Mudar: método
Édouard Louis
Trad. Marília Scalzo Editora Todavia // 240 pp • R$ 74,90
Em uma espécie de ensaio, o autor francês narra de forma crua as dificuldades enfrentadas durante sua infância e sua adolescência (pobreza material, violência, homofobia) e a maneira como se distanciou de sua família e de seus amigos, agarrando-se aos estudos para se libertar da condição de operário fabril. Ele lê sem parar, janta com aristocratas e passa as noites com milionários para se tornar uma outra pessoa e erradicar de vez um passado que abomina.
Será que preciso contar para você o começo da história mais uma vez? Cresci num mundo que rejeitava tudo o que eu era, e vivi isso como uma injustiça porque — é o que repetia para mim centenas de vezes por dia, até cansar —, vivi o mundo como uma injustiça porque eu não tinha escolhido ser o que era.
Já contei, mas devo retomar tudo na ordem, prometi a mim mesmo que faria isso, desde os primeiros anos da minha vida o problema foi diagnosticado: quando comecei a me expressar, a aprender a falar, a me mover no mundo, ouvi as interrogações se multiplicarem à minha volta. Por que o Eddy fala assim, igual a uma menina, mesmo sendo menino? Por que ele anda igual a uma menina? Por que vira as mãos quando fala? Por que olha desse jeito para os outros meninos? Será que ele não é meio viado?
Eu não tinha escolhido andar daquele modo, falar daquele modo, não entendia por que tinha aqueles trejeitos — é o que as pessoas da cidade diziam, Os trejeitos do Eddy, o Eddy fala cheio de trejeitos —, não entendia por que esses trejeitos haviam sido impostos a mim, ao meu corpo. Não sabia por que era pelos corpos de outros meninos que eu era atraído e não pelos das meninas como era esperado de mim. Eu era prisioneiro de mim mesmo. À noite, sonhava em mudar, em me tornar outra pessoa, e talvez tenha sido nesses primeiros anos da minha vida que a ideia da mudança se tornou tão importante para mim.