Na Feira do Livro, Luiz Felipe Alencastro e Marcelo Rubens Paiva contam suas memórias da ditadura e defendem a importância desses registros 

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Na Feira do Livro, Luiz Felipe Alencastro e Marcelo Rubens Paiva contam suas memórias da ditadura e defendem a importância desses registros 

Historiador e escritor relatam em seus livros o horror dos anos de chumbo para reafirmar: ‘Nunca mais!’

07jul2024

No ano que marca os sessenta anos do golpe civil-militar no Brasil, A Feira do Livro ressaltou a importância de preservar a memória do país. Juntos no Palco da Praça, no sábado (6), Luiz Felipe de Alencastro e Marcelo Rubens Paiva, deram seu testemunho sobre as perseguições, a censura e os assassinatos cometidos pelos agentes da repressão, para não esquecermos de repetir “Ditadura nunca mais” — nome da mesa em que se encontraram.

Alencastro, historiador e cientista político, lança pela Tinta-da-China Brasil (selo editorial da Associação Quatro Cinco Um) Despotismo tropical: a ditadura e a redemocratização nas crônicas de Julia Juruna, coletânea de artigos que retomam os acontecimentos-chave da abertura política e do processo de redemocratização. Paiva, autor do best-seller Feliz ano velho, de 1982, publicou pela Companhia das Letras, entre outros, Do começo ao fim (2022) e Ainda estou aqui (2015).

Com mediação da jornalista Patrícia Campos Mello, os autores conversaram sobre seus livros, que tanto registraram o que acontecia no país driblando a censura, no caso de Alencastro, quanto mostraram o impacto pessoal do horror, no caso de Paiva, que teve o pai preso e assassinado quando tinha onze anos.

Luiz Felipe de Alencastro (Filipe Redondo)

As crônicas do historiador foram publicadas no Le Monde Diplomatique na década de 70 sob o pseudônimo de Julia Juruna. Alencastro contou que foi aconselhado a sair do país e conseguiu uma bolsa de graduação na França. Ali, viu “muita gente chegando arrebentada pela repressão” e trabalhou para divulgar para o mundo a matança que estava acontecendo no Brasil.

Alencastro publicou os artigos usando pseudônimo de mulher para os agentes da repressão não descobrirem sua identidade. “Com esse nome, não iriam procurar um homem, porque latino-americano não abdica do gênero nem no pseudônimo. Uma amiga francesa dizia que todo brasileiro, de direita e de esquerda, é machista”, contou o historiador.

Correspondência

O deputado Rubens Paiva, pai de Marcelo, era uma das pessoas que mandava relatórios  de denúncias para Alencastro. Em 1971, foi torturado e assassinado em um quartel militar. Seu corpo nunca foi encontrado.

“Desde meu primeiro livro denunciei o que acontecia [durante a ditadura], mas não entendia por que eu tinha o dever de registrar a memória, insistir tanto nisso”, disse Paiva. A ascensão da extrema direita ao ponto de pedirem a volta do AI-5 fez com que ele compreendesse a importância de manter essas lembranças.

Marcelo Rubens Paiva (Filipe Redondo)

“Acho que eu e minha família temos o dever de falar. O Nicolau Sevcenko falava na literatura como missão. A história conta a versão dos vencedores, a literatura, a dos vencidos”, disse Paiva.

Seu livro Ainda estou aqui, em que narra a trajetória de sua mãe, Eunice, desde a prisão de Rubens Paiva, virou filme, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Paiva tinha onze anos quando tudo aconteceu e lembrou no Palco da Praça o dia em que levaram seu pai, num depoimento comovente.

Apesar de tudo o que aconteceu, uma pesquisa Datafolha mostrou que 32% da população que se declara bolsonarista acha que hoje o Brasil vive uma ditadura. “Como pode haver tamanha dissonância cognitiva?”, perguntou a mediadora.

“Por causa dessas coisas decidi publicar o livro e falar o que foi a ditadura. Somos a última geração que conviveu, lutou junto e amou essas pessoas que foram embora”, disse Alencastro.

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34)

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