Adriana Abujamra e Bernardo Esteves falam sobre novos ventos na arqueologia 

A Feira do Livro,

Adriana Abujamra e Bernardo Esteves falam sobre novos ventos na arqueologia 

Autores trataram do debate sobre a chegada dos primeiros humanos às Américas em conversa com o arqueólogo Eduardo Neves

29jun2024 - 20h42 • 29jun2024 - 20h50
(Matias Maxx)

Um dos campos científicos mais agitados dos últimos anos no Brasil, a arqueologia foi tema de um concorrido encontro entre Bernardo Esteves e Adriana Abujamra na tarde deste sábado (29) n‘A Feira do Livro. Autores de livros que tratam de personagens importantes do debate sobre a chegada dos primeiros humanos às Américas, os convidados conversaram com o arqueólogo Eduardo Neves, um dos grandes nomes da área no país.

Boa parte da discussão na mesa “Admirável novo mundo” girou em torno dos novos ventos que sopram na arqueologia em meio à controvérsia, estabelecida há décadas, sobre os registros dos primeiros humanos no continente americano. Essa disputa é um dos assuntos de Admirável novo mundo: uma história da ocupação humana nas Américas (Companhia das Letras), que Esteves publicou no ano passado.

(Matias Maxx)

Ele explicou que, por muito tempo, alegações de que a ocupação humana nas Américas ultrapassava os 13 mil anos foram totalmente rejeitadas – sobretudo por arqueólogos dos Estados Unidos, mas também por cientistas brasileiros como Neves, que disse ter mudado de opinião. Isso começou a acontecer depois de 2013, a partir de novas pesquisas em sítios arqueológicos na região da Serra da Capivara, no Piauí, onde foram encontrados seixos rudimentares e pinturas rupestres de humanos e animais.

Na arqueologia norte-americana, o sítio arqueológico de Clóvis, no Novo México, é tradicionalmente considerado o mais antigo das Américas, com datação de cerca de 11 mil anos. A disputa, porém, permanece em torno de critérios como métodos de datação e análise da sedimentação de rochas. A ala mais conservadora, lembrou Esteves, ganhou o apelido de “Polícia de Clóvis” por suas objeções. O problema, segundo ele, é que “se os americanos usassem os mesmos critérios” que exigem na Serra da Capivara, “nem os sítios de Clóvis seriam aceitos”.

Ele ressaltou, no entanto, que seu livro está longe de ser conclusivo. ”Tive o cuidado de não fechar [em Admirável novo mundo] um debate que está aberto há décadas”.

Segundo Neves, discussões são inerentes à profissão. “Se você tiver dois arqueólogos juntos, terá três opiniões diferentes. Arqueólogos adora brigar”, brincou.

Mulheres de Niède

Uma figura crucial para a mudança de alguns paradigmas na área é a da arqueóloga Niède Guidon, cuja luta pela preservação de tesouros arqueológicos resultou na criação do Parque Nacional da Serra da Capivara em 1979. Abujamra traçou um perfil dela em Niéde Guidon: uma arqueóloga no sertão (Rosa dos Tempos), também lançado no ano passado.

Questionada sobre como foi retratar uma mulher tão importante para a arqueologia brasileira, a jornalista lembrou das “mulheres de Guidon” — como ficaram conhecidas moradoras da Serra da Capivara que a arqueóloga contratou para substituir os homens responsáveis pelas guaritas do parque, na época semiabandonadas e degradadas.

Muitas dessas mulheres, disse Abujamra, eram vítimas constantes de agressões dos maridos. “Com um salário, as mulheres se sentiram muito mais à vontade para dispensar seus maridos violentos.”

O impacto da criação do parque nas populações locais foi resultado de mudanças de visão, disse Abujamra. “Quando chegou à região nos anos 70, Niède também tinha a ideia importada de que comunidades locais eram incompatíveis com preservação”. Os moradores da região, chamados de zabelês, foram expulsos, tiveram que gastar suas indenizações e só dez anos depois ganharam o direito a novas terras.

“Era o pensamento da época. [Os mais velhos] se ressentem até hoje, mas os filhos deles começaram a trabalhar com Niède e os netos se formaram na universidade federal criada por empenho dela”, disse Abujamra. “Acho que seria diferente se a decisão fosse tomada hoje.”

A Feira do Livro 2024

29 jun.—7 jul.
Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização da Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos voltada para a difusão do livro no Brasil, e da Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais. O patrocínio é do Grupo CCR, do Itaú Unibanco e Rede, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, da TV Brasil e da Rádio Nacional de São Paulo.

Quem escreveu esse texto

Vitor Pamplona

Jornalista e roteirista, traduziu As aventuras de uma garota negra em busca de Deus (Bissau Livros)