
Fichamento,
Cadão Volpato
O escritor, fundador da banda pós-punk Fellini, muda de tom para dar notícias de como lida com a transição de gênero do filho
01jul2025 • Atualizado em: 30jun2025 | Edição #95Notícias do trânsito (Seja Breve) foi escrito a quente pelo autor, também jornalista, enquanto descobria mais sobre si mesmo ao saber que tinha uma filha trans.
Notícias do trânsito é muito diferente de seus outros livros. Isso gerou dúvidas na hora de publicar?
É completamente diferente do que fiz até hoje. Uma amiga me perguntou: “Tem certeza que quer publicar?”. Já lancei doze livros; se não fosse para escrever sobre o assunto que é o mais candente da minha vida até o momento, sobre o que mais eu poderia escrever?
O aspecto mais “sentimental” incomodou?
Mais Lidas
Tive uma banda alternativa, a minha vertente literária vem do surrealismo, um pouco dos beatniks, é de onde eu gosto de achar que eu vim. Sempre fui muito irônico, às vezes sarcástico. Sou renitentemente independente, tem a ver com um certo espírito trotskista do passado, que batia na arrogância. Mas não sei se sentimental é a palavra. É emocional, né? Acho que esse efeito tem sido transferido para as pessoas. Meu pai tem 94 anos, minha mãe, 90. Só mostrei [o livro] para eles agora, e eles foram incríveis, são muito mais empáticos do que eu.
Os avós não sabiam da transição?
Não. A Chimera, nome que ela escolheu e como a gente a chama agora, tem um aspecto andrógino, não parece exatamente uma mulher, e eles não percebiam. Ela se diz não binária. Foi uma escolha dela e uma libertação, o livro é um pouco isso também.
Sua filha leu o livro antes da publicação?
Foi a primeira a ler e disse que era mais sobre mim do que sobre ela. A questão é que quem deu a cara para bater foi ela, foi muito corajosa. No começo não pensava em publicar, ela que me deu uma força para fazer isso.
O Cadão mais irônico aparece quando escreve, em certo momento do livro, “chega de autoajuda”?
Tive que lidar com isso. Se estou colocando minhas questões ali, quem eu quero ajudar afinal? Não estou aqui para comover as pessoas, eu queria, sei lá, lidar com a situação. O livro foi escrito a quente, enquanto tudo acontecia. E comecei a ouvir casos de conhecidos que estão passando por coisas parecidas com seus filhos, muita coisa a gente não entende, mudou um paradigma. Eu nunca fiz terapia, análise. O [jornalista] Fernando Luna inventou uma expressão que adoro, ele falava: “Sou autolimpante”. E eu me achava superautolimpante. Mas precisei do livro para colocar para fora tudo o que sentia — e o engraçado é que sou avesso a me expor demais.
Em uma espécie de epígrafe de um capítulo, há uma frase sobre uma pessoa do século 20 tentando enxergar o esplendor. Há esplendor no século 21?
Cresci sob a ditadura e vi o esplendor. Porque era a descoberta da vida, essa coisa incrível. O mundo está ruindo e a gente consegue vislumbrar uma saída. Tenho quatro filhos, não posso ficar pensando que o mundo está acabando, embora os indícios estejam todos aí. O esplendor é acreditar que dá para viver. Existe uma regressão muito evidente na sociedade, mas tem conquistas que não voltam atrás; as questões de raça e de gênero nunca mais serão as mesmas, para nossa sorte. O esplendor é entender que o mundo pode ser diferente.
O seu trânsito foi entender isso?
Fico pensando na escolha da minha filha. Ela está lutando por uma identidade. Uma coisa quase punk — o jeito como se veste, se apresenta, exige ser tratada, são questões muito combativas. Faço uma conexão comigo mesmo, do tempo em que era estudante da USP, rebelde, libelu, pós-punk. As pessoas trans estão assumindo coisas muito duras, para elas é uma questão de combate. Tem aí uma conexão com o meu passado. Mas isso foi uma descoberta que me custou um livro inteiro.
Matéria publicada na edição impressa #95 em julho de 2025. Com o título “Cadão Volpato”
Chegou a hora de
fazer a sua assinatura
Já é assinante? Acesse sua conta.
Escolha como você quer ler a Quatro Cinco Um.
Faça uma assinatura anual com até 56% de desconto e ganhe uma ecobag exclusiva!
Entre para nossa comunidade de leitores e contribua com o jornalismo independente de livros.
Porque você leu Fichamento
Ana Rüsche
Escritora e professora lança romance que celebra a poesia em uma mistura de tempos históricos, ação e introspecção
JUNHO, 2025