Listão da Semana,

Neorracismo, bruxaria, Murakami e mais 6 novos livros

Lançamentos da semana incluem ainda um balanço da primeira metade do governo Bolsonaro e a história da caçada ao maior traficante do Brasil

16abr2021 | Edição #44

Enquanto a Receita Federal defende a tributação de livros não didáticos afirmando que “a maior parte é consumida pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos” (em outras palavras, segundo eles, pobre não lê), as editoras têm procurado refletir mais fielmente o povo e a cultura do país buscando maior diversidade de cor, gênero e classe entre seus autores. A literatura pode não ser a solução para os males do Brasil, mas é um bom começo para tirá-lo da alienação.

Nessa toada, cai bem a chegada às livrarias de Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras, assinado por 180 mulheres pretas de todos os estados brasileiros. “Por que escrevo? Para compor o cenário que é invisível para uma parcela da sociedade”, escreve Fátima Farias, de Bagé (RS). Quantas escritoras brasileiras negras você já leu? E escritores indígenas? E autores trans?

Oito lançamentos completam a seleção da semana: um balanço da primeira metade do governo Bolsonaro, ensaios sobre neorracismo, um romance de Murakami e outro de James Wood, a caçada ao maior traficante do Brasil, o cólera na Londres vitoriana, a história da bruxaria e um infantil dedicado a cientistas brasileiros — fundamental em tempos negacionistas.

Viva o livro brasileiro!

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Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras. Julio Ludemir (org.).
Ils. Thais Linhares • Bazar do Tempo/Flup  560 pp  R$ 60

Vindas de todas as partes do Brasil, 180 herdeiras orgulhosas de Carolina Maria de Jesus assinam textos nessa coletânea inspirada na autora de Quarto de despejo. E não estamos falando aqui somente da Carolina “mãe solo miserável, a quem só era permitido falar do quão duro era catar no lixo o sustento dos três filhos que criou sozinha”, mas também da “Carolina dos pretos que foram para a universidade, curam exposições e escrevem livros sobre seu corpo altivo”, como escreve o organizador Julio Ludemir. Os textos, em forma de cartas, crônicas e diários, foram realizados a partir de encontros on-line promovidos ao longo de 2020 pela Festa Literária das Periferias (Flup), sob orientação de nomes como Eliana Alves Cruz, Ana Paula Lisboa e Itamar Vieira Junior.

Trecho: “A hierarquia da cor propõe uma classificação racista que afasta direitos e institui uma sociedade historicamente forjada. Não posso parar, os meus pensamentos registram momentos diversos da vida, são lembranças de momentos que seria melhor não viver. Estou aqui olhando os transeuntes e recordando-me da mancha de sangue que me acompanha e me faz objeto da sociedade. Minha ‘raça infectaʼ não restringe meus direitos, subtrai meus privilégios e me expõe a ocupar os setores fétidos… Tenho defeito, sou preta.”

Leia também: Uma velha edição de O Cruzeiro flagra o racismo estrutural em um festival literário e a polêmica entre Carolina Maria de Jesus e Jorge Amado.

Assista também: Nos dias 17, 24 (às 15h) e 27 (às 19h) de abril, os canais do YouTube da Bazar do Tempo e da Flup transmitem bate-papos com alguns dos organizadores e das escritoras do livro.

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Governo Bolsonaro: Retrocesso democrático e degradação política. Fábio Kerche, Leonardo Avritzer e Marjorie Correa Marona (orgs.).
Autêntica • 230 pp. • R$ 59,90

Nesta análise sobre os dois primeiros anos do governo Bolsonaro feita por pesquisadores das ciências humanas das principais universidades brasileiras, o cenário não é otimista, nem apresenta perspectivas promissoras para a segunda metade da presidência. Escrevem os organizadores na apresentação: “Não há um só aspecto, da economia às políticas públicas, passando pela relação com a imprensa, o sistema de Justiça, as relações internacionais e o convívio com os movimentos sociais, em que estejamos melhores do que no passado recente”. Divididos por temas como políticas públicas, valores democráticos e relação entre os poderes e a imprensa, os 44 artigos pretendem contribuir para o “fortalecimento de uma concepção crítica da política, tão importante para a recuperação das práticas democráticas e a reconstrução de políticas públicas efetivas de que o Brasil tanto precisa”.

