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Aline Zouvi e Lucas Rocha debatem a importância da literatura LGBTQIA+ para jovens: ‘Livros salvam vidas’

Quadrinista e escritor destaque do segmento YA falam sobre representação, identidade, censura e fanfics

06jul2024 • Atualizado em: 02ago2024
(Matias Maxx)

Representantes da nova geração de autores de histórias com temáticas LGBTQIA+, a quadrinista Aline Zouvi e o romancista Lucas Rocha falaram sobre representação, identidade, censura e fanfics na mesa “Novos repertórios” na tarde desta sexta (5), n’A Feira do Livro. O papo foi mediado pela jornalista e tradutora Clara Rellstab.

Autora do recém-lançado Pigmento (Quadrinhos na Cia), graphic novel em que trata de uma relação entre duas mulheres, Zouvi comentou sobre o incremento da produção de histórias como as que escreveu nos últimos anos, algo difícil de encontrar quando era adolescente. “Queria muito que existisse uma história como Heartstopper quando eu era mais jovem”, disse a quadrinistra sobre o quadrinho adaptado para série pela Netflix.

“Fico emocionada quando hoje vou a eventos, e ouço de leitores como esses livros com personagens LGBTQIA+ podem salvar vidas”, contou Zouvi. “Não acho exagero falar isso: livros salvam vidas.”

Lucas Rocha, que também é bibliotecário, contou que começou a ler romances contemporâneos e passou a escrever para acessar histórias que não encontrava quando era adolescente. “Quando eu tinha quinze anos, era aquela coisa muito distante, a personagem que vivia em Nova York, que não errava, não tinha falhas. Eu queria ver a personagem que vivia em Niterói”, disse. 

Um dos romances do escritor, Você tem a vida inteira (Galera Record, 2020), traz um personagem que vive com HIV numa perspectiva contemporânea. Rocha diz que os livros sobre o tema eram todos da época da eclosão da epidemia, quando ter o vírus era quase uma sentença de morte. “As pessoas me falam que é a primeira vez que leram uma história com essa abordagem, então vejo que preenchi uma lacuna.”

Censura

Um dos destaques da literatura YA (Young Adult) brasileira, Rocha também contou sobre o episódio de censura durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2019, quando o então prefeito, Marcelo Crivella, determinou que fossem recolhidos exemplares do romance gráfico Os vingadores: a cruzada das crianças (Salvat), de Jim Cheung, que tinha a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos.

“No fim das contas, foi um tiro que saiu pela culatra: gerou muito mais visibilidade para a literatura LGBTQIA+ em geral”, disse ele sobre a repercussão da medida, que provocou reações de diversas autoridades e uma marcha contra a censura de autores e leitores durante o evento.

O escritor lembra, no entanto, que a mobilização foi um aviso: “serviu como um alerta de que nossos direitos são difíceis de ser conquistados, mas fáceis de ser revogados”.

Zouvi lembrou outra tentativa de cerceamento que sofreu durante um evento literário em Belo Horizonte sobre quadrinhos LGBTQIA+. Um vídeo com trechos do evento foi editado de modo a desvirtuar o conteúdo e republicado pela deputada bolsonarista Bia Kicis. 

Aline Zouvi (Matias Maxx)

“Os quadrinhos LGBTQIA+ foram comparados com outros de conteúdo explícito, escatologia, entre outras coisas”, disse. “Temos batido muito na tecla que afeto não é pornografia. Ver dois homens se beijando não é ameaça para crianças. Uma pena ter que continuar repetindo isso em 2024.”

Queerbaiting e fanfic

Os autores também falaram sobre queerbaiting na ficção, quando um filme, por exemplo, aborda a temática da comunidade de forma implícita, apenas para captar a atenção do público. 

A mediadora Clara Rellstab lembrou que durante muitos anos, novelas e séries até traziam personagens lésbicas, por exemplo, mas que no geral acabavam sumindo ou tendo outro desfecho trágico na narrativa.

“É por isso que eu quis fazer Pigmento”, contou Zouvi. “Para ler coisas que talvez existissem ou não chegaram até mim, mas que é ver mulheres em romances leves, que não acabem em morte ou sofrimento. Eu não poderia ter feito o mesmo livro dez anos atrás.”

Lucas Rocha destacou como a prática do queerbaiting acabou provocando a produção de muitas fanfics, as tramas alternativas criadas e divulgadas por fãs. 
“Muitas das fanfics vêm daí: as pessoas resolvem explicitar o que o autor não quis”, disse o escritor, lembrando que o filme Uma ideia de você, com Anne Hathaway, nasceu de uma fanfic que antes virou livro. “A fanfic é isso. E quanto mais melhor.”

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Amauri Arrais

É jornalista e editor da Quatro Cinco Um.