A Feira do Livro,

Mulheres ainda têm dificuldade de se reconhecer autoras, dizem organizadoras de Um Grande Dia para as Escritoras

Encerramento d'A Feira do Livro relembrou a foto histórica que reuniu 420 escritoras no Pacaembu em 2022

11jun2023 | Edição #70

Em junho de 2022, um chamado feito inicialmente pela escritora Giovana Madalosso e logo abraçado pela revista Quatro Cinco Um e pela organização d'A Feira do Livro resultou em uma foto histórica reunindo 420 mulheres escritoras nas arquibancadas do estádio do Pacaembu e logo se espalhou pelo país e pelo mundo, em um movimento espontâneo que acabou registrando 2.302 escritoras em 48 cidades.

Logo se somaram a Madalosso a editora de podcasts da Quatro Cinco Um Paula Carvalho e as escritoras Natalia Timerman e Esmeralda Ribeiro. E foram elas quem encerraram a Feira em grande estilo neste domingo, para falar no livro que resultou desse movimento, Um grande dia para as escritoras: autoras do brasil mostram a cara, com artigos das organizadoras e Sony Ferseck e pesquisa de Jess Carvalho, e que traz os registros fotográficos desses encontros.

Madalosso abriu a mesa Um grande dia em São Paulo apontando algo que apareceu com frequência entre as mulheres que participaram do movimento: a dificuldade de se definir como escritoras. “Eu vou pro quinto livro publicado e ainda me questiono ‘eu sou uma escritora?’. É um silenciamento de muitos séculos que a gente carrega e estamos tentando superar”, acrescentou Timerman.

Ribeiro, que também organizou uma foto de escritoras negras na escadaria do Bixiga, na capital paulista, acrescentou outra dimensão: “Como escritoras negras, tem duas coisas: a gente não se vê como escritora e as pessoas não nos reconhecem como escritora, não acreditam que a gente escreve”. Ela contou de um lançamento em que uma mulher branca, com cara de rica, a abordou. “Ela perguntou se podia me fazer uma pergunta e então questionou se eu tinha escrito mesmo aquele livro. Essa mulher ficou muito tempo comigo, quando eu pensava nela me dava uma raiva.”


A escritora Esmeralda Ribeiro, a antropóloga Deborah Goldemberg e as escritoras Giovana Madalosso, Natalia Timerman e Paula Carvalho [Sean Vadaru/Divulgação]

A escritora também defendeu a forma como o movimento se organizou, sem estabelecer critérios para definir quem era escritora e quem não era. “Não dava pra ser só mulheres com livros publicados, porque tem várias mulheres com livros na gaveta. Por isso que teve tantas mulheres negras. Se fossem só livros publicados, não viria ninguém. Quem tem livro na gaveta, quem escreve no Instagram, quem escreve nas redes sociais é escritora.”

Carvalho apontou que, mais cedo, quando as escritoras se reuniram para autografar o livro e tirarem uma nova foto, havia mulheres que não atenderam ao chamado de imediato. “A gente teve que chamar mulheres para participar da foto, porque elas não se sentem escritoras. A gente tem que ouvir isso de outras mulheres. Ver essas fotos dessas mulheres com seus livros levantou um pouco o véu da invisibilidade.”

Madalosso convidou ao palco a antropóloga Deborah Goldemberg, que realizou uma pesquisa com cerca de 24% das escritoras presentes no livro, para apresentar os resultados. Ela destacou quatro pontos: 48% dessas mulheres manifestou o desejo de escrever muito cedo, entre 8 e 15 anos, mas só conseguiu publicar algo, mesmo em blogs, em média aos trinta anos; essas mulheres têm um alto nível educacional, e grande parte cursou até o doutorado; a grande maioria escreve por amor, e recebe menos que dois salários mínimos por mês de lucro dos livros, quando recebe; e 42,1% das entrevistadas publicaram via autopublicação.

Madalosso encerrou a mesa lembrando que o livro Um grande dia para as escritoras é dedicado às mulheres que não puderam estar na foto em 2022. “Quando a gente começou a organizar tudo isso, percebemos que estar na foto era um privilégio. Tem a questão de com quem deixar os filhos, do deslocamento, muitos obstáculos. Então, estar na foto é um privilégio, escrever é um privilégio, publicar é um privilégio", concluiu.

Autografaço

Mais cedo, na tarde de domingo, cerca de cinquenta representantes das mulheres que participaram das fotos em 2022, de diferentes partes do país, se reuniram para autografar o livro, trocar autógrafos entre elas e participar de uma nova foto, desta vez tendo o estádio do Pacaembu ao fundo.

Aline Cardoso, poeta, organizadora da foto em João Pessoa (PB) e integrante do Sarau Selváticas, contou que estava em São Paulo fazendo um curso quando soube do movimento. “Vi a movimentação e resolvi participar, e depois organizar lá também, alguns dias depois”. Ela conseguiu reunir cerca de oitenta mulheres em João Pessoa.

Luciana Bento, moradora de São Paulo, veio com as duas filhas, Naína e Aisha, que também a haviam acompanhado no ano passado. Ela tem um livro de poemas publicado, Eu-lua, mas as meninas também escrevem. Naína já escreveu dois livros: um “sobre a minha mãe, que é uma super-heroína”, e outro em que come a irmã, que não gostou muito da ideia.

A Feira do Livro aconteceu de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

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Quem escreveu esse texto

Natalia Engler

É jornalista e pesquisadora de comunicação e gênero.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.