Laut, Liberdade e Autoritarismo,
Estudantes e professores fazem ato de desagravo a Hübner Mendes
Pesquisador foi alvo de representação do Procurador-Geral Augusto Aras por críticas no Twitter
20maio2021O Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realizou na quarta (19) um ato em desagravo ao professor Conrado Hübner Mendes, que foi alvo de uma representação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, junto ao Conselho da USP. Ele acusa Hübner Mendes de ter tido “conduta antiética” e de ter atacado a sua honra nas redes sociais, valendo-se do prestígio da universidade. Em sua conta no Twitter, em janeiro deste ano, o colunista da Folha de S.Paulo se referiu a Aras como “Poste-Geral da República” e “servo do presidente” Jair Bolsonaro e criticou a omissão da Procuradoria em relação à responsabilidade do governo na gestão desastrosa da pandemia de Covid-19.
A live, que foi realizada no canal do YouTube do centro acadêmico, teve a participação de juristas, professores, pesquisadores e estudantes de faculdades e instituições ligadas ao direito de todo o país. Participaram do ato intelectuais de destaque no debate sobre direito e justiça no Brasil, como a presidente do centro acadêmico, Letícia Chagas, os professores Thiago Amparo (FGV), Silvio Almeida (FGV), Maria Paula Dallari Bucci (USP), Eugênio Bucci (ECA-USP), Oscar Vilhena Vieira (FGV), Luciana Boiteux (UFRJ), Joaquim Falcão (FGV) e Debora Diniz (UnB).
Após a divulgação da representação de Aras contra o professor, diversas organizações ligadas aos direitos humanos se manifestaram em defesa de Conrado Hübner Mendes e externaram a sua preocupação com as crescentes ameaças à liberdade de expressão no país, em especial no debate realizado na imprensa e na universidade. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns enviou carta ao Conselho da USP em defesa de Hübner Mendes. Foi divulgado um manifesto, assinado por quase uma centena de professores que subscreveram as críticas feitas a Aras. A Associação Quatro Cinco Um, que publica a revista dos livros, também demonstra seu apoio ao professor e defende o direito à liberdade de expressão — durante o ato do 11 de Agosto, foi lida uma nota de solidariedade enviada pelo editor da revista Paulo Werneck.
Conrado Hübner Mendes é colaborador de primeira hora da Quatro Cinco Um, de início como resenhista de livros ligados ao direito, e a partir de 2019 com a parceria editorial entre a Quatro Cinco Um e o LAUT — Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, fundado por professores e pesquisadores direito, que tem uma seção fixa dedicada às ameaças à democracia no Brasil.
Mais Lidas
A mediadora do ato, a estudante de direito Heloisa Toledo, afirmou em sua fala inicial que “o professor Conrado é um importante crítico do governo Jair Bolsonaro, uma inspiração para todas nós, alunas, e uma das vozes imprescindíveis no combate a esse desgoverno”.
O primeiro convidado a falar foi o professor José Reinaldo, da Faculdade de Direito da USP. Segundo ele, a liberdade de pesquisa na universidade e a produção de conhecimento estão sob intimidação com atitudes como a de Aras. “Essas intervenções atingem o coração da universidade, que é a produção independente, não servil e crítica de um conhecimento, que depois se torna um bem público. É esse acesso ao bem público que o Conrado nos dá quando ele escreve, quando ele divulga em meios de comunicação aquilo que nós sabemos que é o resultado da sua produção científica no direito, das suas pesquisas.”
Em seguida falou Letícia Chagas, presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto. “As universidades brasileiras não aceitarão intervenções de qualquer tipo de governo, muito menos deste governo”, afirmou ela. “Falar de liberdade de expressão acadêmica em apoio ao professor Conrado é interessante porque foi nas aulas do professor Conrado que eu aprendi o que é liberdade acadêmica enquanto um direito fundamental.” Chagas disse ainda que desde 2018, quando entrou na faculdade e passou a se engajar com outros alunos no movimento estudantil, já lutava por essas liberdades na prática, e que o Centro Acadêmico 11 de Agosto, em gestão liderada por ela, apresentou o primeiro pedido de impeachment do Jair Bolsonaro. Ela convidou o público a um ato pelo impeachment no próximo dia 29, o primeiro ato de rua durante a pandemia.
Maria Paula Dallari Bucci, também professora da São Francisco e um das articuladoras do ato, afirmou que o sentimento da comunidade acadêmica era o de dar um recado: “Não venha o Procurador-Geral da República procurar a comissão de ética da USP”. “O professor Conrado Hübner Mendes faz a crítica com base no seu competente estudo de direito constitucional, a crítica das decisões do Ministério Público, contra o interesse público e das omissões do interesse público. Esse trabalho está inteiramente alinhado com a ética acadêmica.” Segundo ela, o professor “ilumina a opinião pública, dá argumentos, dá esclarecimentos sobre o grave momento que o Brasil vive”.
Mauricio Dieter afirmou em sua intervenção que, quando dois professores da Universidade Federal de Pelotas foram advertidos após manifestação da Corregedoria Geral da União, tendo sua liberdade de expressão ameaçada, Conrado Hübner Mendes foi o primeiro a propor um ato em defesa de liberdade acadêmica. “Estar ao lado do professor Conrado agora não é mais do que obrigação”, pois ele sempre foi o primeiro a defender a liberdade de todos os professores, segundo Dieter.
