Fichamento,
Bianca Gonçalves
A poeta, pesquisadora e performer paulista lança livro
de poemas para cabeças dançantes e corpos que pensam
Dedicado “às meninas que dançavam escondido”, Quadril & queda (Círculo de Poemas) traduz o ritmo e a poética do funk, do passinho, do axé e do corpo da mulher.
Como a dança entrou e fez diferença na sua poesia?
Desde meu segundo livro [A sexualidade de meninas ex-crentes, Garupa, 2021] tento contemplar questões que geralmente não vejo na poesia. Naquele foi a questão da sexualidade e espiritualidade. Em Quadril & queda, quis fazer uma poética do corpo que dança e que desse conta de algumas questões essenciais dos meus trinta anos de vida. Busquei referências que tinha antes de entrar na universidade, toda criança que morou na periferia passou pelo momento do funk, do axé. A gente tinha isso no corpo mas, por questões morais e religiosas, acabamos perdendo parte do nosso repertório.
Você é mais quadril ou mais cabeça?
Tento não separar. A gente é educada para separar mente e corpo, principalmente da cintura para baixo. Ninguém vai falar que pensa com a bunda. Mas, no mestrado, eu estudava uma escritora que falava do cabelo [Djaimilia Pereira de Almeida, que escreveu Esse cabelo], e pensava: se cabelo é corpo, e corpo é mente, tudo é mente e meu quadril também pensa. A grande questão para quem tem um corpo é a relação muito tensa com o quadril. Mas ele é o nosso core, nos dá equilíbrio. Tem um poema sobre as mulheres da minha família que carregam coisas em cima da cabeça com uma força que vem do quadril. Tento fazer um movimento contranormativo: escrever com a bunda do corpo pensante.
Como é escrever com a bunda?
Quando faço aula de dança, gosto de observar como a professora organiza retoricamente a aula. Como vou anotar um passo de dança? Desenho, escrevo? Eu acho bonito como as professoras abordam o corpo, a prosa que usam. Eu não sabia nomes de partes do corpo, aprendi nas aulas de dança: isquiotibiais, flexor do quadril. A gente mexe com isso todo dia e não sabe o nome. Foi também uma descoberta linguística. Tem uma retórica da aula de dança que acho muito interessante e trouxe para o livro, que fala de frevo, break, funk.
O funk tem um lugar especial?
O funk tem a ver com as danças que me interessam, transita por outros repertórios de corpo, mas é marginalizado, não só socialmente, mas também no mundo da dança. Quando entrei no meio, percebi isso e estranhei. Eu terminei o ensino médio em 2000 e a molecada voltava da escola ouvindo no celular músicas da Furacão 2000 [gravadora carioca responsável pela popularização do funk nos anos 90], teve muita repercussão na gente. Depois, teve a inserção do funk brasileiro no mercado internacional, eu brinco com isso, colocando palavras em espanhol em alguns poemas.
E onde entra a queda?
No livro, fiz um divisão do que era quadril e do que era queda, mas não foi muito consciente. Fala-se “ascensão e queda”, e esta vem em uma chave negativa, mas é mais aberta que ascensão: o movimento do quadril é descendo até o chão. Comecei a pensar em movimentos de queda, e também em questões mais existenciais. Incluí várias possibilidades, da morte até a queda de B-boy.
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E as questões de gênero?
Meu lugar como mulher sempre me inquietou e tive muitas questões ligadas ao meu corpo que acabei descobrindo porque fui atrás, num movimento que se deu a contrapelo do que fui ensinada. Ainda falta um lugar para tratarmos certos temas, mas a poesia possibilita isso — também por uma questão econômica: se uma mulher trabalha fora e dentro de casa, tem pouquíssimo tempo para escrever um romance, um épico sobre o erotismo, mas dá para escrever poemas.
Matéria publicada na edição impressa #84 em agosto de 2024.
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