A Feira do Livro,

“Ser fotografado é meio chato”, diz Bob Wolfenson

Fotógrafo relembrou meio século de carreira e contou não ter produzido nada de bom na primeira década

11jun2023 | Edição #70

“Eu não gosto de falar de fotografia, mas a única coisa da qual tenho autoridade para falar é a minha trajetória”, disse Bob Wolfenson a Renato Parada, colega de profissão e colunista da Quatro Cinco Um, na mesa Retratos falados. Com mais de cinquenta anos de atuação profissional, Wolfenson contou que a maioria dos fotógrafos não gosta de falar da própria obra. “Analisar a imagem, a gente deixa para os outros. As obras são para serem lidas, cada uma com sua subjetividade, olhando e sentindo o que é necessário. Tudo depende do olhar da audiência. As discussões eu deixo para os curadores e críticos.”

Parada rememorou uma antiga entrevista em que Wolfenson disse ter escolhido a profissão “porque era muito mimado e vagabundo”. “É isso mesmo”, respondeu o fotógrafo, contando que os pais o matriculavam em aulas como francês e violão, nas quais ele não permanecia “nem por dez dias”. “Eles promoviam muito essa formação cultural, mas eu não corria atrás de nada. É nesse sentido que eu era mimado”, explica.

O mediador lembrou uma fala de Wolfenson sobre não ter produzido “nada de bom” nos primeiros dez anos de carreira. “Até mais do que dez”, respondeu Wolfenson, “de 1970 a 82”. Foi nesse momento da carreira que Wolfenson vendeu tudo o que tinha — incluindo a câmera fotográfica — para morar em Nova York, onde foi assistente de fotografia por alguns anos antes de retornar ao Brasil e ver sua carreira deslanchar. “Foi uma ruptura a partir de uma crise.”


O fotógrafo Bob Wolfenson [Guilherme Rocha/Divulgação]

Questionado sobre suas referências, Wolfenson citou uma tríade inspiradora: Helmut Newton, Irving Penn e Richard Avedon, com destaque para este último. “O livro dele me impactou muito. Foi o primeiro livro de fotografia que ganhei, de uma ex-namorada, há mais de quarenta anos. Ela me deu o livro como prêmio de consolação porque estava indo embora”, brincou. “Além dessa dimensão emocional do presente, ficou como um livro seminal para mim, a grande obra que me incentivou a ser fotógrafo”, diz ele, que se considera um grande consumidor de livros de fotografia: “Tenho uma coleção muito grande deles, uma biblioteca”.

Wolfenson também citou algumas referências nacionais, como Antonio Guerreiro, Luiz Tripolli e José Antônio Castilho de Morais, de quem foi assistente na editora Abril — “ele era meu ídolo” — e comentou seu trabalho na finada revista Playboy. “Era uma época em que tudo era possível. Durante muitos anos fiz a cartilha da revista — duas fotos de peito, três fotos de bunda, coisa e tal. Até que um dia sugeri fazer outra coisa”, disse, citando o ensaio com Maitê Proença, inspirado pelo neorrealismo italiano e com uma estética de “produção chinfrim”, como um marco divisor na sua produção para a revista. O caráter misógino da publicação não foi ignorado por Wolfenson: “A Playboy era uma revista de consumo objetificante, sem dúvida nenhuma. Mas as mulheres [que posavam] eram empoderadíssimas. Elas faziam uma aliança comigo e decidíamos as fotos e fazíamos a paginação juntos. Era o olhar feminino dando as ordens”.

Perguntando sobre uma suposta ameaça da fotografia feita por inteligência artificial, Wolfenson a descartou: “Mesmo a IA vai precisar de um criador por trás. O vídeo não acabou com o cinema. A televisão não acabou com o rádio. Há uma readequação. Sempre que surge algo muito revolucionário acontece isso”. Ele também comparou seu ofício ao de um escritor, argumentando que ambos precisam dos mesmos elementos — técnica, audiência, estilo e repertório —, além de uma história e um contexto interessantes. “O que importa em uma fotografia muitas vezes não é o que está visível na primeira mirada, mas o que não se vê. O centro da imagem nem sempre é o porquê de ela ter sido realizada.”


O fotógrafo Renato Parada [Guilherme Rocha/Divulgação]

Especialista, entre outras coisas, em retratos, ele os define como uma técnica que obedece à natureza dos encontros. “Há algumas constantes: o fotógrafo, a câmera, o sujeito diante da câmera. Mas todo o resto depende dos desejos que pairam”, diz. “Em um set fotográfico paira aquilo de que o fotografado quer se utilizar, o que o fotógrafo está fazendo para se projetar, o que quer a pessoa que está encomendando esse trabalho… é da fricção entre todos esses desejos que sai a fotografia.”

A ideia de que o fotógrafo capta a alma do retratado foi rechaçada por Wolfenson, que diz que ninguém tem essa capacidade. “Nenhum fotógrafo quer captar a alma de ninguém. Essa é uma ideia muito surrada. Acho isso uma balela. A fotografia não tem a função de psicografar a alma”, disse. Ele também contou que não gosta de estar do outro lado das lentes: “Tenho a sensação de que ser fotografado é meio chato. Não tem a fala, o movimento”.

“Sub/emerso” joga-se no confronto de Bob Wolfenson com o seu corpo de trabalho e com a destruição desse corpo

Wolfenson também defendeu o uso do celular como equipamento e disse não ver vantagens de usar máquinas com filme fotográfico. “Acho que fotografia analógica é coisa pra jovem. Pra aprender os pressupostos. Eu não uso mais nada analógico, muitas vezes nem sei qual diafragma estou fazendo.”

Ao fim da mesa, Parada perguntou a Wolfenson sobre os modismos que viu passar ao longo da carreira. “Naturalmente o que é erupção vira lava, sedimenta, nasce árvore e o solo fica rico até que venha outra. Isso é natural. O mundo se move assim”, respondeu. “Envelhecer é bom nesse sentido: você vê passar todas as ondas e correntes. Eu não estou mais surfando aquela grande onda, mas estou na marolinha, em pé na prancha ainda.”

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Marília Kodic

Jornalista e tradutora, é co-autora de Moda ilustrada (Luste).

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.