Para Thiago Amparo, professor da FGV e também colunista da Folha de S.Paulo, “Conrado é um daqueles juristas que vão na contramão dos juristas que apoiam o autoritarismo, como nós vimos em vários momentos da história. Ele é um jurista antiautoristarismo, é um jurista democrático, na palavra genuína. É necessário que todos nós, que não coadunamos com o autoritarismo, estejamos lá, ao seu lado, combatendo não só tentativas de intimidação a ele”. Segundo Amparo, a representação de Aras é uma intimidação ao pensamento crítico de modo geral.
Professor da Escola de Comunicações e Artes e jornalista, Eugênio Bucci lembrou que a escalada do autoritarismo na universidade remonta ao episódio da Federal de Pelotas mencionado por Dieter e ao suicídio do reitor da Federal de Santa Catarina, após acusações infundadas feitas pela Operação Torre de Marfim, que, lembrou Bucci, desde o nome escolhido tentou demonizar e criminalizar a atividade acadêmica. Segundo Bucci, a representação de Aras contra Hübner Mendes “infantiliza a universidade, porque toma a reitoria como um inspetor de alunos de um colégio interno ao qual um delator, um dedo-duro vai reclamar contra o comportamento de um ou de outro. Universidade não é delegacia de costumes”.
Em sua intervenção, Oscar Vilhena Vieira leu uma mensagem encaminhada pela Comissão Arns ao Conselho da Universidade de São Paulo.
Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília que se viu forçada a sair do país após sofrer perseguições e ameaças em razão de suas opiniões e pesquisas, citou uma frase do próprio Conrado Hübner Mendes, ouvida num debate — “todas as vezes que as liberdades acadêmicas são ameaçadas, é a democracia que está em risco”. “O papel dos acadêmicos, o papel de professores como o senhor, professor Conrado, é a voz verdadeira, é a voz valente em defesa intransigente em defesa da democracia”, afirmou a professora.
O professor Silvio Almeida, da FGV, chamou a atenção para “o que está em realmente em jogo”. Segundo ele, o ataque de Aras a Hübner Mendes é revelador “não daquilo que o Brasil está se tornando nos últimos anos”, mas daquilo que “o Brasil sempre foi”: “Um país cujas instituições são historicamente utilizadas para perseguir, para constranger, quando não para torturar e matar pessoas”. “Do banco das escolas de direito, de onde onde saímos nós e de onde saiu também o Procurador-Geral da República, também saíram notórios senhores de escravos e agentes da ditadura. Por isso, opor-se à perseguição contra o professor Conrado é segurar a mão daqueles que historicamente tem usado o chicote institucional contra trabalhadores, contra negros, contra os pobres deste país”, afirmou Almeida. Para ele, o ato de Aras beira o abuso de autoridade.
A professora Luciana Boiteux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mencionou os cortes orçamentários enfrentados pela UFRJ, que está sob ameaça de fechar, num outro tipo de risco à liberdade acadêmica. Ela leu versos da canção “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil, que protesta contra a censura e foi um símbolo da luta pela liberdade de expressão na ditadura.
Murilo Gaspardo, Ana Elisa Bechara, Sheila Neder Cerezetti, Manuela Leite, Ana Amélia Camargos, Ana Maria Nusdeo, Joaquim Falcão, Felipe Loureiro, Octavio Ferraz, Heloisa Nader, Otavio Pinto e Silva, Jorge Souto Maior, Alberto do Amaral Junior, Sâmia Bonfim e Diogo R. Coutinho também fizeram intervenções.
O próprio Conrado Hübner Mendes encerrou o ato. Ele agradeceu os numerosos apoios que recebeu de professores e instituições do Brasil e de outros países. Segundo ele, o evento "não pode ser confundido com um palanque para discutir um caso individual". "A gravidade desse caso está menos nas consequências concretas que ela pode causar para um professor e muito mais nas consequências difusas de silenciamento, de autocensura, de medo, de desconfiança, de apreensão. Esse é um repertório conhecido da intimidação. É o de gerar autocontenção nessa profissão fascinante que é a nossa. Todos os sinais de rechaço [à representação de Aras] da comunidade acadêmica mostram que a gente tem consciência e bastante consenso, apesar das nossas enormes divergências, e esse é outro lado fascinante dessa carreira, nós temos enorme consenso de que a crítica política é uma liberdade que não se negocia".
Segundo ele, a universidade pública é "um santuário da liberdade acadêmica". "É um privilégio estar na USP e saber que nós podemos dizer o que pensamos sobre as instituições mais poderosas do país. Sem deferência, sem culto à autoridade, sem servilismo, e tentar lutar contra isso que se está gestando no país, que é um ambiente hostil à livre circulação de ideias."
Editoria especial em parceria com o Laut
O LAUT – Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo realiza desde 2020, em parceria com a Quatro Cinco Um, uma cobertura especial de livros sobre ameaças à democracia e aos direitos humanos.
Porque você leu Laut | Liberdade e Autoritarismo
Onde a ditadura nunca acabou
Autor entrelaça a rotina de torturas e execuções nas favelas brasileiras à transição incompleta para a democracia
DEZEMBRO, 2024