
A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras
MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

A FEIRA DO LIVRO 2025,
Brasil parece não estar disposto a superar imagem distorcida do Nordeste, diz pesquisador
N’A Feira do Livro, Octávio Santiago discutiu como estereótipo da população nordestina teve origem em campanha de difamação
17jun2025O estereótipo do nordestino como indolente, feio, desqualificado não nasceu do nada. Ele foi criado no início do século 20 por um grupo político descontente com a importância que o então presidente Epitácio Pessoa, paraibano, vinha dando à região — e se perpetua até hoje.
Esse é o argumento central de Só sei que foi assim: a trama do preconceito contra o povo do Nordeste, livro que o pesquisador potiguar Octávio Santiago acaba de lançar pela editora Autêntica e que foi tema da mesa da qual o autor participou n’A Feira do Livro nesta segunda-feira (16).

Na conversa com o jornalista Amauri Arrais, Santiago chamou a atenção para quanto o estereótipo do nordestino, em vez de ser demolido, apenas ganhou mais camadas de preconceito com o passar das décadas.
O problema não é que esse estereótipo seja anacrônico, afirmou o autor. É que, nesse quesito, “o Brasil da época ainda é o Brasil de hoje”.
“A gente vê atualização em diversas pautas importantes”, disse ele, dando como exemplo o cuidado do audiovisual com representações de gênero, sexualidade e nacionalidade, entre outros. “Mas em relação à população nordestina o olhar torto persiste, e não é por acaso. Nós, nordestinos, estamos presos a uma narrativa que foi construída há cem anos e que o país parece não estar disposto a superar.”
Construção
Adaptado da tese de doutorado em comunicação que Santiago defendeu na Universidade do Minho, em Portugal, Só sei que foi assim faz uma investigação abrangente sobre o papel das mídias, em especial as de massa, na construção da figura do nordestino no imaginário brasileiro.
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Inicialmente, isso se deu por meio de uma campanha organizada na imprensa dos anos 1920 — o autor contou que descobriu durante a sua pesquisa reportagens da época nas quais jornalistas que admitiam estar narrando episódios que não tinham testemunhado, pareciam ter pinçado trechos de Os sertões, de Euclides da Cunha.
Depois, esse papel coube ao cinema e à televisão. O primeiro criou a paisagem nordestina. “Estamos falando de chão rachado, carcaça de boi, mandacaru em primeiro plano, filtro laranja”, disse Santiago. Já o segundo foi o responsável por “dar o homem”, ou seja, definir os contornos do sujeito nordestino, cujo sotaque exagerado é um amálgama de dialetos e que serve de alívio cômico para o drama dos protagonistas de fato.
O resultado desses e de outros processos é o que Santiago chama no livro de “complexo de Macabéa”, em referência à protagonista de A hora da estrela, de Clarice Lispector. A personagem representa o lugar de subalternidade que o restante do país atribuiu à população nordestina. Um tipo de representação que deve ser sobretudo repensado, inclusive pelos próprios nordestinos, afirmou o pesquisador.
Ele mencionou a estratégia de artistas, como os cantores Juliette e João Gomes, de se apropriarem de símbolos nordestinos como os cactos, no caso dela, e o chapéu de couro, no do dele, para desenvolverem suas marcas pessoais. “O que não pode é entendermos isso como absoluto”, afirmou ele. “Se fosse, todos nós aqui estaríamos com frutas na cabeça, tal qual Carmen Miranda, devido à nossa brasilidade.”
Ao final do encontro, uma mulher na plateia, nordestina, contou que teve sua contratação por uma empresa em São Paulo questionada por colegas, apesar de ela ser altamente qualificada para o cargo, que teriam perguntado por que trazê-la do Nordeste para ocupar o cargo. E perguntou ao escritor: como então enfrentar um estereótipo tão cristalizado?
A resposta, disse Santiago, seria informação, conhecimento. “Esta é a nossa história, e não há como pensarmos em virar a página sem conhecê-la”, afirmou.
A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.
A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu
A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
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