Fichamento,

Karina Buhr

A compositora, atriz e poeta lança seu primeiro romance, a história de uma menina-velha contada por bilhetes invisíveis em ritmo de maracatu

01ago2022 | Edição #60

Nascido para ser uma peça de teatro, Mainá (Todavia), estreia de Karina Buhr na ficção em prosa, transita pelas múltiplas influências e vivências da artista que nasceu em Salvador e cresceu no Recife. 

Mainá, a protagonista do romance, é uma criança, mas parece que nasceu há muito tempo. Afinal, quando ela nasceu?
Foi há muito tempo, acho que eu tinha uns quinze anos quando pensei nessa personagem, e ela ficou ali, quietinha. Aí, em 1995, talvez, eu conversei com um amigo, o cineasta Marquinhos Simões, e falei dela — a ideia era fazer uma peça e montamos o roteiro com os personagens, que estão lá até hoje [no livro], mas com pouco texto, muito mais cenários e músicas. Começou a virar romance na pandemia, quando eu fui fazer um curso de escrita com a Andréa Del Fuego. Eu tinha um certo preconceito com esse tipo de curso, mas foi maravilhoso. Um dia, durante a oficina, joguei um texto de Mainá e a Andréa perguntou por que não transformar a peça em livro. Fui pirando, criando situações. Nunca tinha feito uma coisa assim, dessa forma diária, esse negócio de voltar, esmerilhar. Eu sempre fui muito da explosão, nas músicas vou guardando as ideias e um dia vou lá e faço. Mexer na ordem dos capítulos, penar escolhendo as palavras virou uma chavezinha desse ofício de escrever. Gostei dessa brincadeira, diferente de fazer música,
é uma coisa mais obstinada. 

E a poesia? Em 2015 você lançou um livro de poemas, Desperdiçando rimas (Fábrica 231/Rocco). 
Para mim era tudo misturado. A partir de Mainá comecei a separar mais. Sempre gostei de fazer tudo bagunçado, foi interessante escolher um lugar para cada coisa, botar uma roupa diferente para cada ocasião. No romance tem alguma poesia aqui e ali, mas eu joguei na boca dos personagens. Eu não costumo rimar, mas, no contexto do livro, o personagem pode fazer rimas, por exemplo. 

A protagonista foi inspirada em alguém?
Eu não pensei: “Vou fazer uma personagem”. A Mainá veio e fui imaginando ela se encontrando com figuras, uma mistura de entidades com pessoas comuns. Sempre a imaginei com uns doze anos e uma melancolia misturada com um pouco de Carnaval. Não é autobiográfico, mas tem algo que eu vivi, essa tristeza de não saber direito onde se enquadrar. Acrescentei coisas que não são minhas: a Mainá é falastrona, eu era e sou tímida. Pode não parecer por causa do palco, mas eu sou a última que vai puxar conversa em mesa de bar. 

Há também cenários e músicas de infância? 
Sempre viajei muito de um canto para outro, meu pai é do interior da Bahia, minha mãe, do Recife, então era música de cá, música de lá. Tudo influencia: eu desenho, escrevo, faço música. Como Mainá começou como peça, tenho a trilha inteira pronta, ideia do cenário, a ficha técnica com pessoas que admiro para fazer a montagem. Está tudo pronto, só falta patrocínio para a peça. 

Qual é a trilha sonora de Mainá
São músicas minhas que nunca lancei. Mais para esse lugar de pífaro, rabeca, tambor. Se não fossem minhas, poderiam ser do João do Pife, qualquer uma dele.O primeiro parágrafo do livro é como uma rubrica de cena teatral, já diz qual música está tocando [“Balança a rede, por João do Pife e seu irmão, Severino Alfredo, toca baixo em alguma radiola”]. O romance todo tem muito de maracatu rural, de coco, caboclinho. Uma coisa que vem desses terreiros de maracatu, das festas, criança convivendo com adultos, com velhos. Uma mistura grande de idades e jeitos de falar, então foi muito natural colocar isso nos diálogos. Essa convivência está no livro… lá vou eu dar spoiler, mas não pode. 

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, está lançando Tantra e a arte de cortar cebolas (34).

Matéria publicada na edição impressa #60 em julho de 2022.