(Renato Parada/Divulgação)

Fichamento,

Julia Codo

Estreia no romance da escritora paulistana traz ossos de desaparecidos políticos do passado e angústias do presente

31mar2025 | Edição #92

Caderno de ossos (Companhia das Letras), primeiro romance de Julia Codo, é uma jornada interior e política na descoberta de um passado que ainda assombra o país.

Escrever sobre a ditadura e desaparecidos políticos no Brasil tem a ver com sua história pessoal?
Eu nasci em 1983, a ditadura militar estava terminando. Mas como cresci numa família de militantes políticos, tinha essa memória de um tempo que não vivi. Escutava as histórias que minha mãe, meu pai, meus tios contavam. Eles chegaram a ser presos, mas nada do que aconteceu com minha família foi tão trágico como o que conto no livro. Eles não sofreram tortura, não teve essa parte mais pesada que, quando eu era criança, escutava sem entender e, ao mesmo tempo, entendendo. Essas histórias voltaram para mim com tudo o que foi acontecendo no Brasil nos últimos anos, a escalada do autoritarismo e da violência, e o romance também tem a ver com uma angústia minha em relação ao presente.

O romance fala da vala de Perus, onde estavam ossos de vítimas da repressão, e do esvaziamento da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Como é escrever sobre acontecimentos recentes?
Comecei a escrever em 2019 e terminei a primeira versão em 2023. Eu sabia mais ou menos a história das ossadas de Perus, e quando resolvi escrever fui conversar com uma amiga da minha mãe, a Amelinha Teles, que é da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Essa conversa foi muito importante para o nascimento do livro. E enquanto escrevia, aconteciam coisas, como o esvaziamento da comissão no governo Bolsonaro, e minha angústia ia aumentando.

A narrativa vai e volta entre histórias dos anos de chumbo e a de uma mulher hoje, aos quarenta anos…
Quis falar um pouco da minha geração, que não passou por esses anos da ditadura, mas sofreu seus efeitos. A escrita serve um pouco para elaborar, tentar chegar em um lugar que organize os pensamentos. Você fica lá apertando, espremendo, tentando esgotar ao máximo o assunto. Dá angústia, mas um alívio também.

Como usa a imaginação e a memória nesse processo?
A imaginação para mim é muito importante, porque a realidade escrita não dá conta do assunto. E tem as memórias. Como elas são construídas? Você junta lá uns ossos, cria a memória como cria literatura. Quando escrevo, não tento lembrar de forma deliberada, mas as coisas vêm de todo meu repertório de vida — do que aconteceu comigo, do que ouvi de outras pessoas, vi em filmes, fotos, tudo misturado. 

A narradora sabe muito pouco da história que está contando, por isso narra aos pedaços, como se fossem ossos desmembrados que ela tem que montar para tentar descobrir quem foi Eva [a tia desaparecida durante a ditadura]. Escrever também é juntar ossos, uma forma de organizar os pedacinhos. 

E os pedaços que faltam? Em Caderno de ossos falta um olho na tia, um braço da boneca, falta o marido, a mãe, falta o chão no piso da garagem da casa.
A premissa do livro já é uma falta, a pessoa que desapareceu. E tem a solidão da narradora, tudo que falta para ela. É um romance cheio de buracos. Tem a vala de Perus, o buraco no chão da garagem, os furos da narrativa. São muitos vazios no livro inteiro. 

Como os ossos preenchem buracos?
Osso é a última coisa que deteriora quando morremos, é o que nos resta. Um vestígio, mas muito concreto e duro. No fundo, somos aquela coisa dura que nos mantêm de pé, a nossa parte mais interna. Escrever é uma tentativa de chegar no osso das coisas. É bem louco, a literatura também é o que nos mantém de pé — não só quando escrevemos, mas também quando lemos. 

Quem escreveu esse texto

Iara Biderman

Jornalista, editora da Quatro Cinco Um, é autora de Tantra e a arte de cortar cebolas (Editora 34).

Matéria publicada na edição impressa #92 em abril de 2025. Com o título “Julia Codo”

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