Leia também: Fanático, violento, racista e muito bem-sucedido, fascismo no Brasil tem trajetória contada em livro fundamental para pensar a era Bolsonaro.

Ouça também: Episódio do 451 MHz discute as condições jurídicas e políticas para o impeachment de Jair Bolsonaro.

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Raça, nação, classe: as identidades ambíguas. Etienne Balibar e Immanuel Wallerstein
Trad. Wanda Caldeira Brant  Boitempo  304 pp  R$ 69

Publicada na França em 1988 e lançada agora no Brasil pela primeira vez, a coletânea de ensaios do filósofo francês Etienne Balibar e do sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein questiona qual é a especificidade do racismo contemporâneo e em que medida ele está relacionado ao nacionalismo e à divisão de classes do capitalismo. Os autores também refletem sobre se estamos assistindo a um ressurgimento histórico de movimentos e políticas racistas ou se estamos diante de um neorracismo. Na introdução, eles explicam as quatro bases metodológicas usadas: adotar uma perspectiva de longo prazo, não negar diferenças culturais, históricas e de pertencimento, atentar-se às questões comuns a países do Primeiro e Terceiro Mundo e não se restringir a explicações exclusivamente econômicas ou ideológicas. 

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Sul da fronteira, oeste do sol. Haruki Murakami.
Alfaguara/Grupo Companhia das Letras • 176 pp. • R$ 54,90

Ao percorrer a educação amorosa e sexual de um filho único da geração de Maio de 1968 na prosperidade do pós-guerra japonês, Murakami passa da narrativa memorialística a uma prosa nonsense, com clichês e acenos à cultura pop e à sua própria obra. Na Quatro Cinco Um, Paulo Werneck escreve sobre como a desilusão amorosa do narrador acompanha sua desilusão política e observa a filiação do livro a uma literatura masculina representada por Philip Roth — com nuances de Domingos de Oliveira e Truffaut.

Leia a resenha completa escrita por Paulo Werneck para a seção de Literatura Japonesa da revista.

Leia também: Haruki Murakami traça um perfil de seu pai e a crítica literária Leyla Perrone-Moisés escreve sobre como o escritor transita entre o real e o fantástico

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O mapa fantasma. Steven Johnson.
Trad. Sérgio Crisóstomo Lopes Lima • Zahar/Grupo Companhia das Letras • 276 pp • R$ 79,90 / R$ 54,90

O livro faz uma viagem para o interior das casas dos londrinos da era vitoriana acometidos pelo cólera e para o fluxo de pensamento do médico John Snow e do pároco Henry Whitehead, que descobriram a relação entre a organização da cidade, a localização das fontes de água e a disseminação da doença, evitando novos surtos. O título faz referência ao mapa criado a partir dessas pesquisas, no qual o número de mortes por casa era assinalado e era possível visualizar a proximidade das bombas d’água contaminadas aos locais mais atingidos pelo cólera. 

Leia a resenha do livro assinada por Bianca Tavolari: “O mapa fantasma conecta cidade e micróbios em uma narrativa científica vibrante, na qual o combate a uma pandemia está intimamente entrelaçado ao que hoje entendemos por vida urbana moderna”.
 
