Fichamento,

Pedro Süssekind

Escritor e professor de estética e filosofia da arte lança romance sobre desaparecidos políticos e os jovens no Brasil de 1979

21dez2022 | Edição #65

Anistia (HarperCollins), de Pedro Süssekind, conta a odisseia de um filho em busca do pai para falar dos fantasmas da ditadura que ainda assombram o país.

Porque escolheu falar sobre a Lei da Anistia de 1979?
Nasci em 1973 e meu contato com a política passou muito por esse termo que eu não entendia direito, mas que para a minha geração está ligado ao fim da ditadura. Teve uma coisa curiosa: eu comecei a fazer um pequeno roteiro que seria a base do romance lá por 2015, quando estava acontecendo a Comissão da Verdade, e os depoimentos que ouvi me deram os primeiros ensejos do que seria esse romance. Tinha a ver com o resgate de um passado e o quanto ele continuava presente. Quando comecei a pensar no assunto, parecia que o resgate do passado tinha a ver com a verdade, mas só fui escrever o livro em 2020, em um contexto totalmente diferente, como se o governo tivesse instaurado a Comissão da Mentira. A questão de um passado que parecia superado mas volta ganhou importância maior na narrativa, na história que eu queria contar em 2020.

Que história é essa?
Quando eu pensei no livro, tinha acabado de dar um curso sobre a Odisseia, de Homero. O protagonista de Anistia é uma espécie de Telêmaco, o filho de Ulisses, que parte em busca de notícias do pai desaparecido. Eu queria contar a história, toda passada em 1979, desse filho com a vida presa à ausência do pai.

Como foi sua pesquisa? Conversou com pessoas que viveram na época da ditadura?
Li livros de história, notícias de jornal. Li todas as entrevistas de O Pasquim dessa época, o que me ajudou muito a encontrar o linguajar, as gírias usadas. Escutei discos que tinham sido lançados no ano em que se passa o romance. Também foi importante ter lido o Caetano relatando sua prisão — é um capítulo que saiu no livro Narciso em férias, mas eu já tinha lido antes de ser publicado. Em Anistia, os personagens de ficção estão inseridos em acontecimentos reais. Também cito alguns nomes de movimentos e siglas que alguns leitores acham que não existiram. Por exemplo, o Comando de Caça aos Comunistas existiu, é informação histórica, mas parece ficção para alguns. Conversei tanto com pessoas que teriam a idade do pai, um desaparecido da ditadura, quanto a do filho, que está no começo da faculdade de história em 1979. Queria entender aquele momento indefinido do final dos anos 70, quais eram as expectativas de futuro dos jovens da época.

Quais são as suas expectativas de futuro hoje?
Não sei se é coisa da minha geração, mas eu tinha a ilusão de que o caminho histórico e político do Brasil avançava em uma direção e que a ditadura tinha mesmo ficado no passado. Mas parece que essa fantasmagoria impressionante ainda está aí.

Acha que o Brasil vai se livrar de seus fantasmas?
É complicado. Tenho visto muitos posts de pessoas falando a palavra anistia. Ela voltou, mas para dizer que anistiar torturadores manteve o fantasma da ditadura que nos assombra.

Seu romance me fez pensar no filme Argentina, 1985, sobre o julgamento de militares responsáveis por torturas e assassinatos naquele país.
Que maravilha de filme. Associei muito com todo o projeto do meu romance, caramba, é justamente sobre as maneiras de lidar com esse momento de virada que foi o fim da ditadura. Todo brasileiro tinha que ver esse filme. O julgamento na Argentina foi o momento de expor os criminosos e o Brasil não ter passado por isso possibilitou o retorno da extrema direita. A questão agora é em que medida vamos repetir esse erro, até que ponto vai ser possível fazer diferente.

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, , editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34)

Matéria publicada na edição impressa #65 em outubro de 2022.