Literatura infantojuvenil,
Garotas de Cabul
Inspirado em uma história real, romance juvenil conta os desafios da equipe feminina de ciclismo que desafiou proibições na capital do Afeganistão
01jun2023 | Edição #69Escritor e ilustrador de livros infantojuvenis, o italiano Gabriele Clima já publicou diversos títulos, com temas como diversidade, pertencimento e imigração, traduzidos para cerca de vinte idiomas. Nesta entrevista para a Quatro Cinco Um, ele conversa sobre Flores de Cabul (FTD), a história de Maryam, jovem afegã que sonha em participar da equipe feminina de ciclismo.
O escritor italiano Gabriele Clima (Acervo pessoal)
De onde veio a inspiração para contar a história da Maryam?
Li uma reportagem sobre a equipe feminina de ciclismo de Cabul. Eu sabia que no Afeganistão existiam restrições muito rígidas às mulheres, como a proibição do ciclismo, e fiquei deslumbrado com a visão dessas garotas. Maryam é uma personagem fictícia, mas construída a partir dos muitos testemunhos, diretos ou indiretos, sobre a condição das mulheres afegãs.
Você teve algum contato anterior com o Afeganistão?
O melhor teria sido ir lá, claro, mas infelizmente não foi possível. Então li muitos artigos, ensaios e reportagens, estudei a história do país e a da equipe nacional de ciclismo de Cabul. Também me correspondi via redes sociais com mulheres e homens de lá. Enviei-lhes passagens inteiras do livro, para apurar a veracidade das coisas que escrevia e para não ofender sensibilidades diferentes.
De onde vem sua conexão com os temas como diversidade e pertencimento?
Talvez seja porque eu mesmo, quando menino, sempre fui considerado diferente pelos meus colegas e professores. Enxergar a realidade de um ponto de vista não convencional me permite fazer o que mais gosto, que é cavar nas profundezas da natureza humana. Ao contrário de muitos adultos, as crianças e adolescentes não têm medo de mergulhar nessas profundezas, nas quais se reconhecem. Contar-lhes histórias como essa significa estimular sua propensão natural à autoinvestigação, requisito fundamental da convivência civilizada.
Um dos papéis da literatura infantojuvenil seria engajar as crianças na defesa dos direitos humanos?
Estou convencido de que a literatura tem um papel fundamental na educação de crianças e jovens, ou melhor dizendo, na formação de indivíduos. A narrativa [de ficção] passa pelo coração antes de chegar ao cérebro, e é disso que depende sua eficácia no campo da educação, incluindo aquela em direitos humanos. Recebo cartas e e-mails de meninos e meninas entre dez e quinze anos que me contam que choraram ao ler Flores de Cabul. É esse sentimento da história "em carne e osso" que faz da ficção uma ferramenta muito eficaz.
Ilustrações de Camila Catto (Divulgação)
Que livro você gostaria de ter lido na infância?
Confesso que não lia muito quando criança. A escola parecia querer me convencer de que livros não eram para mim. É difícil desenvolver o gosto pela leitura se ela é proposta como disciplina escolar e não como prazer pessoal. Gostaria que a escola tivesse me oferecido Huckleberry Finn, um livro que descobri por acaso e que – finalmente – marcou o início da minha atividade de leitor, com quase quinze anos.
Como incentivar o hábito de leitura nas crianças?
Colocando cuidado e paixão na escolha das bibliografias; lendo na sala de aula, em voz alta, todos os dias (cinco ou dez minutos reservados do período escolar são suficientes), desvinculando a atividade de leitura de qualquer avaliação. Em família, falar de livros, ler em voz alta e continuar, se eles pedirem, até os quinze anos ou mais, porque não? E encher a casa (e os quartos dos nossos filhos) de livros, não só nas estantes, mas também nas mesas, sofás, cadeiras. Por fim, oferecer livros de qualidade, de gêneros diversos, o que se chama de bibliodiversidade, permitindo que eles encontrem por conta própria o tipo de literatura que preferem.
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Matéria publicada na edição impressa #69 em abril de 2023.