Editora 451, Trechos,

Amar ou odiar os homens

Primeiro livro escrito por Camila Sosa Villada, ‘A namorada de Sandro’ reúne poemas compostos após o fim de um relacionamento; leia trecho

10maio2024 • Atualizado em: 13maio2024
(Divulgação)

É aos pais, La Grace e Don Sosa, que Camila dedica seu primeiro livro, A namorada de Sandro, que chega às livrarias brasileiras pela editora Planeta, com tradução de Joca Reiners Terron. Estreia da argentina na literatura, publicada originalmente em 2015, a coletânea de poemas e reflexões foi escrita ao fim de um relacionamento, mas não trata apenas de um amor. São muitos os “ex” a inspirar o trabalho, que passou por uma revisão em 2020 para eliminar o excesso de “sentimentalismo e autopiedade”, como contou a autora em entrevista a Adriana Ferreira Silva que estampa a capa da edição de maio da Quatro Cinco Um.

A namorada de Sandro chega junto a outras duas obras da autora: o ensaio A viagem inútil: trans/escrita (Fósforo) e o romance Tese sobre uma domesticação (Companhia das Letras). O pacote embala a volta da escritora argentina ao país como uma das estrelas d’A Feira do Livro 2024, depois de participar da Festa Literária de Paraty em 2022. Sosa Villada já tinha mostrado a força de sua literatura por aqui com a publicação do romance O parque das irmãs magníficas e do livro de contos Sou uma tola por te querer, ambos pela Planeta.

Leia um trecho de ‘A namorada de Sandro’

Nunca soube ao certo se deveria odiar ou amar os homens. Por muitos anos, eles foram os que mais me entristeceram, mas também (e ao escrever isso, me dá água na  boca) os que mais alegria proporcionaram a estes músculos cheios de estrogênio. Eu os amava por suas panturrilhas, a parte mais sexy de seus corpos. Pela pelagem que cobria  sua pele, por suas mãos que apertavam meus peitos de mezzo-soprano que entoavam baladas à maneira de Gina Maria Hidalgo; pela força deles e pela maneira como dominavam todo o meu pensamento com um toque distraído.

Eu os odiava pela extensão de sua imaginação, pobre e opaca. Por seus mendicantes espíritos, suas mentes literais. Sempre foram de entrega mesquinha e fáceis de fugir. Jogavam fora minha solidão barata e marginal, minha entrega  de animal sem patrão, e partiam com um gesto de abandono que me lembrava a mim mesma, deixando-me morrer dessa tristeza tão anos noventa com a qual enfrentava a vida. Faziam com que eu me sentisse a mais feia de toda a região, mas disso não posso acusá-los somente a eles.

E eu, sempre despetalando flores envenenadas, bem-me-quer, mal-me-quer, com a dignidade pelo chão, amando suas pernas de caçadores e seus olhares sombrios, sua despreocupada beleza de animal das montanhas. E meu ventre cantava de júbilo se eles me dedicavam um olhar, e minha saliva adocicava apenas por tê-los por perto.

No final, distraí-me e preferi a companhia de minhas amigas, das bichas que enfeitam minha vida. Nesta idade, nem amor nem ódio reservo para esses proto-machos. Nem desejo nem paixões para os centauros de frágil testosterona. Sempre mal-humorados, apóstatas da comunicação, com esses presentes rachados que trazem como oferendas a nossos pés, assim como um gato presenteia sua dona com um rato morto.

Não é que essa distância seja irreconciliável, mas eu conheço os homens. Eu mesma costumava ser um.

Peraí. Esquecemos de perguntar o seu nome.

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