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Argumento
Dalva Gasparian criou a Livraria Argumento porque via a dificuldade de seu marido, o empresário, editor e político Fernando Gasparian, escoar a produção da editora da família, a Paz e Terra, durante a ditadura militar (1964-85). A loja original nasceu em São Paulo, em 1978. No ano seguinte, Dalva abriu a primeira Argumento do Rio de Janeiro, no Leblon, e essa foi a que vingou.
A casa começou se firmando como um dos raros lugares do Brasil onde era possível encontrar livros de ciências sociais publicados por grandes editoras estrangeiras, como a francesa Gallimard, a mexicana Siglo Veintiuno e a britânica Penguin. Tornou-se logo um reduto de estudantes, intelectuais e artistas, e abrigou ao longo de suas primeiras décadas lançamentos de autores de peso como João Cabral de Melo Neto, Caio Fernando Abreu, Bárbara Heliodora e José Mindlin.
Quando já tinha mais de vinte anos, foi ainda modelo e cenário em duas telenovelas de Manoel Carlos, que se notabilizou por contar histórias de moradores do Leblon: Laços de família (2000) e Páginas da vida (2006), ambas exibidas pela Globo. Na primeira, Tony Ramos era o livreiro da Dom Casmurro (apesar da insistência do autor, a emissora não topou usar o nome da livraria que serviu de inspiração).
Esses dois empurrõezinhos das tramas televisivas fizeram a Argumento se tornar, além de referência para leitores, mais um ponto turístico carioca. A livraria voltou a aparecer nas telas em Ainda estou aqui (2024), filme de Walter Salles que adapta o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. A fundadora e matriarca Dalva virou personagem: ela é interpretada por Maeve Jinkings. Por trás das referências e homenagens na TV e no cinema, está uma trajetória sólida que fez a Argumento se transformar aos poucos, sem perder sua essência.
Originalmente a loja ocupava um espaço pequeno, de sessenta metros quadrados, já na Dias Ferreira, rua então com pouco movimento. “A noite de autógrafos do livro Não à recessão e ao desemprego, de Celso Furtado, e a de Tempo de Arraes, de Antônio Callado, colocou definitivamente a rua Dias Ferreira no mapa do Brasil. As filas iam até o Baixo Leblon”, registra o site da livraria, lembrando de dois eventos que marcaram sua história já em 1979. Só em 1993 o negócio foi transferido para uma loja maior, na mesma rua — a essa altura, já bem mais badalada. O lugar acomoda hoje o acervo com cerca de trinta e cinco mil livros e um generoso espaço onde funciona um café, o Severino.
Quando Dalva Gasparian morreu, em 2017, a Argumento já era tocada com a ajuda de três dos seus filhos: Marcus na gestão financeira, Eduardo no café e Laura na aquisição de livros. “A gente brinca que dá para observar como a sociedade brasileira foi mudando pelas prateleiras da Argumento”, resume Marcus. “No começo, o que bombava era a sociologia, e culinária ocupava uma prateleira no fundo da loja. Depois isso se inverteu. Hoje, gastronomia e turismo já não estão em alta, com a concorrência da internet. O que nunca sai de moda é literatura, poesia e fotografia”, explica.
Mais do que estabelecida no Leblon, a família se animou a abrir uma filial na Barra no fim dos anos 90. Entre 2000 e 2021, ela funcionou no shopping Rio Design. Não resistiu à pandemia. Enquanto isso, no período de confinamento, a Argumento do Leblon contou com clientes fiéis que faziam pedidos por WhatsApp, entregues de carro por Marcus durante os quase cento e quarenta dias em que a loja ficou fechada.
Após sanar as despesas com o encerramento da unidade da Barra e acompanhar a lenta retomada pós-pandemia, ele diz que a frequência de clientes começou a voltar aos eixos. Cursos sobre música e temas da atualidade, além de clubes do livro, têm ajudado a atrair o público.
Uma herança da pandemia, porém, continua. Para estimular a leitura e não afundar em dívidas nos tempos em que foram obrigados a fechar as portas, os irmãos Gasparian criaram em 2021 o projeto Rio de Livros. Em vez de pedirem doações em dinheiro, eles sugeriam que os clientes comprassem livros na Argumento para serem doados a bibliotecas comunitárias. Em três anos, mais de trinta foram beneficiadas. “Foi um projeto que surgiu no sufoco do confinamento, mas seguiu vivo”, conta o livreiro, que faz questão de levar as caixas com os livros doados, escolhidos pelas bibliotecas beneficiadas, a comunidades como Rocinha, Rio das Pedras e Mangueira.
(Helena Aragão visitou a livraria em outubro de 2024)
Endereço Rua Dias Ferreira, 417, Leblon, Rio de Janeiro (RJ)
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