Autobibliografia,

O menos clássico dos clássicos

As grandes entrevistas do Pasquim é o melhor antimanual de redação

03jul2025

Antes que boa parte dos sebos virassem dark kitchens de livros, centros de distribuição dedicados a vendas pela internet, adorava esbarrar por acaso com As grandes entrevistas do Pasquim numa prateleira empoeirada.

(Se é ótimo encontrar o que procuro com meia dúzia de cliques, também era ótimo encontrar o que não estava procurando.)

Mesmo com um exemplar na estante de casa, não deixava passar a chance de comprar o menos clássico dos clássicos do jornalismo brasileiro. 

Recém-chegado a São Paulo, era meu presente favorito pros coleguinhas de profissão – como um embaixador em missão diplomática, queria oferecer uma amostra do melhor da minha terra aos nativos do outro lado da Dutra.

Não é monumental como Os sertões, reflexivo como A regra do jogo nem emblemático como 1968: o ano que não terminou. Mas enquanto Euclides da Cunha, Claudio Abramo e Zuenir Ventura passavam a história a limpo, os pasquineiros Jaguar, Millôr Fernandes, Tarso de Castro e companhia faziam história.

O Pasquim mudou a imprensa.

Enquanto debochava da política e do comportamento, tratava famosos como anônimos (“Fernanda Montenegro, como é que você se sente trabalhando há quase vinte anos numa profissão de marginal?”), anônimos como famosos (“Madame Satã, você tem consciência de que é uma figura mitológica aqui no Rio de Janeiro?”) e ainda inventou uma nova linguagem.

Até então as entrevistas publicadas mídia afora lembravam diálogos de guia de conversação para estrangeiros. Tudo formal demais, artificial demais, ChatGPT demais. 

Vestiam o verbo de fraque e cartola.

Jaguar resumiu seu antimanual de redação: “A gente chegava, tomava umas biritas com o entrevistado (quando o entrevistado não bebia, a gente bebia por ele), ligava o gravador e depois mandava alguém datilografar o resultado do papo”.

Nada de fazer do afinado “me disse” um dissonante “disse-me”, nem de um direto “vou seguir” um tortuoso “segui-lo-ei” — a única pessoa viva, ou quase isso, que usa mesóclise num bate-papo é Michel Temer. Falou, tá falado.

O hebdomadário de Ipanema reconheceu o lugar de fala da fala.

Todo mês, o leitor Fernando Luna (@fluna) faz um exposed de seu relacionamento íntimo com um livro.

Quem escreveu esse texto

Fernando Luna

Jornalista, é colunista da Quatro Cinco Um da revista Gama.