Laut,

Saídas para uma democracia enfraquecida

Em debate no Rio, autores de ‘Uma crise chamada Brasil’ e ‘O caminho da autocracia’ refletem sobre a erupção da extrema direita e os caminhos para fortalecer governos democráticos

16ago2023 | Edição #73

Quão abalado está hoje em dia o pacto constitucional firmado em 1988, e será possível reconstruí-lo ou precisamos avançar de outras formas? Com essa pergunta, a jornalista Cristina Serra abriu um debate na noite desta terça, 15, no Rio de Janeiro, dando pistas do caminho que a conversa séria, mas em clima descontraído, seguiria.

   

Editor-chefe do Nexo Jornal e autor de Uma crise chamada Brasil: a quebra da nova república e a erupção da extrema direita (Fósforo), Conrado Corsalette se atreveu a responder. Vê na Constituição dois tipos de consenso: a necessidade de reparação de dívidas históricas com parte da população brasileira e o desejo de afastar os militares do poder (com direito a discurso de Ulysses Guimarães citando “nojo e ódio à ditadura”, na promulgação da carta). A ascensão de Bolsonaro colocou essas duas bandeiras em xeque.

O debate marcou o lançamento, na Livraria da Travessa de Ipanema, do livro de Corsalette e de outro livro que parte de inquietações sobre os rumos da democracia para propor caminhos para seu fortalecimento: O caminho da autocracia: estratégias atuais de erosão democrática (Tinta-da-China Brasil) Três dos cinco autores — Marina Slhessarenko Barreto, Fernando Sales e Mariana Amaral, que assinam a obra com seus também colegas pesquisadores do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) Conrado Hübner Mendes e Adriane Sanctis de Brito — também participaram da conversa.

São livros diferentes na forma, mas que dialogam muito, como Cristina observou em sua apresentação. De fato, já nos títulos há uma espécie de complemento entre a erupção da extrema direita e a erosão democrática — seja qual for a ordem dos fatores, as expressões simbolizam o ponto preocupante em que estamos.

Corsalette estabelece como marco inicial de seu livro as manifestações de junho de 2013, sem deixar de lado a contextualização de períodos anteriores, para procurar entender como uma sucessão de acontecimentos nos levou a um governo de extrema direita. Também propõe caminhos no que chama de “consensos mínimos” a fim de evitar novos retrocessos, a partir de entrevistas com diversos atores dos cenários político, jornalístico e acadêmico.


Conrado Corsalette, Marina Slhessarenko Barreto, Fernando Sales e Mariana Amaral no evento na Livraria da Travessa de Ipanema [Beatriz Damy]

Já no livro organizado pelo Laut, os autores, acadêmicos do universo do direito e das ciências sociais, colocam uma lupa no tabuleiro político mundial de 2019 para cá, analisando como o Brasil faz parte de um fenômeno de autocratização — ou seja, queda substantiva de atributos democráticos — que se observa em países como Hungria, Polônia e Turquia.

Não que o processo de autocratização do Brasil tenha começado com o ex-presidente, observa Marina Slhessarenko Barreto. Mas, se a frustrada tentativa de reelegê-lo barrou a consolidação de um projeto extremista no Brasil, ao menos por ora, nossa democracia saiu esgarçada desse processo, segundo os autores de O caminho da autocracia. Fernando Sales apontou três ideias para que ela retome seu viés de amadurecimento: 1) investir na construção de memória coletiva sobre nossos passados sombrios; 2) responsabilizar Bolsonaro por suas ações nocivas nas esferas criminal, civil e sanitária; 3) desradicalizar a política, retomando o diálogo com parcela da população brasileira.

Redes sociais 

O verbo desradicalizar foi apropriado por Serra para questionar como atingir esse objetivo se continuamos consumindo avidamente conteúdo que circula nas redes sociais — um ambiente radicalizado em sua essência. Corsalette sugeriu mudanças necessárias em diferentes níveis: “No curto prazo, regular as redes. No médio, mexer no oligopólio das empresas de tecnologia (vamos topar que cinco empresas sigam dominando a comunicação no mundo?). No longo prazo, investimento em educação, inclusive a midiática”.

A conversa também passou por outros temas quentes, como os limites e a politização do judiciário e a necessidade de protagonismo da agenda ambiental no atual programa de governo. Mas todos os caminhos levavam para o impacto desses e outros elementos no jogo democrático.

Ao fim, convidados a refletir sobre as saídas possíveis para nos afastarmos de vez do risco de autocratização, os autores escolheram caminhos diversos. Corsalette focou na reforma tributária para diminuir o fosso da desigualdade e na necessidade de termos representantes democráticos à direita do espectro político. Barreto resgatou o momento do julgamento que tornou Bolsonaro inelegível para comentar a importância de disputar narrativas, inclusive nas redes sociais, “onde a esquerda sempre esteve na retaguarda”. Amaral abordou a necessidade de se ouvir as demandas dos movimentos sociais, além do imperativo de brecar medidas neoliberais e de precarização do trabalho. E Sales lembrou a necessidade de metas objetivas para reverter os tantos retrocessos da área da educação ao longo dos últimos quatro anos.

A pergunta que fica no ar, ao fim da conversa, vem de uma provocação de Corsalette: num país tão polarizado, qual será o novo consenso mínimo que conseguiremos atingir para injetar ânimo à nossa democracia tão cheia de imperfeições?

Editoria especial em parceria com o Laut

LAUT – Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo realiza desde 2020, em parceria com a Quatro Cinco Um, uma cobertura especial de livros sobre ameaças à democracia e aos direitos humanos.

Matéria publicada na edição impressa #73 em agosto de 2023.