes e o contexto das cartas escolhidas. Como observa no posfácio o historiador Luiz Felipe de Alencastro, que conviveu com Furtado em parte dos vinte anos em que o economista viveu em Paris, “As cartas e a biografia de boa parte dos personagens que aparecem neste volume desenham os dramas e a resiliência de toda uma geração numa etapa conturbada e decisiva da história contemporânea. […] Nos tempos ameaçadores em que vivemos, impactados pela epidemia que flagela a humanidade e pela desumanidade de um governo que beira a inconstitucionalidade, a correspondência de Furtado inspira esperança”. 

Trecho da introdução, por Rosa Freire d'Aguiar: “O Brasil é assunto recorrente desta correspondência. Atos e fatos dos sucessivos governos militares, com seu cortejo de medidas econômicas, novas cassações, liberdades tolhidas, e com censura instaurada, são amplamente comentados pelos missivistas. Há cartas enviadas duas vezes, a primeira por correio e a segunda por portador seguro, para driblar o eventual veto postal. Outras falam de carreiras ceifadas pelo Ato Institucional n. 5, promulgado em 1968, de professores proibidos de ensinar e afastados da cátedra: breve, mais uma leva de exilados brasileiros partiria para o exterior”.

Leia também: Manuscritos assinados por personalidades históricas fascinam colecionadores e enriquecem acervo de bibliotecas e arquivos públicos.

Ouça também: No podcast 451 MHz, o colecionador Pedro Corrêa do Lago, a historiadora especializada em arquivos Silvana Goulart e a jornalista Mariana Delfini para falar sobre a mania de acumular papéis

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Música e letra. Marina Lima.
Fullgás  574 pp. • download gratuito

songbook gratuito reúne as cifras, partituras e letras de todas as canções gravadas pela cantora e compositora carioca, desde o primeiro álbum, de 1979, Simples como fogo, até o recém-lançado EP Motim. Mesmo para quem não sabe tocar instrumento, o livro vale para reencontrar a poesia de Marina, de seu irmão Antonio Cicero e de outros parceiros de últimas quatro décadas. Além de composições de sua autoria, o livro inclui o repertório que consagrou Marina, com hits de Caetano Veloso (“Nosso estranho amor”), Gilberto Gil (“Corações a mil”), Herbert Vianna e Paula Toller (“Não faça nada”), Chico Buarque, Tom Jobim, Paulinho da Viola, Roberto e Erasmo Carlos (“Mesmo que seja eu”) e Chico Science. O livro tem como bonus tracks quatro faixas do EP Motim, de 2021. As transcrições musicais e partituras são de Giovanni Bizzotto, parceiro de Marina desde a década de 90. O livro pode ser baixado no site de Marina.

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Impressão sua. André Dahmer.
Companhia das Letras • 120 pp. • R$ 59,90/ 39,90

Criador da tira “Malvados”, publicada nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, André Dahmer lança seu terceiro livro de poemas. A primeira e mais extensa das cinco seções, “O livro dos cães”, parte de recordações de infância — a Copa da Espanha em 1982, o natal de 1985, quando a irmã foi atropelada, o surfe na ressaca do mar carioca na adolescência e os primeiros amores e frustrações: “fui o esquisitão da turma/ do primário à faculdade/ a garota mais bonita do colégio me apelidou de/ dodói” — e chega até meados da década de 2010, como o poeta já homem feito, pai de duas meninas.

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Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #44 em março de 2021.