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Cabeça Branca: a caçada ao maior traficante do Brasil. Allan de Abreu.
Pref. Misha Glenny • Record • 224 pp. • R$ 44,90

Luiz Carlos da Rocha herdou do pai um bem bastante lucrativo: rotas de tráfico de café, utilizadas nos anos 70, quando produtores driblavam impostos de exportação com aviõezinhos e caminhões que iam do Paraná para o Paraguai. O esquema fez do país vizinho um grande exportador de café, embora mal produzisse o grão, e garantiu aos brasileiros milhões de litros de uísque falsificado, trazido na viagem de volta. A partir dos anos 80 e 90, com a cabeleira precocemente encanecida que lhe valeu o apelido, Cabeça Branca começou a usar as rotas do café para fornecer cocaína e logística para algumas das principais máfias internacionais. Discreto e eficaz, deixou-se fotografar poucas vezes, modificou sua aparência por meio de cirurgias e escapou da polícia por décadas, tornando-se um mito na criminalidade e um alvo obsessivo para a polícia. Foi capturado em Sorriso (MT), em 2017, depois de ter sua rede desbaratada por meio de uma investigação sofisticada, que é reproduzida em detalhes pelo tarimbado repórter Allan de Abreu, staff writer da Piauí e autor de Cocaína: a rota caipira. Ao fim das 224 páginas, o leitor fica na torcida para que, assim como nos caminhões da quadrilha de Cabeça Branca, encontre um fundo falso no livro escondendo mais algumas toneladas de informação. (Paulo Werneck)

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Upstate. James Wood.
Trad. Leonardo Fróes • Sesi SP • 248 pp. • R$ 69,90

Em seu segundo romance, o crítico literário da revista New Yorker e autor de Como funciona a ficção (Sesi-SP) explora conceitos desenvolvidos em sua obra crítica, como, por exemplo, a construção de personagens. A trama acompanha a viagem de um investidor do norte da Inglaterra a Nova York para encontrar suas duas filhas, afastadas dele após seu divórcio e a morte da mulher, e explora a premissa fundamental de que a vida interior daqueles que nos são mais íntimos são na realidade um mistério para nós.

Leia o primeiro capítulo do livro.

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Grimório das bruxas. Ronald Hutton.
Trad. Fernanda Lizardo  DarkSide • 512 pp. • R$ 89,90

O historiador Ronald Hutton faz uma análise histórica da bruxaria, da Antiguidade ao mundo moderno, passando por diversas regiões do planeta. Entre as curiosidades estão a de que os Bangwa, dos Camarões, frequentemente acusavam crianças e até bebês de praticar bruxaria; em Dzitás, no México, acreditava-se na década de 30 que 10% da população adulta era perpetradora ou vítima de bruxaria; e em Soweto, na África do Sul, assassinatos relacionados a bruxaria classificados como “democráticos” foram registrados até os anos 90.

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Super-heróis da ciência: 52 brasileiros e suas pesquisas transformadoras. Ana Cláudia Munhoz Bonassa, Laura Marise de Freitas e Renan Vinícius de Araújo.
HarperKids • 160 pp. • R$ 54,90

Na introdução, os autores chamam a atenção para dois fatos: há menos mulheres do que homens no livro, e todos os cientistas menos um são brancos. Mas garantem: “homens brancos não têm mais capacidade para serem cientistas do que mulheres e pessoas negras”. Os 52 nomes foram escolhidos entre pesquisadores que contribuíram para algum tipo de intervenção direta na sociedade, em uma célula ou em mudanças na educação. Organizado em ordem cronológica de nascimento, o livro vai de Adolfo Lutz (1855-1940), pioneiro na pesquisa de doenças infecciosas em regiões tropicais, a Artur Ávila (1979), um dos grandes matemáticos da atualidade. Como bônus, dez cientistas do campo mais “filosófico” ou que fizeram contribuições mais estruturais, como Florestan Fernandes (1920-95), fundador da sociologia crítica no Brasil. Há também capítulos para explicar o método científico, aprender a identificar informações falsas e descobrir os caminhos para se tornar cientista.

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).

Matéria publicada na edição impressa #44 em abril de 2021.