Meio ambiente,

A persistência dos brutos

Para escritor, declaração de ministro sobre Chico Mendes lembra os "trogloditas" denunciados por Euclides da Cunha

18fev2019

Ministros de Estado devem (ou deveriam) conhecer o conteúdo da pasta que dirigem. Não podem ser amadores, muito menos aventureiros ou embusteiros. Ministros de governos razoavelmente sérios são profissionais que têm um compromisso com a nação, e não com  interesses de uma classe econômica.

Em agosto do ano passado, o ministro do Meio Ambiente da França pediu demissão por discordar da tímida e hesitante política ambiental de Emmanuel Macron. Ainda assim, o presidente da França é um defensor ardoroso do Acordo de Paris, um tratado das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, visando uma redução brusca das emissões de dióxido de carbono a partir de 2020 pelos países signatários.

No Brasil, a leviandade e a estupidez de alguns ministros do atual governo tendem ao infinito.  O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles tentou atenuar sua declaração desastrosa sobre o líder sindical e ambientalista Chico Mendes, assassinado em 22 de dezembro de 1988. "A discussão sobre o que eu acho do Chico Mendes é irrelevante", declarou o ministro em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura).

Na verdade, irrelevante é o ministro. Aliás, não apenas irrelevante. O El País e outros jornais noticiaram que esse ministro foi alvo de ação por improbidade administrativa no período em que foi secretário da área no Governo Alckmin. A improbidade tampouco é irrelevante: manipulação de mapas de manejo ambiental do rio Tietê. Esse político do Partido Novo (que já nasceu velhaco) atende a interesses dos poderosos do agrone gócio e não tem qualquer compromisso com o meio ambiente, nem com povos indígenas, quilombolas, caiçaras.  

Em 1897, Euclides da Cunha chamava esses membros da elite de "trogloditas completos, cobertos de tênue verniz de cultura". Em 2019, até o verniz foi lixado. Numa carta de 25 de julho de 1871 à escritora George Sand, Flaubert escreveu: "Que a estupidez seja eterna, eu até entendo. Mas que os mesmos brutos persistam em tudo, isso me espanta". 

Quem escreveu esse texto

Milton Hatoum

Escritor e tradutor, é autor de A noite da espera (Companhia das Letras).