Biografia,

Dor compartilhada

O relato da diretora de Operações do Facebook, Sheryl Sandberg, sobre a brusca perda do marido

09nov2018 | Edição #3 jul.2017

“Dave me permitiu vivenciar a experiência de ser compreendida profundamente, apoiada de verdade, amada total e absolutamente. Eu achava que ia passar o resto da minha vida repousando a cabeça em seu ombro.”

“Encontramos Dave no chão, caído ao lado do elíptico, com o rosto ligeiramente azulado e virado para o lado esquerdo. Havia uma pequena poça de sangue sob sua cabeça […]. Eu implorava que o médico me dissesse que meu marido ainda estava vivo.”

Só a estupidez de uma morte ocorrida “do nada” pode ligar dois trechos como esses na mesma história de amor. Um livro, narrado pela viúva, que se socorre de um fluxo de consciência agudo sobre a falta que o marido lhe faz, também pode. Sheryl Sandberg, a chefona número 2 do Facebook, escreveu esse livro. Com muita dor. E método.  

Ela e Dave Goldberg estavam juntos há onze anos, tinham um casamento vivo e dois filhos pequenos quando ele morreu. Sheryl havia lançado fazia poucos anos um primeiro livro surpreendente, e que, por isso, se tornara best-seller: ao falar dos desafios enfrentados pelas mulheres no trabalho, em Faça acontecer a CEO diz que não teria chegado aonde chegou profissionalmente se não fosse Dave a apoiar integralmente as ambições dela. E participar do cuidado com a casa e com os filhos. 

Agora, esse homem tão especial tinha morrido.

O casal estava num resort no México quando Dave teve uma arritmia cardíaca ao se exercitar, no dia 1º de maio de 2015; na queda, foi vítima também de traumatismo craniano. Nesse segundo e poderoso livro que lança agora no Brasil, Sheryl fala de seu luto e, baseada em ao menos 122 pesquisas científicas, defende que as agonias de uma tragédia podem ser (superadas, não) amenizadas e transformadas em algo bonito. Seu amigo Adam Grant, psicólogo da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, figura superpop nos Estados Unidos, talvez por se apresentar como “especialista em como podemos encontrar motivação e significado para a vida”, assina o livro com ela.

Dave Goldberg também era da turma dos tubarões do Vale do Silício. Tinha uma empresa milionária de pesquisas pela internet. Ele e Sheryl ficaram amigos há duas décadas, época em que ele apresentou a internet para ela. Quando se casaram, Dave trabalhava no Yahoo! e ela, no Google (na festa, os convidados ganharam bonés das duas empresas, confeccionados pelos noivos, que fizeram uma competiçãozinha de quem produziria o boné mais legal). Dave tinha o riso frouxo, era estabanado — “derrubava coisas constantemente, mas ficava chocado cada vez que isso acontecia”, conta a mulher — e adorado pelos amigos e filhos. Uma das passagens mais cortantes é a da chegada ao funeral. “Quando chegamos ao cemitério, meus filhos saíram do carro e se jogaram no chão, incapazes de dar um passo. Deitei no gramado, abraçando os dois enquanto choravam. Vieram os primos e deitaram conosco.”

Boa parte de Plano B mostra a viúva tratando de uma maneira quase corporativa sua dor, a dos filhos e a de dezenas de pessoas citadas nas pesquisas que ela comenta. No primeiro olhar, dá para achar que ela organiza os sentimentos em metas e performances. No segundo, também. Mas logo fica claro que Sheryl, talhada no mundo dos CEOs, diretora de Operações do Facebook (e aliás bem amiga do chefe, Mark Zuckerberg, e da mulher dele) é alguém que funciona, sim, com a ajuda de um business plan; mas que também autoriza o coração a interferir nele. Com canetinhas coloridas, ela e os filhos produziram um cartaz para afixar na parede. Nele, estão descritas as novas regras da família; uma tentativa, segundo Sheryl, de fazer com que as crianças respeitem os sentimentos esquisitos que apareceram com a morte do pai. Dividido em quatro listas, o cartaz tem itens como:

1. Respeitar nossos sentimentos: Tudo bem sentir raiva/ Tudo bem dar risada/ Não merecíamos isso.
2. Sono: Não se preocupe se não conseguir pegar no sono/ Meditação/ Sem Ipad antes das 7h.
3. Perdão: Se perdoe/ Perdoe os outros/Peça ajuda.
4. Trabalho em equipe: Vamos passar por isso juntos/ Pergunte qualquer coisa.

Sheryl não abusa da autocomiseração. Ao contrário, reconhece que por ter dinheiro — 1,6 bilhão de dólares — a viuvez não lhe causou um pesadelo ainda maior e que a família e o sem-número de amigos (do Facebook?) em posição de destaque a ajudaram na resolução de problemas do dia a dia. 

Zuckerberg, por exemplo, foi quem cuidou do velório; do qual compareceram também George Lucas, Ben Affleck, diretores do Google, da Disney e do LinkedIn, além de Bono Vox, que, inclusive, cantou. Todos foram convidados a tirar a gravata: Dave não gostava delas. Para ajudar a consolar as crianças, o presidente da Spacefox as chamou para assistir, na sede da empresa, ao fenomenal lançamento do primeiro foguete a conseguir pousar numa plataforma no oceano Atlântico. “Espero que não exploda”, sussurrou a menininha, de sete anos. Em casa, Sheryl, que tinha 45 anos ao enviuvar, dormiu chorando, por várias semanas, com a mãe abraçada a seu corpo.

Passados dois anos da morte de Dave, ela ainda se despedaça quando abre o armário que era do marido e sente o cheiro dele; quando chega correspondência para ele e, principalmente, quando no meio de uma reunião de trabalho, lembra do corpo do marido na poça de sangue. No entanto, ela teceu uma outra vida. Conheceu melhor um bilionário, dono de uma empresa de jogos de videogames, entre eles, o Candy Crush, voltou a tocar piano, hábito abandonado na infância, e a passear de bicicleta com os filhos.

Facebook

O Facebook trouxe para a rede extensões do comportamento da vida real de seus usuários; ou seja, todos do planeta. E a morte está nesse universo. Há alguns anos, nós, facebookianos, podemos deixar testamentado no site se queremos que os amigos continuem a poder postar no nosso perfil. É o que o Face chama de Memorial. Homenagens, troca de histórias, fotos e declarações de amor e saudade na timeline de um morto querido pode ser reconfortante para quem ficou. 

Essa novidade faz parte do que pesquisadores do luto chamam de cemitério virtual. Dele também fazem parte os velórios online; quando uma câmera é ligada durante a cerimônia, de maneira a deixar que amigos que moram longe, por exemplo, se despeçam de seus mortos.

Por muito tempo nas sociedades ocidentais acreditou-se que um bom jeito de segurar a barra do luto era nos distanciarmos emocionalmente de quem morreu. Hoje, crê-se exatamente no contrário. Faz bem para o coração manter algum tipo de ligação com os amores idos. O Facebook, espertamente, compartilha dessa percepção. 

Quem escreveu esse texto

Juliana Linhares

É jornalista.

Matéria publicada na edição impressa #3 jul.2017 em junho de 2018.