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A cobertura especial d’A Feira do Livro, que acontece de 14 a 22 de junho, é apresentada pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras

MINISTÉRIO DA CULTURA E PETROBRAS APRESENTAM

Jorge Carrión, Afonso Cruz e Noemi Jaffe (Flavio Florido)

A FEIRA DO LIVRO 2025,

Fetichismo do livro como objeto capitalista não me interessa, diz Jorge Carrión

Crítico cultural catalão falou sobre o amor à leitura e às livrarias com o escritor Afonso Cruz na mesa O vício dos livros

20jun2025

É seguro arriscar que ao menos a maioria das pessoas que circulam em um festival literário têm amor pelos livros, mas os convidados da mesa O vício dos livros vão um pouco além ao colecionarem enormes bibliotecas e produzirem histórias que falam de livros e de livrarias. O escritor e crítico cultural catalão Jorge Carrión e o também escritor e músico português Afonso Cruz falaram sobre essa paixão, sob mediação de Noemi Jaffe.

No entanto, ao contrário do que se poderia imaginar, eles não tratam o livro como um objeto sagrado ou imaculado, ao contrário. “O que me interessa dos livros são as ideias. Esse fetichismo, essa adoração ao livro como um objeto capitalista, não me interessa, me deixa nervoso. Me interessa poder manchar com o café que estou tomando, poder marcar e anotar com lápis”, disse Carrión.

O escritor Jorge Carrión (Flavio Florido)

Ele contou que sempre prefere edições baratas de bolso e que não entende pessoas que compram edições de colecionador que não podem ser lidas, que não podem ser tiradas da embalagem para não perder seu valor. “Todos os livros da minha casa são baratos e estão muito usados. Eu amo os livros, o que não amo é a especulação a partir dos livros.” O catalão faz a defesa dessa posição no ensaio “Contra a bibliofilia”, que encerra o livro Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros (Elefante, 2020).

Cruz, que é autor de O vício dos livros (Dublinense, 2024), relatou que resolveu o problema de ter acumulado muitos livros encontrando uma forma de dividi-los com outras pessoas. “Não sei exatamente, mas tenho uns 15 mil livros, e tinha que me mudar de casa conforme a quantidade de livros crescia. Quando me mudei para o Alentejo, eu gostei muito daquela casa e não queria continuar fazendo a mesma coisa.” A solução foi criar o projeto Era uma Voz, que conta com biblioteca, festival literário, exposições, cinema e uma rota literária que espalhou contos de autores convidados pela região, trazendo atrativos para uma região pouco visitada de Portugal.

Contra a Amazon

Apesar de não ter escrito um manifesto sobre o assunto, como o colega de mesa, Cruz também afirmou que não costuma comprar livros na Amazon. “Eu conheço muitos livreiros e fui desenvolvendo uma relação com eles. Tem uma livraria do Porto em que todos os meses eu compro livros às cegas. Todo mês eu envio uma quantidade de dinheiro e eles enviam uma quantidade de livros que eu não participo da escolha”, contou.

A fala do português foi a deixa para Carrión fazer uma defesa apaixonada de por que não se deve comprar livros na gigante do e-commerce. “Quando você compra na Amazon, o livro chega a você numa caixa que poderia carregar qualquer tipo de produto. Chega sem biografia, sem história. Na Amazon você não consegue conhecer gente, não pode se apaixonar… Aqui, ou numa livraria, você pode”, disse o autor de Livrarias: uma história da leitura e de leitores (Bazar do Tempo, 2018), ironizando que o dono da empresa, Jeff Bezos, não está preocupado com a vida em nosso planeta, mas sim em conseguir viver em Marte.

O escritor Afonso Cruz (Flavio Florido)

“Comprar na Amazon, qualquer tipo de objeto, é uma decisão política. E comprar livros é uma decisão duplamente política. E cada um deve decidir como quer se posicionar politicamente. Na Amazon, eles vendem os livros de Hitler. Eu poderia continuar enumerando aqui um milhão de razões para não comprar deles.”

O catalão também fez um alerta sobre as implicações do leitor digital Kindle. “A Amazon te espia. A Amazon sabe o que você lê, como lê e onde as pessoas abandonam o livro. Isso pode levar à criação de livros com inteligência artificial, vai acontecer a qualquer momento e quando descobrirmos eles vão dizer que era só um experimento. Ou mesmo pode acontecer que a Amazon comece a eliminar partes dos livros para que você não pare de ler. Por exemplo, se observam que as pessoas abandonam o livro em cenas eróticas ou políticas, começam a tirar essas cenas que acreditam que você não vai gostar”, advertiu.

A quarta edição d’A Feira do Livro 2025 acontece de 14 a 22 de junho, na praça Charles Miller, no Pacaembu. Realizado pela Associação Quatro Cinco Um, pela Maré Produções e pelo Ministério da Cultura, o festival literário paulistano, a céu aberto e gratuito, reúne mais de duzentos autores e autoras do Brasil e do exterior em uma programação com mais de 250 atividades, entre debates, oficinas, contações de histórias e encontros literários. Confira a programação e outras notícias do festival.

A Feira do Livro 2025 · 14 — 22 jun. Praça Charles Miller, Pacaembu

A Feira do Livro é uma realização do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – Incentivo a Projetos Culturais, Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão do livro e da leitura no Brasil, Maré Produções, empresa especializada em exposições e feiras culturais, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo.