A Feira do Livro,

Antônio Xerxenesky e Samir Machado de Machado defendem a potência política dos romances de entretenimento

Autores de romances ambientados no pré e pós-Segunda Guerra traçam paralelos entre o nazifascismo e o governo Bolsonaro

11jun2023 | Edição #70

Antônio Xerxenesky e Samir Machado de Machado se encontraram neste sábado, 10, n’A Feira do Livro, para discutir seus novos romances, ambientados na época da Segunda Guerra mundial. Na mesa O mal-estar do passado, eles falaram sobre suas obras e os fortes paralelos entre o nazismo e o governo Bolsonaro. A conversa foi mediada por Marília Kodic, editora da Quatro Cinco Um.

A força política das obras de ficção foi um ponto central da conversa, na qual os escritores e tradutores gaúchos falaram sobre como seus livros não tratam diretamente do que eles querem tratar, mas podem ser instrumentos. “A literatura não muda o mundo, mas pode mudar a cabeça de alguém que muda o mundo”, disse Xerxenesky. “O romance de entretenimento pode ser potente em termos políticos.”

Xerxenesky lançou recentemente Uma tristeza infinita pela Companhia das Letras, no qual retorna aos primórdios da psicanálise e ao pós-Segunda Guerra para tratar dos conflitos entre ciência e fé e do Brasil atual. Já Machado acaba de lançar O crime do bom nazista pela Todavia, em que faz uma releitura de Agatha Christie com pitadas de romance histórico.

Mocinhos e vilões

Na conversa, eles analisaram elementos das obras literárias: o caráter dos personagens e as figuras malvadas de Machado — “eugenistas declarados”, segundo ele —, e o fato delas ainda existirem. “A gente continua convivendo com as pessoas detestáveis do livro do Samir”, disse Xerxenesky.

Ambos falaram sobre as diversas influências de seus romances de estrutura híbrida. Em comum, A ordem do dia, Éric Vuillard, sobre os empresários que financiaram o nazismo, e o romancista norte-americano Thomas Pynchon. Além de diversos elogios, Xerxenesky soltou uma farpa, arrancando risos da plateia: “Eu odeio Thomas Mann, acho ele muito chato”.


O escritor e tradutor Antônio Xerxenesky [Guilherme Rocha/Divulgação]

Falando em nomeações, Machado compartilhou os bastidores da escolha do título de seu livro: O crime do bom nazista. Houve bastante discussão: “Será que uma pessoa que estivesse lendo no ônibus se sentiria desconfortável?". Mas a escolha foi por seguir nessa linha. “O mal-estar no título é intencional”, disse.

Enquanto o livro de Machado se passa na ascensão do nazifascismo, o de Xerxenesky é ambientado nos anos seguintes à Segunda Guerra. Machado compartilhou como nessa época foram espalhados cartazes enormes com fotos de cadáveres com a pergunta “De quem é a culpa?”. Uma resposta, menor e visível apenas quando o passante se aproximava, dizia que a culpa era de todos os alemães por terem permitido que isso acontecesse.

Nesse tom, os escritores apontaram como ainda estamos distantes de qualquer reparação pelos absurdos cometidos durante o governo Bolsonaro, pois sequer chegamos na fase da punição. “Nazismo e bolsonarismo são paralelos — eu não vejo o bolsonarismo como compatível com a sociedade democrática, assim como o nazismo não é”, disse Machado.

Literatura gaúcha

A relação de Xerxenesky e Machado é antiga. Eles criaram uma editora independente no sul do país há dezesseis anos, porque disseram que não havia nenhuma em atividade no Rio Grande do Sul ou Santa Catarina, e essa era a única forma de exibirem o que estavam produzindo. Além de títulos próprios, eles publicaram também livros de Carol Bensimon e Julia Dantas.

Para quem não é do sudeste, ter uma editora independente muitas vezes era a única forma de exibir sua produção, disseram. Xerxenesky lembrou do seu Pálio vermelho — “o cerejão” — e dos tempos em que tinha que “se vender”, algo que diz que faz mal. “Era Orkut e levar caixa de livro no cerejão”.


O escritor e tradutor Samir Machado de Machado [Guilherme Rocha/Divulgação]

Eles ainda celebraram o fato de que hoje, nas bancadas d’A Feira do Livro, há dezenas de editoras independentes de diversas regiões do país, e de que a existência delas impulsiona a produção. Também os prêmios, como o Açorianos, exclusivo para quem têm alguma relação com Porto Alegre: “É um microcosmo voltado a lançar autores na esperança que editoras maiores peguem eles depois.”

“Tá mais fácil publicar um livro, e isso é muito bom”, disse Xerxenesky. “Como não se perder no ruído branco é um desafio muito maior hoje do que era para nós, que hoje somos tiozões. Como se destacar dos outros setenta escritores sendo lançados pela mesma editora?”

A Feira do Livro acontece de 7 a 11 de junho na praça Charles Miller, no Pacaembu, em São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Beatriz Muylaert

Jornalista e editora executiva da Quatro Cinco Um.

Matéria publicada na edição impressa #70 em maio de 2023.